“No fundo, o conservador não é um homem que quer voltar ao passado – mas que deseja chegar vivo e em boas condições ao futuro.” (João Camilo de Oliveira Torres)
Vivemos tempos convulsos, sombrios, tristes até. Porém, não obstante toda a indigência política e cultural que nos assola, vimos nascer uma enérgica reação à hegemonia que nos dominava havia tantos anos, e isso é de todo louvável. Movimentos sociais e políticos críticos à esquerda pululam nos protestos contra toda essa estrutura corrupta de nossos dias. Candidatos não ligados ao socialismo (ou mesmo à social-democracia) já figuram – quase solitários, mas muito perseverantes e combativos – nas Assembleias e Câmaras de alguns estados e municípios do país. Tudo isso fomentado pelos escândalos recentes de corrupção, que vieram à tona por conta da Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, desvendando o maior esquema de assalto aos cofres púbicos da história da humanidade.
Tal reação, claramente contrária a essa esquerda que ocupa o poder há décadas, foi associada ao seu espectro antagônico natural – a direita –, e a luta política no Brasil se polarizou como há muito não se via. Movimentos clamando pela valorização da família, pela educação sem doutrinação ideológica, pelas liberdades individuais e pela diminuição do Estado são, hoje, facilmente identificáveis nas redes sociais e, apesar da constante demonização que sofrem do establishment progressista, seguem, ainda que um tanto cambaleantes e cheios de contradições, determinados. E isso é ótimo.
É ótimo porque permitiu às pessoas comuns perceberem que, para além da corrupção, há um problema tão ou mais grave em curso: a engenharia social como luta política, tática fundamental da nova esquerda. E isso passa pela revolução total dos costumes e pela tensão social através de demandas específicas, identitárias e, sobretudo, diluídas, que dão à militância – ao intelectual orgânico – um poder de manipulação impressionante no campo da “filosofia da práxis” formulada por Antônio Gramsci. Segundo o ideólogo e fundador do Partido Comunista Italiano (no primeiro volume dos Cadernos do Cárcere), a história ético-política [o que ele chama da realidade de um momento da hegemonia] “consiste precisamente na reivindicação do momento de hegemonia como essencial à sua concepção estatal e à ‘valorização’ do fato cultural, da atividade cultural, de uma frente cultural como necessária, ao lado das frentes meramente econômicas e políticas”. Tal “momento da hegemonia” é a tomada das consciências através da cultura e da educação; ou seja, a “revolução passiva” que visa a conquistar corações e mentes. Esse é, atualmente, um dos investimentos mais pesados da esquerda. O outro é o incentivo à desordem provocada pelo lumpemproletariado – bandidos, traficantes, excluídos de toda sorte –, que Herbert Marcuse julgava ser “uma força elementar que viola as regras do jogo” e faz avançar a revolução.
É muito positivo perceber que, ainda que nosso senso moral tenha sido profundamente maculado por décadas de estímulo à diversão desenfreada e ao “jeitinho” como valores supremos, de repente, num surto de urgência impressionante, nos levantamos e reagimos, denunciando e resistindo àqueles que, por pouco, não destruíram irreversivelmente nosso orgulho de sermos brasileiros.
É o renascimento de nosso conservadorismo. Incipiente, difuso, pouco esclarecido, mas um conservadorismo real – baseado no senso comum, na imaginação moral e, particularmente, nos últimos resquícios de ordem que restam ao povo sofrido da Terra de Santa Cruz. O filósofo Russell Kirk afirmou, com razão, em A política da prudência, que “a fonte da ordem conservadora não são escritos teóricos”, e que “a convicção conservadora nasce da experiência”. Ou seja, o conservadorismo não é um movimento livresco, doutrinário, mas uma cosmovisão, uma maneira de ver o mundo através da Tradição, das “coisas permanentes” e/ou “consagradas pelo uso”. Nesse sentido, evidentemente, não quero dizer que um conservador deve rejeitar os livros, mas que o conservadorismo não está baseado em teses ou manuais doutrinários, e sim na experiência acumulada ao longo da história.
Ao contrário da visão propagada pela esquerda – que soa quase como mero xingamento –, o conservador também não é um mero guardião do status quo. Ele respeita o tempo adequado para mudanças e rejeita toda e qualquer transformação radical da sociedade. Por isso protesta, por exemplo, contra exposições artísticas nas quais homens nus são tocados por crianças, ainda que permitidas pelas mães. Justamente porque não crê no princípio rousseauniano de perfectibilidade humana ou num futuro livre de tabus, preconceitos ou interditos sociais; descriminalizar a pedofilia não significa que os abusadores de crianças desaparecerão como num passe de mágica. É preciso ter prudência. “Podemos reformar”, diz João Camilo de Oliveira Torres em O elogio do conservadorismo, “por meio de um processo de cautelosa adaptação do existente às novas condições – e nunca pelo estabelecimento de algo radicalmente novo”.
As bases para o conservadorismo podem ser retiradas de muitos lugares – e nisso os livros podem nos ajudar: das mitologias à experiência de nossos pais e avós; dos contos de fadas à poesia; dos Dez Mandamentos às virtudes cardeais dos gregos; do Tao das religiões orientais àquele que considero a quintessência do conservadorismo: o Evangelho (voltarei a isso).
Cabe ao conservador, portanto, fincar os pés nas “coisas permanentes” e resistir ao impulso de transformar esse despertar em mera ideologia anticomunista, ou, como disse Russell Kirk, em “política da irracionalidade apaixonada”. O trabalho mais urgente e, ao mesmo tempo, que exige de nós mais paciência, é resgatar nossas tradições histórica e imaginativa, a fim de pavimentar o caminho pelo qual as novas gerações poderão andar, menos sujeitos à sedução ideológica. E a política? A política é só um detalhe.
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