“A Retórica é útil, porque o verdadeiro e o justo são, por natureza, melhores que seus contrários. Donde se segue que, se as decisões não forem proferidas como convém, o verdadeiro e o justo serão necessariamente sacrificados; resultado este digno de censura.” (Aristóteles, Retórica)
O ano era 2018. Jair Bolsonaro era o candidato líder nas pesquisas de intenção de voto, apesar do insistente whishful thinking para que ele derretesse durante os debates. Havia uma esperança entre os adversários que, submetido ao confronto, Bolsonaro não só se perderia no seu despreparo, como disse Ciro Gomes, mas sua burrice, como classificou o camaleônico Reinaldo Azevedo, e sua alta rejeição tratariam de o derrotar.
Entretanto, três momentos durante a campanha eleitoral mostraram que seu despreparo só não era maior que a arrogância de seus adversários. Aqueles que consideravam a derrota de Bolsonaro em todos os cenários no segundo turno; que o consideravam homofóbico, machista e racista e, por isso, incapaz de ganhar a eleição; e mais do que isso, que consideravam ser suficiente reforçar ainda mais esses rótulos, e as pessoas veriam que Bolsonaro não era capaz de governar o Brasil, não entenderam que a única coisa para qual Bolsonaro estava profundamente preparado era para se defender daquelas acusações – ainda que dobrando a aposta. Ele tinha, de fato, assumido a aura de autenticidade que a opinião pública lhe conferira até aquele momento.
O primeiro momento foi a entrevista para o Roda Viva, da TV Cultura, programa no qual o então candidato, como se diz, nadou de braçadas, e, naquele momento, já levou a esquerda a um estado de alerta. O site da revista Carta Capital, por exemplo, afirmou ter sido “o Roda Viva que Bolsonaro sonhava”, e concluiu: “Ansiosos por expor as ʻpolêmicasʼ do presidenciável, a bancada do Roda Viva acabou por produzir o resultado inverso: reforçou a sensação de que Bolsonaro é ʻautênticoʼ e ʻfala o que pensaʼ”. Pois é, mas não parou por aí. O segundo momento foi a entrevista na GloboNews, em que Bolsonaro não só fez questão de mostrar que não dava a mínima para os rótulos – lembremos que ele foi “treinado” para esse tipo de confronto em programas como o SuperPop, Pânico e CQC –, mas ousadamente buscou jogar na cara dos jornalistas e apresentadores toda a incoerência da TV Globo, levando a emissora a produzir um editorial absolutamente constrangedor, de última hora, a fim de contemporizar suas declarações. E o terceiro momento foi a sabatina do Jornal Nacional, da mesma Rede Globo. “Kit Gay”, salário inferior das mulheres e outros temas deram a tônica da polêmica – de novo, totalmente infrutífera para seus oponentes. Praticamente ninguém, em nenhuma dessas entrevistas, se preocupou em fazer perguntas técnicas, sobre os reais problemas brasileiros e em que um presidente poderia contribuir para sua solução. A insistente tentativa de demonstrar superioridade moral, de sinalizar virtudes diante de alguém que, para eles, encarnava tudo de ruim foi um verdadeiro desastre.
Pois o mesmo aconteceu recentemente, no debate entre Arthur do Val – o Mamãe Falei – e Álvaro Borba, do canal Meteoro Brasil, promovido pelo podcast Inteligência Ltda. Foi um dos maiores (se não o maior) constrangimentos de uma pessoa num debate em toda a história brasileira. Não tanto pelo conteúdo do debate em si, que quase não teve temas específicos debatidos de fato, mas justamente pela postura arrogantemente patética de Álvaro Borba, que, após fazer dezenas de vídeos em seu canal com acusações graves contra o Movimento Brasil Livre (MBL), quando se viu frente a frente com um alvo preferencial de suas calúnias, a única coisa que soube fazer foi passar vergonha. Visivelmente nervoso, descontrolado em alguns momentos, sem conseguir responder a uma pergunta sequer de Arthur – que, na verdade, foi ao debate com a intenção tão somente de defender a si e ao movimento que integra –, restou a Álvaro a tentativa frustrada, através do expediente mais pueril de todos num debate, o argumentum ad hominem, de diminuir a pessoa de Mamãe Falei.
Na verdade, o que ocorre é que, para a esquerda, tudo o que não é espelho é fascista. Nada que não venha de sua visão de mundo presta. E, mais do que isso, a esquerda militante trabalha com a desumanização de seus adversários, uma vez que sua tese fundamental, a da opressão sistêmica e do igualitarismo ideal, não cabe na realidade e não é aceita com facilidade pelo senso comum. Como eu mesmo disse em artigo recente nesta Gazeta do Povo: “O progressismo – no sentido de uma ideologia do progresso, que vê o progresso sempre como algo vantajoso – não é natural no ser humano. Há um senso de preservação e de ordem que sempre entra em conflito com as mudanças, que são fruto das circunstâncias e, em casos mais urgentes, realizadas pelas mãos de pessoas excepcionais. E a esquerda sabe disso”.
Por essa razão suas ideias só fazem sentido se forem apresentadas como bens absolutos; porém, são bens que, para serem levados a sério, necessitam, segundo eles, de um processo de conscientização das pessoas comuns, que precisam ser convencidas (ou doutrinadas) a concordar, por exemplo, que seu esforço sempre será em vão, pois ocorre num contexto de exploração, no qual alguém – os donos dos meios de produção – se apropriará daquilo que deveria ser delas. Elas também precisam ser convencidas de que viver num mundo no qual não haja diferenças, ou em que as diferenças não possam ser medidas em termos de capacidade ou qualidade, é melhor do que um mundo competitivo, em que o mérito seja o motor do progresso.
Álvaro Borba foi vencido por sua estupidez pretensiosa, que, segundo Robert Musil, “é menos uma falta de inteligência do que uma abdicação desta perante tarefas que pretende cumprir e que se lhe não adequam”. Não se trata, como diz Musil, “de uma doença mental; [porém,] nem por isso deixa de ser a mais perigosa das doenças do espírito, pois ameaça a própria vida”. Tais pessoas imbuem-se a si próprias de tamanha pretensão moral e intelectual, se veem como tão evoluídas, que quem discorda delas não está somente errado, mas é menos que um ser humano.
Arthur do Val, como todo ser humano, é cheio de notórios defeitos; mas o que são defeitos para pessoas que alcançaram um nível de consciência que, segundo elas próprias, as fez enxergar tudo o que está podre detrás da sociedade capitalista opressora? O que são defeitos para quem só quer o bem da humanidade? O que são defeitos para quem tem a resposta para uma vida feliz, sem distinção de classes, raça, gênero etc.? Pois é; essas pessoas, ao fim e ao cabo, se acham sem que sejam absolutamente nada. São vazios. Por isso, quando confrontadas com a realidade, são reduzidas ao que são realmente: memes ambulantes.
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