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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Perseguição religiosa

Crime de pensamento: Padre José Eduardo e o golpe da oração

Padre José Eduardo é um dos indiciados da Operação Contragolpe, por rezar e prestar atendimento espiritual. (Foto: Reprodução/YouTube/Padre José Eduardo)

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“Ó Virgem dolorosíssima, vossas lágrimas derrubaram o império infernal.”
(Coroa de Nossa Senhora das Lágrimas)

Oração... Eis uma bela palavra do nosso idioma. Para o professor de português, oração significa um conjunto de palavras estruturadas em torno de um verbo, com a função de transmitir uma mensagem. Para um político, oração pode muito bem ser sinônimo de discurso; as falas de Cícero no Senado romano estão reunidas sob o título de “Orações”, e no Brasil temos a famosa “Oração aos Moços”, de Ruy Barbosa. Para este cronista de sete leitores, no entanto, a oração representa mais do que um instrumento de trabalho; é um modo de vida. 

O grande objetivo da minha vida de escritor tem sido transformar as palavras numa só oração dirigida a Deus, ouvida por meus sete leitores. Uma oração que vença a prisão do tempo e atinja, mesmo que por um lapso, a eternidade. Por isso os leitores são sete: é o número de Deus.

A oração me faz lembrar o conceito de símbolo. Não sei quem disse — talvez tenha sido Benedetto Croce — que o símbolo é uma “matriz de intelecções”. Um símbolo como o fogo, por exemplo, pode representar luz, calor, purificação, tortura ou castigo. 

O problema é que, no mundo moderno, nós perdemos a capacidade de interpretar simbolicamente a realidade. E o contrário de símbolo, meus amigos, vem a ser diabo

Isso mesmo: se o símbolo é um caminho para a realidade, o diabo é aquele que nos separa dela; aquele que nos divide em fragmentos atomizados e nos condena ao vazio do universo sem Deus.

O mundo moderno, ao nos separar dos símbolos, passou também a destruir as orações. Há exatos dois anos, em dezembro de 2022, o diabo soprou no ouvido de alguns policiais ingleses que uma moça chamada Isabel Vaughan-Spruce estava perturbando a ordem ao fazer uma oração silenciosa diante de uma clínica de aborto na Inglaterra. Isabel foi abordada pelos guardas, que lhe perguntaram:

— O que você está pensando?

Resumo da história: Isabel foi presa por causar constrangimento às pessoas que se dedicavam a assassinar bebês no ventre de suas mães. 

Tempos depois, graças a meu amigo Ivan Kleber, que mora em Londres, tive a oportunidade de entrevistar Isabel Vaughan-Spruce, e uma de suas frases me marcou profundamente: 

— Se as pessoas são impedidas de rezar silenciosamente, isso significa que seus pensamentos foram censurados.

No Brasil, a polícia do pensamento está em plena atividade. Dias atrás, dois parlamentares de oposição — Marcel van Hattem e Cabo Gilberto Silva — foram indiciados pela Stasi do regime PT-STF por denunciarem, na Câmara, um caso de abuso de autoridade. Ou seja, foram indiciados por suas orações.

Note-se o seguinte: a liberdade de expressão — ou poderíamos dizer: a liberdade de oração — é protegida pela Constituição Federal. Mas, no caso dos parlamentares, essa proteção é ainda mais reforçada. Diz o Artigo 53 da Carta Magna:

“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Ao indiciar os dois deputados, a Polícia Federal alegou que a inviolabilidade do parlamentar por suas opiniões — orações — “não é absoluta”. Ocorre que historicamente, quando se fez algum tipo de restrição às falas de deputados e senadores, os legisladores constitucionais deixaram isso muito claro no texto. 

A Constituição de 1937 — na ditadura do Estado Novo — esclarecia em seu Artigo 43:

“Só perante a sua respectiva Câmara os membros do Parlamento nacional responderão pelas opiniões e votos que emitirem no exercício de suas funções; não estarão, porém, isentos da responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime”.

A Constituição de 1967 — na ditadura militar — salientava em seu Artigo 32:

“Os deputados e senadores são invioláveis, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo nos casos de injúria, difamação ou calúnia, ou nos previstos na Lei de Segurança Nacional”.

Como meus sete atentos leitores podem notar, os regimes autoritários faziam questão de colocar limites à atividade parlamentar, mas ao menos tinham o escrúpulo de deixar isso bem claro na letra da lei. As orações dos ditadores antigos eram cruéis, porém sinceras.

No polo oposto ao do discurso parlamentar, existe a oração por excelência: a prece, o exercício espiritual, o diálogo com o próprio Deus.

A nossa polícia do pensamento, não contente em censurar as orações políticas, agora também está criminalizando a oração para Deus

Entre os 37 indiciados da Operação Contragolpe, está o Padre José Eduardo de Oliveira e Silva. Seu crime consistiu em rezar e prestar atendimento espiritual a pessoas supostamente envolvidas em um plano para abolir o “estado democrático de direito”. 

Da mesma forma que a Constituição não protegeu os dois deputados oposicionistas, o acordo diplomático entre o Brasil e a Santa Sé, que garante o sigilo sacerdotal, não valeu no caso do Padre José Eduardo. A oração é protegida pela lei, mas a lei é ignorada por quem deveria defendê-la.

O indiciamento do Padre José Eduardo é um dos maiores vexames da história do Supremo Soviete brasileiro e de sua polícia — mesmo levando em conta que nos últimos anos não faltaram vexames colossais. Talvez as pessoas ainda não tenham notado o precedente nefasto que isso vai abrir em nosso país. 

Doravante, uma simples oração poderá se tornar um crime contra o Estado. Jamais existiu uma “oração do golpe”, o que houve foi o golpe da oração: Padre José se negou a fazer sacrifícios e jurar lealdade ao deus pagão da democracia.  

Se um padre é indiciado porque rezou, o que falta para prender fiéis com Bíblia e terço na mão? Não falta nada: muitos já estão presos. Só que o sistema quer mais; ele sabe que nenhuma força política consegue superar o poder da fé. Contudo, os verdadeiros golpistas nada podem fazer contra a oração. Eles até podem indiciá-la, mas jamais conseguirão prendê-la.

(Agradeço ao amigo Eduardo Tozzini pelas informações jurídicas.)

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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