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Paulo Cruz

Paulo Cruz

A liberdade é um direito radical. Coluna semanal

Guerra no Oriente Médio

Como assim, defender terroristas?

Protesto partidos de esquerda
Grupo terrorista Hamas recebeu o apoio de movimentos e partidos de esquerda que apoiam o governo de Lula. (Foto: Reprodução/X/PCO)

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“E o ser também pode, ele mesmo, cair doente; se então ele é afetado nas coisas viventes ou inanimadas, estas permanecem secretamente bloqueadas por uma dessas doenças, que no entanto se dissimulam por trás da aparente estabilidade das coisas; mas se é atingido no homem, este último, graças à sua instabilidade superior, revela sua doença à plena luz do dia.” (Constantin Noica)

No último dia 7 de outubro, terroristas sanguinários do grupo Hamas invadiram Israel e cometeram o maior morticínio de judeus desde o Holocausto. O ataque surpresa, com incursões por terra nunca antes realizadas e o lançamento de mais de 5 mil foguetes, deixou um rastro de destruição que ainda não foi totalmente calculado. Milhares de mortos. Uma rave foi invadida e jovens foram mortos – incluindo brasileiros; centenas de pessoas, incluindo crianças e idosos, foram sequestradas pelos terroristas. Israel, obviamente, declarou guerra contra o Hamas.

No entanto, caro leitor, tal tragédia deu ensejo a uma onda avassaladora de antissemitismo e discurso de ódio, sobretudo da parte de esquerdistas – dentre estes, professores universitários, jornalistas, artistas etc. –, que viram nessa monstruosidade a chance de perpetrarem sua maldade e sua visão absolutamente distorcida da realidade. Uma quantidade imensa de mensagens invadiu as redes sociais nos últimos dias, que de modo aberto, escancarado, manifesta o desejo de extermínio do povo judeu. Uma coletânea dessas frases está circulando nas redes, como uma forma de coletar os perfis e denunciar os autores. Divido algumas dessas atrocidades com o estupefato leitor:

“É cada judeu existindo que me faz pensar no que foi que Hitler errou.”
“Chamar judeus de ratos? Não ofenda os ratos! Deixem os pobres em paz, coitados. Eles têm mais dignidade.”
“Por isso o bigodudo estava certo em acabar com essa raça.”
“Ataquem Israel com armas químicas e biológicas, disseminem doenças dentro de Israel e contra o povo judeu. Hitler estava certo, judeus não prestam.”
“Adolf Hitler deveria ter acabado com vocês, raça do demônio.”
“O tempo mostrou que o pintor austríaco estava certo.”
“Um judeu é sempre um judeu. O lado judeu dele está falando mais alto.”
“Todo apoio à Palestina, terra de João Batista e de Maria, Mãe de Deus, contra judeus, todos eles, todos. Dada a lógica midiática que eles controlam, provocando a ira como a de figuras históricas que assim como eles se apoia na mentira. Todo judeu é TERRORISTA.”

Temos perfis de pessoas relevantes no debate público, jornalistas e acadêmicos que também, quando não relativizam o covarde ataque do Hamas, defendem abertamente o terrorismo

Não são mensagens fake, são de perfis reais – que ainda existem ou foram suspensos após as denúncias. O leitor pode confirmar, se quiser; eu o fiz. Mas, se não estiver convencido, temos perfis de pessoas relevantes no debate público, jornalistas e acadêmicos que também, quando não relativizam o covarde ataque do Hamas, defendem abertamente o terrorismo. O jornalista Marcelo Lins, da GloboNews, disse: “Nada melhor para um radical islâmico que quer destruir Israel do que um radical ultranacionalista israelense que não admite a possibilidade de um Estado palestino. A espiral do ódio se retroalimenta”, como se a culpa pelo ataque fosse de um suposto “radical ultranacionalista israelense”. Vera Magalhães, jornalista e âncora do programa Roda Viva, da TV Cultura, também relativizou o terrorismo ao dizer, em seu perfil da rede social X (ex-Twitter): “Sim, o Hamas pratica terrorismo e submete a população dos territórios governados por ele ao arbítrio e ao terror. E também sim, isso que Israel anuncia e pratica configura terrorismo de Estado, pois nega a existência do povo palestino e seus direitos”. Uma falsa equivalência grosseira diante do terror psicopata do Hamas.

Já a acadêmica Fernanda de Melo (@FaIvesmelo), que excluiu sua conta na rede X, ao saber da morte de uma brasileira no ataque, escreveu: “Foi tarde”. Também o assessor parlamentar e colunista do site de extrema-esquerda Brasil247 Sayid Marcos Tenório (que também excluiu seu perfil na rede X) comentou, diante da mancha de sangue na calça de uma israelense estuprada e sequestrada num vídeo divulgado pelos terroristas: “Isso é marca de merda”, com um emoji de gargalhada. O mesmo Sayid postou uma bandeira de Israel com uma barata azul no centro. E o Partido da Causa Operária (PCO) publicou: “Ontem [dia 7] foi um dia histórico não só para o povo palestino, mas para todos que querem ver o mundo livre da opressão, da tirania e do terrorismo. O Hamas acendeu a chama da resistência contra o Estado terrorista e fictício de Israel. Todo apoio ao Hamas! Fim de Israel!” Absurdo inclusive repudiado por esta Gazeta do Povo.

