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Madame C.J. Walker foi a mulher negra norte-americana mais rica de seu tempo.
Madame C.J. Walker foi a mulher negra norte-americana mais rica de seu tempo.| Foto: Reprodução

(Ao amigo e empreendedor nato Geraldo Rufino)

Quando se invoca a liberdade contra os abusos do poder, não se quer dar-lhe o caráter que ela não tem, de princípio supremo donde tudo o mais dependa, por via de filiação e consequência; invoca-se, porém, revela insistir, como força latente de todas as grandes obras, de todas as grandes conquistas e melhoramentos sociais que o poder não pode obstar, mas respeitar e garantir. (Tobias Barreto)

Meu conselho a todos os que querem entrar no mundo dos negócios é: bata com frequência e bata forte. Em outras palavras: ataque com todas as forças! [...] Se consegui alguma coisa na vida é porque gosto de trabalhar duro. Não há caminho de flores para o sucesso; e se houver, eu não conheço, pois o sucesso que obtive é o resultado de muitas noites sem dormir e de muito trabalho. (Madame C.J. Walker)

No artigo da última semana apontei que a liberdade é a maior e melhor maneira de vencer a desigualdade social. Desde que a ciência econômica foi criada, os princípios de liberdade individual e espírito de associação são tratados como principais agentes da prosperidade e do progresso; e Adam Smith, quando disse, em A Riqueza das Nações, que “não é da benevolência do açougueiro, cervejeiro ou padeiro que esperamos nosso jantar, mas da preocupação por seu interesse”, está estabelecendo, por fundamento, que um sistema de trocas voluntárias não se baseia propriamente na solidariedade, mas na vontade e na capacidade de cada um tentar melhorar a sua condição de vida por meio do fruto de seu trabalho. E quero apresentar, rapidamente, um exemplo magistral que citei, propositadamente, somente na imagem do artigo anterior: Madame C.J. Walker, uma das primeiras mulheres negras milionárias self made – por conta própria – dos Estados Unidos, e como ela foi capaz de vencer o racismo por meio da liberdade e do empreendedorismo.

Desde que a ciência econômica foi criada, os princípios de liberdade individual e espírito de associação são tratados como principais agentes da prosperidade e do progresso

Madame C.J. Walker nasceu Sarah Breedlove, em 23 de dezembro de 1867, filha de Owen e Minerva Breedlove, escravos da fazenda de Robert W. Burney, na Louisiana. Sarah foi a primeira de seis irmãos a nascer após a abolição proclamada por Abraham Lincoln e o fim de Guerra de Secessão; os quatro mais velhos nasceram escravos como os pais. Todos se mantiveram na fazenda após a emancipação, mas, aos 7 anos, Sarah perdeu os seus pais: a mãe foi vítima do cólera e o pai, que se casou novamente meses depois, morreu em seguida de causas desconhecidas. Aos 11, após um surto de febre amarela na região e tentativas frustradas de manter a lavoura, ela e sua irmã Louvenia decidiram partir para St. Louis e lá conseguiram emprego de lavadeiras. Quando tinha 14 anos, sua irmã se casou com um homem violento chamado Jesse Powell, e ela, para fugir dos maus tratos que passa a sofrer do cunhado, se casou com Moses McWilliams.

Aos 17 anos, em 6 de junho de 1887, Sarah teve sua única filha, A’Lelia. Moses, infelizmente, morreu dois anos depois e Sarah, com apenas 20 anos, se viu sozinha com uma criança indefesa. Casou-se novamente em 1894, com um alcoólatra de temperamento violento chamado John Davis, mas o deixou em 1903. O envolvimento com grupos fraternos femininos da igreja mudaria a vida Sarah para sempre. Como diz A’Lelia Bundles, sua trineta e mais eminente biógrafa, em Madam C.J. Walker – Entrepreneur:

Entre os membros da sociedade missionária havia várias mulheres negras proeminentes e bem educadas. Através delas, Sarah encontrou um novo mundo e uma nova maneira de encarar suas próprias circunstâncias. Ela ficou impressionada com suas roupas elegantes e maneiras educadas, e inspirada por sua capacidade de se organizar e se tornarem líderes comunitárias. Sarah também ficou impressionada com os líderes negros que vieram a St. Louis para a Feira Mundial de 1904. Embora muitas das instalações públicas da feira fossem racialmente segregadas, vários negros famosos, como o poeta Paul Laurence Dunbar e o acadêmico e ativista político W.E.B. Du Bois, participaram. Até Booker T. Washington, diretor do Instituto Tuskegee, considerado o líder negro mais influente de sua época, proferiu dois discursos importantes.

Sarah tinha grande admiração por Margaret Murray Washington, esposa de Booker T. Washington e presidente da National Association of Colored Women (Associação Nacional das Mulheres de Cor, NACW), e essa admiração lhe fez notar um “elo entre a atitude interior e a aparência externa”, pois a Sra. Washington, além de ser uma mulher extremamente elegante, era eloquente e educadíssima. Desse modo, Sarah, apesar de não poder comprar roupas caras, passou a se vestir sempre com muito asseio e com roupas cuidadosamente passadas, que transmitiam sua qualidade como lavadeira profissional. Mas ainda tinha um problema: seu cabelo. Sarah tinha vergonha de suas pontas duplas e de seu couro cabeludo inflamado, que provocava a queda sistemática de grandes mechas. Tentou muitos produtos, mas as marcas que existiam faziam mais mal do que bem.

