Na época da ditadura militar, duas canções se transformaram em hinos da esquerda brasileira: “Apesar de você”, de Chico Buarque, e “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. Não cabe aqui entrar aqui no mérito artístico das composições (que considero bastante enfadonhas, talvez por terem sido repetidas demais); meu objetivo é ressaltar-lhes o significado histórico.
“Apesar de você”, claramente dirigida ao general-presidente Emilio Garrastazu Médici, começa assim:
“Hoje você é quem manda
Falou tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão...”
“O Bêbado e a Equilibrista”, que fez sucesso na voz de Elis Regina, descreve a época em que a esquerda brasileira lutava, ou dizia lutar, por anistia ampla, geral e irrestrita. A letra de Aldir Blanc refere-se claramente aos exilados da ditadura:
“Meu Brasil que sonha
Com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora a nossa Pátria, mãe gentil
Choram Marias e Clarices
No solo do Brasil”
Irmão do Henfil é o sociólogo Betinho, antigo militante da Ação Popular. Clarice é a viúva do jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões da ditadura.
Chegamos ao dia em que essas mesmas canções, quase sem alteração nas letras, poderiam ser entoadas como hinos da direita brasileira. Infelizmente, ainda não apareceu um compositor para falar sobre os nossos exilados, nossos presos políticos e nosso herói morto na prisão. Pensei no meu amigo Chico Buraco, mas ele anda sumido, talvez com medo do Imperador Calvo. O jeito é ficar com as velhas músicas mesmo.
Agora somos nós, a direita, quem luta por anistia, ou melhor, por liberdade (pois anistia é apenas uma forma legal de reparar uma injustiça cruel). Agora somos nós que lutamos pela reparação das famílias destruídas. Agora somos nós que lutamos por eleições livres e limpas. Agora somos nós que queremos o fim da ditadura. Agora somos nós quem luta contra os psicopatas no poder.
Agora foi mais um de nós, o deputado Eduardo Bolsonaro — a quem tantas vezes critiquei, mas isso não vem ao caso —, quem resolveu partir para o exílio “num rabo de foguete”. Ele anunciou sua decisão em uma fala que vem a ser um divisor de águas no atual cenário político brasileiro.
Digo, sem medo de errar, que Eduardo tomou a decisão correta. Estamos vivendo numa ditadura. Não existem mais garantias legais e constitucionais no país. Só há uma lei: a-lei-xandre. Também a lógica e o senso de proporções deixaram de ter validade no Brasil: destrói-se a vida de alguém por uma frase alheia escrita com batom e apagada com água e sabão no dia seguinte. No Brasil, ele seria preso e sabe-se lá mais o quê.
Os exemplos históricos demonstram que a esquerda não vai desistir enquanto não cassar e caçar um a um dos seus adversários e potenciais concorrentes
Eduardo está coberto de razão em denunciar esse estado de coisas — sobretudo no país que em breve deverá punir os ditadores brasileiros, esses que parecem ter se esquecido de dois versos da velha música:
“Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão...”
Canal Briguet Sem Medo: Acesse a comunidade no Telegram e receba conteúdos exclusivos. Link: https://t.me/briguetsemmedo