Curiosamente, tal insanidade está presente até no seio da comunidade judaica, como podemos ver pelas postagens de Breno Altman, judeu e fundador do site de extrema-esquerda Opera Mundi. Altman, no mesmo dia dos ataques contra Israel, escreveu: “O Estado terrorista de Israel declarou nova guerra colonial aos palestinos, atacando a Faixa de Gaza. A ação sionista merece repulsa e indignação. Toda solidariedade ao povo palestino e ao Hamas! O colonialismo israelense é inimigo dos povos”. Sim, ele se solidarizou com o Hamas. E, posteriormente, dobrou a aposta no terror (e na metáfora):

“Podemos não gostar do Hamas, discordando de suas políticas e métodos. Mas essa organização é parte decisiva da resistência palestina contra o Estado colonial de Israel. Relembrando o ditado chinês, nesse momento não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos”.

Sua tentativa de explicação posterior não diminui a gravidade do que foi dito: “Os ʻratosʼ do ditado em meu post, por óbvio, referem-se ao Estado de Israel, ao racismo sionista, jamais aos judeus, pois judeu sou e de uma família massacrada no Holocausto”. Será que o judeu Altman se esqueceu da histórica associação dos judeus a ratos na propaganda nazista durante o Holocausto? Será que Altman leu Maus, do também judeu Art Spiegelman, cuja mãe, sobrevivente do Holocausto, cometeu suicídio?

Provavelmente Altman conhece a graphic novel de Spiegelman, vencedora do prêmio Pulitzer e famosa no mundo todo, mas está – não só ele, mas todos os citados acima e anteriormente compilados criticamente por esta Gazeta do Povo – diante do dilema que é o calcanhar de Aquiles da esquerda: a intrínseca visão ideológica de mundo pautada pelo maniqueísmo pueril entre opressores e oprimidos e expandido pela noção contemporânea de estruturas de poder. Tal perspectiva é o combustível que anima o ódio ideológico (já tratado por mim anteriormente nesta coluna) da esquerda, que lhe autoriza a odiar a tudo e todos que não se conformem à sua mentalidade revolucionária e sentimentalista. Como diz Julien Benda em A traição dos intelectuais, tal disposição os faz “exaltar o sentimento à custa do pensamento, vontade que é ela própria um efeito (entre mil) do rebaixamento neles da disciplina intelectual”.

Caso uma revolução socialista (ou dominação fascista) ocorresse e prevalecesse nos dias de hoje, fatalmente o desfecho seria o mesmo: extermínio

O filósofo romeno Vladimir Tismăneanu sumariza perfeitamente esse comportamento em seu inescapável O Diabo na História – Comunismo, fascismo e algumas lições do século XX:

“A despeito de sua pretensão de transcender a alienação e reabilitar a dignidade humana, o comunismo era estéril moralmente, ou, nas palavras de Steven Lukes, sofria de cegueira moral. Uma vez que subordinou a noção de bem aos interesses do proletariado, o comunismo anulou a universalidade das normas morais. Pode-se dizer o mesmo acerca do fascismo, com sua exaltação das virtudes tribais primevas e completa desconsideração pela humanidade comum de todos os seres humanos. Ambos subscreveram ao Estado sua própria moralidade, garantindo-lhe apenas o direito de definir o significado e fim último da existência humana. O Estado ideológico tornou-se o valor supremo e absoluto dentro do arcabouço de uma doutrina escatológica da revolução. Os horrores que definiram o século passado foram então possíveis por causa de uma ʻinversão moralʼ: ʻOs crimes do Estado [foram] entendidos não como crimes, mas como precauções necessárias para prevenir maior injustiçaʼ. Através do culto da unidade absoluta ao longo do caminho até a salvação pelo conhecimento da história, assim o comunismo como o fascismo produziram projetos sociais e políticos novos e totais, centrados na purificação do corpo das comunidades que se tornaram presas desses feitiços ideológicos. Os novos homens ou mulheres produzidos por esses movimentos deixaram para trás seus ʻpequenos egos, contorcendo-se com medo e raquitismoʼ, pois tinham renunciado ao que o escritor proletário Maxim Gorki chamava desesperadamente a ʻfarsa da individualidadeʼ.”

Tismăneanu trata do fato consumado dos regimes totalitários do século 20, porém, a ideologia que mobiliza o pensamento da esquerda contemporânea é o mesmo. Ou seja, caso uma revolução socialista (ou dominação fascista) ocorresse e prevalecesse nos dias de hoje, fatalmente o desfecho seria o mesmo: extermínio – pois a “obsessão deles com a eliminação de todos os ʻinimigos objetivosʼ” é parte fundamental da instauração de sua “terra prometida” aqui mesmo, neste mundo, excluindo-se, obviamente, o perdão e a redenção cristãs. É o que Eric Voegelin chama de imanentização do eschaton.

Não há como escapar. Se você que me lê é alguém de esquerda, saiba que terá de lidar com essa enorme contradição de sua visão de mundo e o que ela desencadeia. Se para você existe, nesse mundo, alguma possibilidade de redenção (o tal mundo melhor) sem a necessidade de uma intervenção divina, e se acha que o mundo pode ser regenerado pela adoção de uma perspectiva humanitária ideal, terá de admitir que sempre haverá aqueles que não se conformam a esse “projeto” – os opressores – e que será impossível atingir sua utopia sem eliminá-los. Daí, qualquer iniciativa nessa direção será celebrada como a “reação do oprimido”. Por isso estão, absurda e deliberadamente, relativizando e celebrando o terrorismo sanguinário do Hamas.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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