Após trabalhar por um tempo para uma empreendedora negra – e milionária – de cosméticos já bastante conhecida à época, Annie Turnbo Malone, Sarah decidiu se mudar para Denver e tentar criar sua própria fórmula para produtos capilares. Lá, foi morar com uma cunhada viúva e seus sobrinhos, e conseguiu um emprego de cozinheira. Diz A’Lelia Bundles que “segundo dizem seus familiares, seu empregador foi E.L. Scholtz, um farmacêutico nascido no Canadá e dono da maior e mais bem equipada farmácia a oeste de Chicago. Sua farmácia combinava prescrições médicas, remédios caseiros e tônicos medicinais. Diz-se que Sarah consultou Scholtz sobre ingredientes para os preparativos capilares que estava criando a fim de substituir os produtos que comprou de Annie Malone. Ela passava as noites trabalhando em suas fórmulas e testando-as em si mesma e em suas sobrinhas. Finalmente, conseguiu criar três produtos que atendiam aos seus requisitos. Ela os chamava de Wonderful Hair Grower, Glosine e Shampoo”. Estava iniciada sua carreira de empreendedora. Após muitos anos, disse a um jornalista:

Deus respondeu à minha oração, uma noite eu tive um sonho, e nesse sonho um grande homem negro apareceu para mim e me disse o que misturar para o meu cabelo. Parte do remédio foi cultivada na África, mas eu peguei, misturei, coloquei no couro cabeludo e, em poucas semanas, meu cabelo estava crescendo mais rápido do que nunca. Eu tentei com meus amigos; ajudou-os também. Decidi começar a vender.

Nas convenções que dava para suas agentes, Sarah sempre lembrava como era importante a perseverança para prosperar e, também, a função social de seu trabalho

A vocação empreendedora logo aflorou de vez, pois Sarah passou a assumir riscos: “Em pouco tempo, Sarah havia economizado dinheiro suficiente para deixar seu emprego como cozinheira. Para pagar o aluguel, lavava roupa dois dias por semana. O resto do tempo passava desenvolvendo seus produtos e os vendendo de porta em porta”. E mais: “Sarah tinha um talento especial para promover seus produtos. Uma de suas brilhantes ideias de marketing era oferecer tratamentos gratuitos, mas cobrar pelos produtos. Depois que seus clientes viram os resultados, eles estavam ansiosos para comprar [...]. O melhor anúncio de Sarah, no entanto, era ela mesma. Um cliente que visualizava suas fotos ‘antes e depois’ não poderia deixar de se surpreender. Quando Sarah soltou o cabelo e explicou que seus cabelos compridos e bem arrumados eram o resultado de seus tratamentos, o cliente tinha quase certeza de fazer um pedido”.

Em 4 de janeiro de 1906, Sarah casou-se com Charles Joseph Walker, um amigo, agente de vendas de um jornal, que morava em St. Louis, assumindo suas iniciais e passando a assinar Madame C.J. Walker – o “madame” foi mais uma jogada de marketing para dar um ar parisiense aos seus produtos. Mudaram-se para Pittsburgh, na Pensilvânia, e montam sua base por lá, junto à comunidade negra local, composta de “45 igrejas, 22 consultórios médicos, 5 escritórios de advocacia e dezenas de empresas – incluindo alfaiatarias, restaurantes, casas funerárias e farmácias”. Em 1908, sua filha A’Lelia foi ao encontro da mãe e do padrasto, e juntas criaram uma escola de treinamento para as agentes de vendas dos produtos Madam C.J. Walker, a Lelia College of Beauty Culture, a fim de formar suas “hair culturists” (algo como “cultoras de cabelos”). “Nos dois anos seguintes”, diz Bundles, “o Lelia College formou dezenas de hair culturists que agora tinham oportunidades que nunca tiveram antes. Em uma carta a Walker, uma de suas graduadas disse: ‘Você deu oportunidade de negócios para centenas de mulheres negras, para terem uma vida honesta e lucrativa, na qual ganham, numa semana, tanto quanto o salário de um mês em qualquer outra atividade que uma mulher negra assuma’”.

O resto, caríssimo leitor, é história. Madame C.J. Walker se tornou não só uma empresária de sucesso, treinando em torno de 20 mil hair culturists negras, que se tornaram suas agentes e donas de seus próprios negócios, mas sua fama e seus produtos também chegaram ao Caribe e estima-se que sua fortuna chegou a mais de US$ 8 milhões (em valores atuais). Sua obra como filantropa também é muito conhecida; doou dinheiro para muitas instituições – incluindo o Instituto Tuskeege, de Booker T. Washington, a Associação Cristã de Moços da Pensilvânia, além de muitas igrejas, escolas e faculdades. Em 1913 sua filha A’Lelia se mudou para o Harlem e se tornou uma das figuras mais importantes do movimento conhecido como Renascimento do Harlem, responsável pelo surgimento de artistas como Billie Holiday, Louis Armstrong, Duke Ellington, Countee Cullen, James Baldwin e Langston Hughes.

Nas convenções que dava para suas agentes, sempre lembrava como era importante a perseverança para prosperar e, também, a função social de seu trabalho. Na convenção de 1918, como nos diz Bundles, Madame C.J. Walker “continuou enfatizando o que chamava de ‘lado benevolente’ de sua organização: ‘Quero que minhas agentes sintam que o primeiro dever delas é para a humanidade’. Preocupada com o bem-estar das famílias negras que estavam deixando as fazendas do sul para trabalhar nas cidades do norte, instou as delegadas a encontrarem maneiras de ajudar as pessoas necessitadas. ‘É meu dever, seu dever, sair pelos becos e ruas secundárias e levá-las para suas casas’, continuou ela, lembrando que ficou sem ter onde morar em mais de uma ocasião durante seus primeiros anos como lavadeira em St. Louis. ‘Traga-os para seus clubes e outras organizações, onde possam sentir o espírito e se inspirarem numa vida melhor e mais digna’”.

Dito isso, caso ainda permaneça a pergunta “mas como Madame C.J. Walker enfrentou o racismo?”, creio que valha uma resposta baseada nos princípios liberais de uma das maiores filósofas de nosso tempo, Ayn Rand, em seu ensaio Racismo, que consta em sua obra A virtude do egoísmo. Para Rand, o “racismo é a forma mais baixa e mais cruelmente primitiva de coletivismo”. Tal coletivismo, diz Rand, “afirma que o conteúdo da mente de um homem (não seu aparato cognitivo, mas seu conteúdo) é herdado; que as convicções, caráter e valores de um homem são determinados antes de seu nascimento, por fatores físicos além de seu controle”. E assevera:

O racismo é uma doutrina de, por e para brutamontes. É uma versão de quintal ou de fazenda de gado do coletivismo, apropriada à mentalidade que diferencia várias raças de animais, mas não animais e homens. Como toda forma de determinismo, o racismo invalida o atributo específico que distingue o homem de todas as outras espécies vivas: sua faculdade racional. O racismo nega dois aspectos da vida do homem; razão e escolha, ou inteligência e moralidade, substituindo-os por predestinação química.

O racismo é um coletivismo tosco, que nega as virtudes e os vícios humanos, que escamoteia os valores individuais para evocar o pensamento de manada

Ou seja, o racismo é um coletivismo tosco, que nega as virtudes e os vícios humanos, que escamoteia os valores individuais para evocar o pensamento de manada, de estúpidos que atribuem a si mesmos a capacidade inata de serem superiores, mesmo sendo, ao fim e ao cabo, um grupo formado por ressentidos que “não obtiveram nenhum senso de identidade pessoal, que não podem reivindicar nenhuma realização ou distinção individual, e que buscam a ilusão de uma ‘autoestima tribal’, alegando a inferioridade de alguma outra tribo”. Por isso, para Ayn Rand, autora do best-seller A revolta de Atlas:

Há apenas um antídoto para o racismo: a filosofia do individualismo e seu corolário político-econômico, capitalismo laissez-faire. O individualismo considera o homem – todos os homens – como uma entidade soberana, independente, que possui um direito inalienável à sua própria vida, direito este derivado de sua natureza de ser racional. Ele sustenta que uma sociedade civilizada, ou qualquer forma de associação, cooperação ou coexistência pacífica entre os homens, pode ser atingida somente com base no reconhecimento dos direitos individuais – e que um grupo, como tal, não possui direitos, a não ser os direitos individuais de seus membros.

E não foi exatamente valendo-se de sua liberdade individual e de seu espírito de associação que Madame C.J. Walker saiu de sua condição paupérrima para tornar-se a mulher mais rica de seu tempo? Não foi usando de toda sua vocação empreendedora para os negócios – sim, pois, como digo nesse vídeo, não restrinjo o empreendedorismo somente àqueles que se tornam empresários, mas à vocação para realizações várias – que ela conseguiu não só melhorar sua condição, mas a de milhares de mulheres e famílias negras em várias regiões dos EUA? Sim, foi. Atualmente tem-se falado muito no conceito de black money como uma maneira de elevar a condição socioeconômica dos negros brasileiros. Considero a iniciativa interessante, apesar de achar quase impossível de emplacar no Brasil miscigenado e de pouquíssima liberdade econômica. Seria preciso, primeiro, estabelecer exatamente o modelo econômico que permite, efetivamente, ascensão social aos pobres através da iniciativa privada, e não apelar para o estatismo que aprisiona. Mas ainda estamos longe disso, penso eu. Mas não custa termos como modelo empreendedoras como Madame C.J. Walker – ou mesmo o nosso brasileiro Geraldo Rufino, o famoso e cativante catador de sonhos, a quem, carinhosamente, dedico esse artigo.

PS: Estreará no Netflix, em 20 de março, a série Self Made, inspirada na vida de Madame C.J. Walker.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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