“O mundo está realizando o experimento de tentar uma forma de mentalidade civilizada, porém não cristã. A experiência irá falhar; mas devemos ser pacientes em esperar o colapso. Neste ínterim, redimamos o tempo: para que a fé possa ser preservada viva ao longo da era das trevas que surge diante de nós; para renovar e reconstruir a civilização, para salvar o mundo do suicídio”. (T. S. Eliot)
No artigo que publiquei na quinta-feira passada, falei sobre a importância do ressurgimento do conservadorismo brasileiro, ainda em fase embrionária e cheia de contradições. Nesse sentido, disse que as fontes do conservadorismo não são teorias retiradas de manuais de política, mas da realidade e da experiência acumulada ao longo da história. Dessa experiência surgiram mitos, religiões, cultura. E afirmei que a quintessência do conservadorismo é o Evangelho. Creio que essa seja uma data oportuna para explicar minha afirmação.
Peço a ti, amigo leitor, encarecidamente, que acompanhes o meu raciocínio – mesmo que não sejas cristão ou mesmo religioso:
Jesus Cristo – que um humorista brasileiro, querendo falar sério, chamou de “líder comunista […], baderneiro, terrorista bolivariano, sem-terra, defensor de bandido e da prostituição” – não foi um revolucionário. De modo algum. E tomo por revolucionário aquele tipo que o filósofo romeno Andrei Pleșu, em seu excelente Da alegria no Leste Europeu e na Europa ocidental, chamou de “fanático da novidade”. Ainda que muitos tenham associado Jesus aos zelotes – seita judaica radical, que pregava a luta armada contra a dominação romana e aguardava um messias revolucionário –, não há qualquer indício concreto dessa ligação, em palavras ou atos. Não que Jesus Cristo tenha sido conservador – longe de mim diminuí-lo desse modo –, mas o princípio das Boas Novas é a consumação, não a revolução dos séculos. Três aspectos, creio, são suficientes para confirmar minha tese:
1. As profecias e os ritos judaicos antecipam a vinda de Cristo:
Jesus é “aquele que havia de vir” (Mt 11,2), e os ritos sacrificiais prefiguravam o seu próprio sacrifício, de modo que não há senão uma adequação histórica e meta-histórica à imaginação moral e à religião dos judeus, durante séculos alimentadas pela Lei e pelos profetas. Essa adequação é a descoberta de que o Reino de Deus “não é deste mundo” (Jo 18,36). Portanto, não se trata de uma imanentização do eschaton – o cumprimento do Reino de Deus aqui mesmo, na Terra –, como escreveu o filósofo Eric Voegelin. Mas a vinda de Cristo e seu ministério não são outra coisa senão o cumprimento do eterno Plano de Deus para a humanidade, sumariamente representado pela profecia de Isaías: “o Espírito do Senhor Deus está sobre mim; porque o Senhor me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos” (Is 61,1).
2. Jesus não veio quebrar a ordem estabelecida, veio cumpri-la:
Todos os confrontos que teve com os poderosos de seu tempo foram para adverti-los do quão distante estavam daquilo que Deus lhes havia proposto. “Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5,17). E completou: “Porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado” (v. 18). O que há de revolucionário em cumprir aquilo que foi estabelecido há milênios? Nada.
Nem mesmo as imprecações contra o dinheiro são, diretamente, uma condenação à riqueza, pois em diversas passagens bíblicas Deus se alegra na prosperidade dos seres humanos (Sl 112,3, por exemplo); o comediante sem graça, ao dizer que “o sujeito perdoava até o roubo, mas não perdoava a riqueza”, não tem a mínima noção do que está dizendo, uma vez que, para Jesus, o problema é que as riquezas têm o poder de seduzir e desviar o homem da verdadeira adoração. Desse modo, Jesus as personifica em algo (divindade?) que se opõe frontalmente a Deus: “Não podeis servir a Deus e a Mamon” (Mt 6,24). Por isso o salmista diz: “Eu dizia na minha prosperidade: Não vacilarei jamais” (Sl 30,6). Não se deixar seduzir pelo dinheiro não é revolução, é prudência.
3. A obra de Cristo é eterna:
Por fim, a afirmação mais desconcertantemente conservadora de todas está no livro do Apocalipse, que diz: “E adoraram-na [a besta que subiu do mar] todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13,8). O escritor aos Hebreus também diz que foi necessário que Cristo padecesse muitas vezes desde a fundação do mundo, até que se manifestasse, em carne, “na consumação dos séculos” (Hb 9,26). A obra de Cristo não é uma espécie de ato revolucionário, no tempo, visando à libertação física dos judeus ou mesmo uma religião de paz e harmonia. É o infinito irrompendo no finito; é o eterno no tempo. É, nas palavras de Eric Voegelin: “o encontro turbulento e redentor com o Deus Desconhecido, que se tornou o Deus Conhecido por sua presença em Cristo”. Não é revolução, é revelação.
A morte na cruz e a ressurreição de Cristo não fizeram dele um mártir, mas um redentor. Não foi um ato revolucionário, de resistência ou mesmo de sacrifício.
Ou seja, caríssimo leitor, não é revolução, é Páscoa – como confirma o apóstolo Paulo em 1 Cor 5,7.
Que neste domingo celebremos, para além dos deliciosos ovos de chocolate, a Tradição das Tradições, que é a salvação da humanidade.
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