“Ou se prende os comunistas pelos crimes que eles cometeram, ou eles, fortalecidos, irão nos prender por crimes que não cometemos.”
(Olavo de Carvalho)
Em 1936, no auge dos Processos de Moscou — julgamentos farsescos a partir dos quais milhões de vidas foram destruídas na União Soviética —, o ditador Josef Stálin ficou furioso quando descobriram que uma suposta reunião secreta para tramar o assassinato de autoridades comunistas havia ocorrido no Hotel Bristol, na Dinamarca. O único problema, logo notado pelos que acompanhavam os julgamentos, era que o tal hotel havia sido demolido 19 anos antes. Diante da falha de narrativa, Stálin bradou:
— Para que diabos vocês precisam do hotel? Deveriam ter dito estação ferroviária. A estação está sempre lá!
Lembrei-me desse episódio quando vi o nome de Filipe Martins entre os indiciados por “atentado violento ao Estado Democrático de Direito”.
Como todos sabem, o ex-assessor internacional da Presidência esteve preso por seis meses sob acusação de fazer uma viagem internacional que ele não fez e que, se tivesse feito, não seria crime.
Depois de inúmeras provas de que estivera no Brasil todo o tempo, Filipe foi finalmente libertado no último mês de agosto. Libertado, em termos: mesmo não tendo cometido crime algum, ele continua sendo tratado como um bandido perigoso e encontra-se limitado por uma série de restrições absurdas, como a de usar tornozeleira eletrônica, ser impedido de trabalhar e precisar comparecer semanalmente ao Fórum de sua cidade.
Assim como quem diz bom-dia, a Stasi do Imperador Calvo agora resolveu mudar a sua versão sobre Filipe Martins. Doravante, ele será acusado de ter “simulado sua viagem aos EUA para se esconder da polícia”.
Em outras palavras: se o Hotel Bristol foi demolido, a reunião ocorreu na estação de trem! Como se vê, não é de hoje que os tiranos pedem “criatividade” aos seus súditos
Não por acaso, Olavo de Carvalho dizia que os Processos de Moscou representam a forma mentis da esquerda contemporânea.
O problema, no caso de Filipe Martins, é que a estação ferroviária também não existe. O documento I-94 da Customs and Border Protection (agência do Departamento de Segurança Interna dos EUA) informando sobre a suposta de entrada do ex-assessor presidencial em Orlando, no dia 30 de dezembro de 2022, foi emitido com a grafia errada do nome do passageiro (Felipe, em vez de Filipe) e utiliza o número de um passaporte que fora perdido ou roubado em 2021, e cuja perda fora comunicada às autoridades brasileiras pelo próprio Filipe.
Se alguém quisesse levar a sério essa história pessimamente roteirizada, precisaria ignorar o fato de que Filipe Martins realizou, já no dia 31 de dezembro de 2022, um voo comercial para Curitiba e “escondeu-se” na casa dos pais de sua esposa, de onde fez tudo aquilo que um fugitivo da polícia não pode fazer sob pena de ser imediatamente localizado: abriu conta bancária, usou o mesmo celular que usava antes, andou de Uber e pediu iFood.
Ao acusá-lo de “simular” a viagem para os EUA, a Stasi alexandrina acaba por dar um tiro no pé: agora, as autoridades americanas vão querer descobrir quem foi o responsável por forjar esse falso I-94 com o passaporte roubado de Filipe. A pessoa que fez isso, sem nenhuma dúvida, merece ir para o xilindró por muitos anos.
É como disse em seu perfil no X a jornalista americana Mary Anastasia O’Grady, colunista do Wall Street Journal:
“Quem foi o agente da Alfândega e da patrulha de fronteira em Orlando que fez isso acontecer — e com um passaporte perdido ou roubado em 2021, cujo roubo fora registrado pelo próprio Filipe?”
