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“O homem na situação violenta revela aquelas qualidades menos dispensáveis em sua personalidade, aquelas qualidades que são tudo o que ele terá para levar consigo para a eternidade.” (Flannery OʼConnor)
A frase que dá título a esse breve artigo já foi atribuída ao britânico Winston Churchill e ao brasileiro Carlos Lacerda. Curiosamente, não se sabe com certeza a sua origem, mas estima-se que tenha sido dita ou por Georges Clemenceau ou por Anselme Batbie, políticos franceses, e sua forma mais difundida seria: “Quem não foi socialista aos 20 anos não tem coração; quem continua sendo aos 40 não tem cérebro”. Uma frase de efeito, por certo, que tem um pouco de verdade ao atribuir ao pensamento de esquerda um sentimentalismo em relação aos males do mundo e a proliferação de desgraças na hora de tentar resolvê-los. Ou seja, podemos dizer que a esquerda muitas vezes acerta no diagnóstico, mas erra na solução.
Quando olhamos para a segunda parte da frase, relacionada ao seu antípoda, encontramos uma pretensão à racionalidade objetiva. O “ter cérebro” significa ter uma visão mais acurada da realidade, não se deixando enganar pelos sentimentos ou mesmo ser tomado pelo ressentimento que cega. A pessoa de direita seria mais lógica, mais inteligente e mais atenta às contradições do mundo; e a crença na (ou constatação da) imperfeição humana, um dos princípios que norteiam o pensamento conservador, evitaria os arroubos utópicos. É Russell Kirk, em seu inescapável A política da prudência, quem nos explica: “A natureza humana sofre irremediavelmente com certas falhas, sabem os conservadores. Por ser o homem imperfeito, uma ordem social perfeita jamais pode ser criada”. E complementa: “Tudo o que razoavelmente podemos esperar é uma sociedade tolerantemente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desajustes e sofrimentos continuam à espreita. Ao dar a devida atenção à reforma prudente, podemos preservar e melhorar essa ordem tolerável”.
No entanto, um fato (entre tantos) recente me fez pensar no quanto essa frase pode estar não só conceitualmente, mas, consequentemente, também na prática, errada. No dia 9 de fevereiro, seguranças de um supermercado em Guarulhos (SP) agrediram uma mulher absolutamente indefesa sob a acusação de ter furtado alimentos. Segundo o coordenador administrativo do supermercado, “a mulher pratica furtos ʻrecorrentesʼ e, naquela noite, tinha furtado dois pacotes de carne seca”. As imagens perturbam. Um dos seguranças dá uma rasteira violentíssima na mulher, que cai numa posição que, por sorte, não lhe quebrou o pescoço.
Como pode ser possível, diante de uma cena de violência tão desmedida e da possibilidade evidente de os seguranças agirem com justiça (não com justiçamento) em relação à mulher que teria cometido um furto, que as pessoas comemorem?
Consternado, fiz uma postagem em meu Twitter dizendo que “o nível de violência desse pessoal da ʻsegurançaʼ com uma pessoa – uma mulher – [...], é inacreditável”. Não demorou muito tempo para aparecerem comentários relativizando a agressão sob a justificativa de a mulher ter praticado o furto. Coisas do tipo: “Tá errado bater, mas também por que ela foi roubar? Tem gente aleijado que ganha dinheiro, pessoa com 2 braços, 2 pernas, que enxerga e escuta, não precisa roubar”, ou “se não tivesse roubando não teria apanhado”, ou “quantas vezes essa mulher já não fez isso, está errado?”, escritas por pessoas que claramente não são de esquerda – parecem mais movidas pelo famigerado “é só não roubar” fomentado pelo ex-presidente –, fizeram-me constatar que, de fato, a direita não tem coração, mas também não tem cérebro.
Como pode ser possível, diante de uma cena de violência tão desmedida e da possibilidade evidente de os seguranças agirem com justiça (não com justiçamento), que as pessoas comemorem? Como é possível ser tão reducionista e sem compaixão diante de uma situação tão desconcertante?
Uma explicação possível é o nível quase absoluto de impunidade que vivemos no Brasil. As pessoas, cansadas de sofrer violência por parte de criminosos, reagem querendo o retorno da Lei de Talião. OK, mas não posso chamar isso de “conservadorismo”. Um conservador sabe que soluções simples e rápidas escondem um nível altíssimo de imprevisibilidade, que pode gerar, no longo prazo, resultados desastrosos. Um conservador é guiado, fundamentalmente, pelo princípio da prudência. Recorro novamente a Kirk:
“Qualquer medida pública deve ser julgada pelas suas consequências de longo prazo, não apenas por vantagens ou popularidade temporárias. Os esquerdistas e os radicais, diz o conservador, são imprudentes, pois se lançam impetuosamente em direção aos próprios objetivos, sem dar muita atenção ao risco de novos abusos, ainda piores que os males que esperam debelar. Como dizia John Randolph of Roanoke, ʻa Providência anda devagar, mas o diabo sempre urgeʼ. Complexa como é a sociedade humana, as soluções não podem ser simples, se têm de ser eficazes. O conservador declara agir somente após suficiente reflexão, tendo sopesado as consequências.”
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Isso é usar o cérebro e o coração, é encontrar aquele equilíbrio aristotélico de que C.S. Lewis fala em A abolição do homem, ao descrever os famigerados homens sem peito: “A cabeça governa os membros inferiores por meio do peito – que é o trono, de que nos fala Alanus, da Magnanimidade, de emoções organizadas pelo treinamento do hábito para ter sentimentos estáveis. Sentimento-Magnanimidade-Peito – esses são os oficiais da relação amorosa entre o homem cerebral e o visceral, pois pelo intelecto ele é simples espírito e por seu apetite, mero animal”. Ou seja, nem um conservador nem ninguém deve ser só coração ou só cérebro; é preciso equilibrar intelecto e emoções. Mas um conservador que é reativo – “tem de apanhar mesmo!” – não está sendo cerebral, tampouco sentimental; só está sendo rude, simplório, estúpido.
Urge um conservadorismo que nos afaste da grosseria em nome do politicamente incorreto, e da violência em nome da justiça.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos