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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Regime PT-STF

“A Revolução dos Bichos” e a mídia militante brasileira

Garganta A Revolução dos Bichos
Em "A Revolução dos Bichos", Garanta é o propagandista do regime. Igualzinho a certos jornalistas da atualidade. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.” (George Orwell, A Revolução dos Bichos)

O recente caso Natuza Nery me fez lembrar um personagem de A Revolução dos Bichos, genial fábula do socialismo totalitário publicada por George Orwell há 80 anos. Refiro-me a Garganta, um porquinho falante que representa a máquina de propaganda do regime. No conto de fadas distópico de Orwell, os animais de uma fazenda se revoltam contra o malvado fazendeiro Jones e instauram um governo revolucionário inspirado pelas ideias igualitárias do animalismo (uma óbvia referência ao comunismo). Com o passar do tempo, os bichos descobrem que as promessas de um mundo melhor eram todas falsas, e a implantação do animalismo torna-se tão somente uma ditadura cruel dos porcos sobre as outras espécies.

Garganta entra em ação sempre que surge algum problema ou insatisfação na Fazenda dos Animais. Quando os porcos do governo devoram toda a provisão de leite e maçãs que deveria ser dividida com os outros animais, o porta-voz do regime discursa:

“Camaradas! Vocês não imaginam, espero eu, que os porcos estão fazendo isso por espírito de egoísmo e privilégio. Muitos de nós, para falar a verdade, não gostamos de leite e maçãs. Eu mesmo não gosto. Nosso único objetivo ao tomar essas coisas é preservar nossa saúde. Leite e maçãs (e isso foi provado pela Ciência, camaradas) contêm substâncias absolutamente necessárias para o bem-estar de um porco. Nós, porcos, somos trabalhadores intelectuais. Todo o gerenciamento e a organização da fazenda dependem de nós. Dia e noite nós cuidamos do bem-estar de vocês. É pelo bem de VOCÊS que nós bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs. Vocês sabem o que aconteceria se nós, porcos, fracassássemos com nosso dever? Jones voltaria! Sim, Jones voltaria!”

Oito décadas depois, as palavras de George Orwell soam espantosamente atuais e descrevem com perfeição a nossa Revolução dos Bichos e o comportamento da mídia militante brasileira

Uma das especialidades de Garganta é jogar a culpa por tudo de errado que acontece em Bola-de-Neve, o porco que disputou o poder com o camarada Napoleão e por este foi derrotado. Segundo Garganta – que tinha livre acesso aos ministros do governo –, o perverso Bola-de-Neve andava frequentando secretamente a fazenda no período noturno para praticar suas maldades. O milho sumiu? Culpa de Bola-de-Neve. O leite foi derramado? Culpa de Bola-de-Neve. Faltaram ovos, frutas, ração? Culpa de Bola-de-Neve. Pegou fogo no bosque? Culpa de Bola-de-Neve. O ex-poderoso era o porco expiatório da fazenda:

“Se uma janela se quebrava ou um ralo entupia, alguém certamente dizia que Bola-de-Neve havia vindo durante a noite e feito aquilo, e quando a chave do armazém foi perdida, a fazenda inteira se convenceu de que Bola-de-Neve a atirara no poço. Curiosamente, eles continuaram acreditando nisso mesmo depois que a chave extraviada foi encontrada embaixo de um saco de farinha.”

Mas não pensem os meus sete leitores que Bola-de-Neve agia sozinho: ele se acumpliciava dos perigosíssimos boladenevistas! Entre esses inimigos do bem comum estavam as galinhas que se negaram a entregar seus ovos para o governo. Como punição, elas tiveram a ração cortada, e muitas morreram de fome. Quando os corpos das galinhas rebeldes foram enterrados no pomar, Garganta espalhou a versão de que elas haviam contraído coccidiose. Muitos bichos acreditaram, especialmente as ovelhas, que diante de qualquer problema baliam sempre o mesmo slogan, com estridência: “QUATRO PATAS BOM, DUAS PATAS RUIM!” As galinhas boladenevistas não tinham os mesmos direitos de defesa garantidos aos bichos leais ao regime. Todos aqueles que de alguma forma questionaram os porcos no poder acabaram tendo o mesmo destino: na melhor hipótese, o exílio; na pior, o extermínio fielmente executado pelos cães da polícia política.

Em 1945, cinco editoras inglesas se recusaram a publicar A Revolução dos Bichos (cujo título original em inglês é Animal Farm). Todas alegavam que o enredo incomodaria os soviéticos, à época aliados da Inglaterra. Quando finalmente encontrou uma editora disposta a publicar o livro, tornou-se persona non grata para os comunistas. Orwell chegou a escrever um prefácio relatando suas dificuldades para a publicação da obra:

“Um dos fenômenos peculiares de nosso tempo é o liberal traidor. Para além da famosa afirmação marxista de que a liberdade burguesa é uma ilusão, há agora uma tendência generalizada a se afirmar que só é possível defender a democracia por meios totalitários. Se há amor à democracia, dizem, é necessário esmagar seus inimigos, não importa como. E quem são seus inimigos? Parece que não são apenas os que a atacam aberta e conscientemente, mas também quem objetivamente a ameace, espalhando doutrinas equivocadas. Em outras palavras, defender a democracia envolve destruir a independência do pensamento.”

Provavelmente por temor das Natuzas Nerys da época, o prefácio de Orwell não foi publicado na primeira edição do livro. Oito décadas depois, no entanto, as palavras do grande escritor inglês soam espantosamente atuais e descrevem com perfeição a nossa Revolução dos Bichos e o comportamento da mídia militante brasileira. Os Gargantas do nosso tempo seguem intocáveis.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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