“A ignorância sobre o outro mundo é motivo de vanglória
de muitos homens de ciência; mas nesse assunto os defeitos surgem, não por
desconhecerem o outro mundo, mas pela ignorância deste.”
“Nossa classe governante está sempre dizendo: ʻQue leis devemos fazer?ʼ. Num
estado puramente democrático, sempre estariam dizendo: ʻQue leis podemos
obedecer?ʼ”
(G.K. Chesterton)
Definitivamente, o Brasil não vai bem. No último fim de semana, dois ou três tuítes de um dos homens mais ricos e importantes do mundo desestabilizaram ainda mais a nossa farsesca democracia. Elon Musk – sobre cujos anseios já falei brevemente aqui, nesta Gazeta do Povo – resolveu peitar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, perguntando, numa resposta a uma postagem de janeiro de Moraes: “por que você exige tanta censura no Brasil?” E, de lá para cá, vem dobrando a aposta a ponto de dizer que iria reabilitar as contas de perfis suspensos a pedido de Moraes e denunciar indecorosos pedidos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para bloquear perfis sumariamente.
A postura de Musk é afrontosa, pois mexe no maior vespeiro político da história recente de nosso quase-país. A diatribe golpista do bolsonarismo, a escalada autoritária e censora do STF (na pessoa de Moraes) e o discurso patético de vitória da democracia sendo defendido por um gente que jamais teve qualquer apreço por ela. E, como se não bastassem nossos gravíssimos problemas – o Big Brother, o choro do Vini Jr., as bombásticas revelações sexuais de Deborah Secco, a hipocrisia de Fábio Porchat etc. –, agora temos de nos preocupar com um bilionário americano que, não tendo nada a perder, resolveu chamar Moraes para dançar.
No último fim de semana, dois ou três tuítes de um dos homens mais ricos e importantes do mundo desestabilizaram ainda mais a nossa farsesca democracia
Moraes, o grande, não perdeu tempo: incluiu – daquela maneira freestyle que só um ministro do Supremo brasileiro, num domingo à noite, é capaz de fazer – Musk no famigeradíssimo, questionabilíssimo e infinitíssimo “Inquérito do Fim do Mundo”; e aquele grupo de estúpidos terroristas digitais, o Sleeping Giants, correu para iniciar uma campanha de desmonetização de Elon Musk. Sim, caríssimo leitor, o grupelho de assediadores ungidos pelo Poder quer prejudicar financeiramente um homem cuja fortuna é estimada em R$ 984,7 bilhões.
Mas não parou por aí: nosso parlamento entrou em polvorosa por causa do homem dos foguetes. Um deputado petista que mal sabe falar o português chamou Musk de “vagabundo”, e outros deputados quase foram às vias de fato em acaloradas discussões por causa dele. O indefectível Partido da Causa Operária (PCO) disse que “Alexandre de Moraes é pior que Elon Musk”; o sempre opinoso ministro Barroso emitiu uma nota inútil alertando Musk de que “toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras”; a mui democrática Central Única dos Trabalhadores (CUT) disse que “a ofensiva de Elon Musk é contra a democracia brasileira”; o presidente Lula, falando como alguém que produziu grandes coisas pelo país, também criticou Musk, dizendo: “nunca produziu um pé de capim nesse país e ousa falar mal” – exemplo, aliás, à altura de um homem que produz foguetes, satélites e carros elétricos. Jornalistas, então, se desesperaram; Vera Magalhães, por exemplo, saiu do X batendo os pés e dizendo: “Quem está no X está topando as regras do jogo de Elon Musk e usando sua expertise, seu trabalho para alavancar sua arma política. Por isso, a partir de hoje, não estarei”. Tadinha. A senadora Soraya Thronicke também saiu – não sem dar também o seu discurso pseudomoralista, dizendo que “não podemos é ficar na coleira desse tal de Musk”.
Pois bem, um verdadeiro cataclismo no ex-país do Futebol. Enquanto isso, no “clã conservador”, Jair Bolsonaro faz campanha para irmão de Gilmar Mendes; Flávio Bolsonaro diz, no Roda Viva de Vera Magalhães, que não quer CPI de Alexandre de Moraes e que crê no diálogo com o STF; e Eduardo Bolsonaro vai a Bruxelas passear, ops!, quer dizer, denunciar a ditadura brasileira. Enquanto isso, 293 pessoas seguem presas pelo 8 de janeiro.
Ao que tudo indica, nesse caso Elon Musk parece mais um brincalhão. Se ao menos ele souber apontar o Brasil num mapa múndi, certamente não saberá dizer o nome de dois ou três estados brasileiros. Sobre os problemas reais do nosso quase-país – não só os que ele critica e nem aqueles que satirizei acima, mas os demais, ainda mais gigantescos –, como diz o ditado, ele “não sabe da missa a metade”. Musk tem a cabeça nas estrelas, nos foguetes e espaçonaves que deseja levar à Marte, nos carros elétricos e autodirigíveis, nos satélites que levam internet aos recantos mais insólitos do mundo, nos ciborgues, na utilidade da inteligência artificial para seus negócios. O leitor não precisa se esforçar muito para saber o que um americano médio pensa de nós, latinos.
Na verdade, é como se ele pousasse sua Starship num mundo cheio de seres primitivos e estivesse trocando espelhinhos por arcos e fechas. Não pense você que ele se preocupa com nossa democracia, ele nem sabe se já conhecemos a roda.
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