“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.”
(George Orwell, “Animal Farm”)
Na primavera de 1845, um jovem filósofo alemão chamado Karl Marx escreveu um pequeno texto intitulado “Teses sobre Feuerbach”, que serviu como apêndice de uma obra maior de seu parceiro Friedrich Engels. A 11ª e última tese exposta por Marx naquele opúsculo é a seguinte:
“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Parece uma frase inocente, não é mesmo? No entanto, ela abriu caminho para algumas das piores catástrofes e injustiças do mundo contemporâneo. Como bem observa Olavo de Carvalho no capítulo 6 de seu livro “O Jardim das Aflições”, a 11ª tese sobre Feuerbach traz a semente de um processo que caracteriza a mentalidade revolucionária do nosso tempo: “a abolição do conceito de verdade objetiva e a submissão de toda atividade cognitiva às metas e critérios da práxis revolucionária; a absorção da lógica na retórica, da ciência na propaganda ideológica”.
A frase do jovem Marx — que três anos depois publicaria, em parceria com Engels, o “Manifesto Comunista” — estabelece um marco na história da tirania das ideias sobre a realidade. Primeiro, vem a “transformação”, a “mudança social”; depois, vem a verdade. E se os fatos desmentirem as ideias, pior para os fatos.
Lembrei-me da frase do jovem Marx quando li, na Gazeta do Povo, a notícia sobre o escândalo das cotas na Residência Médica da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A excelente matéria da repórter Raquel Derevecki explica em detalhes o que aconteceu, mas farei um breve resumo neste parágrafo. Os formandos em Medicina que disputaram vagas nas Residências Médicas da UEL descobriram que quatro especialidades, entre as mais concorridas e prestigiadas da instituição, ofereciam 100% das vagas para candidatos cotistas (negros, indígenas ou pessoas com deficiência).
Foi isso mesmo que vocês leram, meus queridos e atentos sete leitores: todas as vagas das residências de Oftalmologia, Dermatologia, Psiquiatria e Cirurgia do Aparelho Digestivo foram reservadas para candidatos cotistas. Mesmo tendo desembolsado R$ 700 reais para a inscrição no processo seletivo, os candidatos de ampla concorrência ficaram sem nenhuma vaga nessas quatro especialidades. A única chance de obter uma vaga nessas quatro áreas médicas seria no caso de um cotista desistir ou ser desclassificado nos exames.
“Quem se inscreveria em um curso no qual não pode usufruir da vaga?”, questionou um candidato de ampla concorrência. É uma pergunta que qualquer pessoa dotada de bom senso faria.
Em outras especialidades, a situação também é complicadíssima para quem não é cotista: em Otorrinolaringologia, Anestesiologia, Cirurgia Geral e Endocrinologia, mais de 50% das vagas foram reservadas para as cotas.
O caso das cotas causou grande espanto, não apenas na comunidade londrinense, mas em todo o Brasil. Diversas entidades médicas se manifestaram contra esse bizarro critério que impede uma competição em igualdade de condições entre os candidatos à Residência Médica.
É importante lembrar que os cotistas candidatos às residências já foram beneficiados pelas mesmas cotas ao ingressarem no curso de Medicina. Seis anos depois, eles continuam em desvantagem na comparação com os não cotistas?
Vários pais de candidatos à Residência Médica na UEL procuraram este cronista dos sete leitores para manifestar o seu descontentamento. Veja o que eles disseram:
“Briguet, o edital publicado pela UEL diz apenas que 30% das vagas seriam destinadas às cotas. Isso já é discutível, mas a Universidade dissimulou o fato de que esse percentual de cotistas foi concentrado justamente nos cursos tradicionalmente mais procurados, mais prestigiados, mais requisitados.”
“É completamente inconstitucional! Onde está a igualdade de todos perante a lei?”
“Esse algoritmo que beneficiou cotistas me parece tão confiável quanto o das urnas eletrônicas.”
“Possivelmente as pessoas que não pertencem a nenhum grupo identitário serão os cotistas do futuro.”
“A quem isso tudo beneficiou?”
Conversei mais longamente com dois pais de formandos em Medicina. Ambos são cidadãos de classe média, homens de família que trabalharam a vida inteira para oferecer aos filhos uma boa formação.
Ambos acompanharam o esforço dos filhos em anos de estudo e dedicação. Ambos festejaram a aprovação dos filhos no concorridíssimo curso de Medicina. Ambos acompanharam a dura rotina de estudos, plantões e noites maldormidas de seus filhos nos seis anos de curso. E ambos se sentiram traídos pela Universidade no instante em que todos esses esforços seriam premiados.
Ninguém — nenhum coletivo, nenhuma entidade, nenhum movimento, nenhum partido político — existe para defender esse tipo de cidadão que não faz parte de grupos identitários.
No dia 29, depois que o escândalo estourou, a Universidade Estadual de Londrina decidiu anular o edital das Residências nos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Odontologia, Multiprofissional Saúde da Família e Multiprofissional Saúde da Mulher. A UEL responsabilizou o algoritmo utilizado para a distribuição das vagas pela confusão toda. Outro edital será publicado, com ajustes.
Desta vez, a realidade falou mais alto que a ideologia. Mas até quando? O fantasma do velho Marx — e de seus discípulos igualitaristas — paira sobre as nossas universidades
Mas não apenas sobre as universidades: na semana passada, começou a tramitar, na Assembleia Legislativa do Paraná, um projeto de lei do deputado Professor Lemos que diz o seguinte:
“As empresas que gozam de incentivos fiscais, que participem de licitação ou que mantenham contrato ou convênio com o Poder Público, com mais de cem empregados, deverão contratar pessoas autodeclaradas transgênero na proporção de, no mínimo, 5% do total de seus empregados”.
Mais uma vez, foi isso mesmo que vocês sete leram, meus amigos. As empresas paranaenses podem ser obrigadas pelo Estado a contratar transexuais unicamente porque são transsexuais.
Isso é só o começo, tenha certeza. A depender da esquerda, assistiremos à cotização geral do universo. É a realidade sendo substituída pela “transformação”. Esteja onde estiver, o velho Marx sorri agora — e seus discípulos da Escola de Frankfurt também.
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