Na mesma linha lógica, o empresário Otávio Fakhoury questionou:
“Como poderia Filipe Martins querer simular sua saída do Brasil para se esconder da PF se no mesmo dia 31 de dezembro ele pegou um voo comercial de Brasília para o Paraná e manteve seu fone o tempo todo ligado e rastreável? Desde quando alguém que deseja sumir do mapa fica aí pegando voos comerciais, andando de Uber e pedindo iFood?”
O caso de Filipe Martins me fez lembrar um conto de Philip K. Dick, depois adaptado para o cinema por Steven Spielberg: Minority Report. Nessa pequena obra-prima, o gênio da ficção científica narra a história de um policial que trabalha no Departamento de Pré-Crimes em uma sociedade do futuro.
Na época em que o policial vivia, os crimes foram totalmente erradicados graças a três seres mutantes — chamados precogs — cujos sonhos preveem a ocorrência de crimes antes que eles sejam consumados. O resultado é que milhares de pessoas estão presas por “pré-crimes” — ou seja, delitos que elas poderiam ter cometido (enfatize-se o uso do verbo no futuro do pretérito). Mas não cometeram.
O espírito de Minority Report baixou na Stasi alexandrina — embora os roteiristas brasileiros não tenham um milésimo do talento de Philip K. Dick. O que se vê no indiciamento de Bolsonaro e mais 36 pessoas é a criminalização do pensamento, da cogitação e da preparação de um golpe que jamais existiu — quando, no ordenamento jurídico brasileiro, essas fases do iter criminis não constituem crime e não podem ser punidas.
O que temos é um processo sendo comandado por alguém que cita o próprio nome 44 vezes e se reveza nos papéis de juiz, acusador, investigador e vítima
Não existe — muito ao contrário do que supõe o governador Tarcísio — a mínima possibilidade de que se realize uma investigação e um julgamento justo com base nesses alicerces podres.
Esse indiciamento teratológico nada mais é do que a continuidade e a consumação do golpe que as elites políticas deram no povo brasileiro a partir da descondenação de Lula, levando-o da cadeia para a cadeira presidencial.
É necessário, para o atual regime, criar uma narrativa para substituir essa realidade.
Para tanto, os donos do poder precisam criminalizar toda a verdadeira oposição — ou, em outras palavras, destruir a direita conservadora. Aqui, como na Rússia de Stálin, qualquer crítica sobre as políticas ou o caráter do regime automaticamente será considerada “terrorismo” e “conspiração para assassinato”.
No entanto, a verdade resistirá a todos esses golpes — e será revelada. Em Minority Report, existe um problema convenientemente ignorado pelas autoridades: os três precogs algumas vezes divergem nas suas previsões de crimes.
No filme de Spielberg, um chefe de polícia corrupto e assassino se aproveita dessas brechas para ocultar os próprios crimes. É exatamente o que o regime PT-STF está fazendo hoje: usando a narrativa do golpe falso para encobrir o golpe real. Outra vez a vida imita a ficção. Mas, no fundo, isso é uma boa notícia — pois, na vida e na arte, a vitória final pertence à Verdade.
Entre os indiciados por “abolição violenta ao Estado Democrático de Direito”, está o Padre José Eduardo de Oliveira, sobre quem já falei numa coluna anterior. Para encerrar esta crônica, nada melhor do que reproduzir o que ele acaba de dizer em suas redes sociais:
“Se você se sente insatisfeito, humilhado, é aí que você dá mais frutos. Aprenda a glorificar a Deus nessa situação, porque é a glória dEle que importa, não a nossa. Nós não podemos buscar a nós mesmos, nós temos que buscar a Deus e esperar com calma os momentos de Deus. Isso é grandioso. Às vezes nós ficamos tão contrariados porque as pessoas fecham a porta na nossa cara, porque talvez nos desprezem ou por algum motivo nos excluem, mas tudo isso está calculado pela providência divina para produzir uma grande eficácia sobrenatural. ‘Não é pela força nem pela violência, mas pelo meu Santo Espírito’, diz o Senhor através do profeta Zacarias”.
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