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Matheus, hoje é o dia mais importante da sua vida. Há exatos 46 anos, eu passei pela mesma experiência — a de receber a minha primeira comunhão. Muitas pessoas queridas estavam presentes ao meu lado naquela ocasião, entre elas meu pai. Infelizmente, você não terá o seu pai por perto hoje, em razão das circunstâncias do país. Sua mãe e sua irmã, no entanto, estarão ao seu lado.
Eu tinha 8 anos quando fiz a primeira comunhão; você tem 12. Guardo até hoje o meu livrinho de catecúmeno, no qual está escrito:
“A comunhão é o alimento da alma. A gente precisa receber sempre este alimento para estar sempre com Deus”.
Para nós, católicos, a Eucaristia é o centro da fé, a fonte da vida cristã, o momento em que mais nos aproximamos do Céu — não este céu coberto de fumaça, mas aquele onde habita o próprio Deus, em que poderemos contemplá-Lo face a face. São Padre Pio certa vez disse que a Eucaristia é tão essencial que seria mais fácil o mundo existir sem o Sol do que sem ela.
Meu jovem amigo, eu sei que você está sentindo a falta do seu pai neste momento. Também tenho muitas saudades do meu pai. Mas acredite: a Eucaristia tem o poder de transformar essa dor em uma espécie única de alegria.
Compreendo que você se entristeça com a injustiça que foi cometida contra seu pai. Eu sei, você sabe, sua família sabe, seus amigos sabem, os esquerdistas sabem, até o juiz que o condenou sabe que seu pai é um homem inocente, incapaz de fazer mal a alguém. Mesmo que tenha cometido algum erro menor — e quem não os comete? — jamais poderia ter sido condenado a uma longa e tenebrosa pena de prisão. Jamais poderia ser impedido de estar com você hoje. Mas não se revolte com isso.
Como ensinava Sócrates, é melhor ser vítima de uma injustiça do que praticá-la
Quando você estava na barriga de sua mãe, Matheus, durante nove meses seus pais e sua irmã rezavam todos os dias o Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Santo Anjo para que você tivesse uma vida abençoada. No dia do seu nascimento, o médico descobriu que havia um nó verdadeiro em seu cordão umbilical. É uma situação delicadíssima, que causa a morte de muitos bebês, e seu caso era especialmente grave. Quando enfim conseguiu salvá-lo, sem nenhuma sequela, o médico passou a mão pela testa suada e disse a seu pai:
— Eu não sei qual é a sua fé, mas agradeça a Deus por este milagre. Eu já fiz 35 mil partos e nunca vivi uma situação tão difícil.
Conheci um homem que passou pela mesma situação quando nasceu. Seu nome era José Monir Nasser, e ele se tornou um dos maiores intelectuais e professores do nosso país. Isso significa, Matheus, que Deus quis preservá-lo para uma missão importante. Com o seu pai longe, você agora é o homem da família. E ouvi dizer que você tem sido muito corajoso nesse papel. Sua mãe e sua irmã estão muito orgulhosas.
Em 1978, quando eu fiz a minha primeira comunhão, havia cartazes nas ruas com o seguinte slogan: “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Perguntei ao meu pai:
— O que quer dizer anistia?
— Anistia é perdão, Neno.
(Neno era o apelido que só meu pai usava.)
Anos depois, vim a descobrir que aquela anistia se referia a crimes cometidos durante a ditadura militar, alguns deles violentíssimos, como atentados a bomba, sequestros, tortura e execuções sumárias. Mas a anistia foi concedida e os piores crimes foram perdoados.
Vejo que a atual ditadura nega aos seus adversários a anistia que receberam no passado. Com a diferença que os antigos beneficiados pela anistia cometeram crimes reais — ao passo que os presos e exilados do 8 de janeiro, em sua esmagadora maioria, não cometeram crime algum, nem mesmo os de menor gravidade.
Não digo isso para que você se revolte ou busque vingança, Matheus. Digo-o para que você acalme o seu coração com a certeza de que seu amado pai voltará para perto de você. Pois esse mesmo Jesus que agora habita o seu coração disse certa vez:
— Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Conteúdo editado por: Aline Menezes