Durante um longo tempo em nossas vidas, ele foi a voz do Brasil. Às oito horas, quando escutávamos a vinheta do Jornal Nacional, era sinal que o dia estava terminando e uma nova noite se apossava do mundo. Sou do tempo em que o tempo parava para escutar Cid Moreira.
Quando nasci, em 1970, Cid já estava há um ano à frente da bancada do JN, de modo que para mim ele era uma espécie de fato da natureza.
O mundo fora criado com os mares, com os céus, com as estrelas e com Cid Moreira; possivelmente ele fora contratado para narrar o Gênesis
Aqui na Terra, sua voz e sua imagem ressoavam nos altos edifícios das metrópoles e nas casas simples do interior; na cidade e na roça; nas favelas e nos bairros chiques; nos palácios e nos barracos. Se o Brasil fosse um reino, Cid seria o arauto; se o Brasil fosse um templo, Cid seria o sumo-sacerdote; se o Brasil fosse uma manhã, Cid seria o galo.
Os mais jovens não fazem ideia do que era a audiência do Cid Moreira, de como a sua voz e a sua imagem faziam parte do nosso cotidiano. Como explicar a meu filho que as pessoas marcavam compromissos para “depois do Jornal Nacional”?
Lembro-me de minha Vó Maria na sala, diante da TV Phillips com antenas e seletor de canais, escutando as notícias do dia. Eram tempos ingênuos — se o Cid Moreira havia dito, era verdade. Tenho saudade da Vó Maria. Tenho saudade dessa inocência que logo perdi.
Em 1996, quando a Globo resolveu aposentar o Cid, eu me fiz de durão — afinal, sentimentalismo não pegava bem para um militante comunista —, mas secretamente meu coração ficou pequeno. E agora, o que faríamos sem a voz oficial que adorávamos odiar?
Cid foi para o Fantástico, tornou-se o narrador oficial de Mr. M, o mestre dos mágicos, senhor dos sortilégios. Eu amava quando ele dizia:
— E agora, Mr. M? Como é que você vai sair dessa?
Mas o Mr. M sempre dava um jeito de escapar.
Meu comentário sobre a locução do Gênesis foi hiperbólico, mas nem tanto. Depois que saiu do JN, Cid resolveu gravar toda a Bíblia com sua voz retumbante, avassaladora. E gravou! Dei os CDs de presente para minha mãe, e os CDs acabaram ficando comigo até hoje. A Bíblia narrada pelo Cid termina com as seguintes palavras:
“Aquele que atesta estas coisas diz: ‘Sim! Eu venho depressa!’. Amém. Vem, Senhor Jesus! A graça do Senhor Jesus esteja com todos.” (Ap 22, 20-21)
O que dizer, depois disso, Cid? Apenas duas palavras:
— Boa noite.
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