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Os países que investem num ambiente de livre comércio, controle de gastos públicos e pouca intervenção estatal, elevam o padrão de vida de seus cidadãos sensivelmente, dos mais pobres aos mais ricos.
Os países que investem num ambiente de livre comércio, controle de gastos públicos e pouca intervenção estatal, elevam o padrão de vida de seus cidadãos sensivelmente, dos mais pobres aos mais ricos.| Foto: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/kschneider2991-4936815/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=2180330">Kevin Schneider</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=2180330">Pixabay</a>

Desejamos conquistar a glória de uma superação e de nossa emancipação, pelo espírito de solidariedade em toda extensão de harmonia e da persuasão. Já que no Brasil ainda não foi dado um testemunho vivo de qualquer espécie de reparação, como prova de justiça social ou política em relação ao problema do negro. (José Correia Leite, 1946)

Está mais que provado que a liberdade econômica é a melhor maneira de diminuir a desigualdade num país. No contexto da população negra, desde o abolicionismo, passando pelas primeiras organizações de Movimento Negro, os intelectuais e militantes tinham plena consciência que a busca pela liberdade plena passava pela emancipação econômica. André Rebouças, o intelectual negro que mais compreendeu as vantagens do liberalismo para a inserção dos negros na sociedade brasileira – explico isso melhor na aula sobre Rebouças de meu curso O brasil é um país racista? –, pautou todo o seu projeto do pós-abolição em autores como Frédéric Bastiat e Jean-Baptiste Say, dois autores importantíssimos do liberalismo clássico e críticos ferrenhos da escravidão colonial. A Frente Negra Brasileira tinha um projeto de educação financeira, orientação e estímulo para aquisição de casa própria. Iniciativas liberais como o Teatro Experimental do Negro (do célebre Abdias Nascimento) e o Clube Aristocrata – que também são temas de meu curso – eram muito comuns, pois compreendia-se a necessidade de união, além de cobrar do Estado sem dele depender. Quando as teses marxistas, inimigas mortais do liberalismo, tomaram conta da maior parte da militância negra, o assunto foi soterrado por ideologias utópicas e os negros continuaram (e continuam) na miséria, juntamente com todos os outros pobres do país.

No entanto, a História nos prova que os países que investem num ambiente de livre comércio, controle de gastos públicos e pouca intervenção estatal, elevam o padrão de vida de seus cidadãos sensivelmente, dos mais pobres aos mais ricos.

Dos casos recentes, nosso vizinho Chile é dos mais emblemáticos. De acordo com o ranking de liberdade econômica da Heritage Foudation, que analisa e pontua 180 países do mundo, o Chile ocupa o 15o lugar, à frente da Suécia (22º), Alemanha (27º), da Noruega (28º) e, pasmem, dos Estados Unidos (17º). Logo acima do Chile estão a Holanda e a Islândia. Mas não foi sempre assim; um longo e complexo processo de recuperação, após a ditadura de Pinochet – que durou de 1974 a 1990 –, foi necessário para que o país chegasse onde está, deixando muito para trás o Brasil, hoje na posição 144, atrás do Egito (142) e do Afeganistão (136), da Nigéria (116) e – pasmem! – da China (103).

O cálculo da Heritage é realizado levando em consideração quatro fatores, divulgados numa reportagem especial, aqui, nesta Gazeta do Povo:

1) Estado de Direito (Império da Lei): em que examina o respeito aos Direitos de Propriedade; a Eficiência Judicial ao assegurar o cumprimento dos direitos e dos contratos; e a Integridade de Governo (observância da Constituição e das leis e ausência de corrupção);

2) Peso do Governo: carga tributária; proporção da riqueza nacional consumida pelo Estado; e equilíbrio fiscal;

3) Grau de Intervencionismo do Estado: liberdade para empreender, averiguando a dificuldade para abrir, operar e fechar uma empresa (a partir do número de procedimentos burocráticos exigidos, quantidade média de dias de espera e custo, seja  para abrir, licenciar a operação ou encerrar um empreendimento); nível de intervenção do Estado nos contratos de trabalho, reduzindo sua liberdade; e liberdade monetária, ou seja, ausência de inflação e controle coercitivo sobre preços;

4) Abertura comercial: Liberdade de Comércio Exterior (ausência de barreiras tarifárias e não tarifárias à importação e exportação); Liberdade de Investimento (inexistência de amarras legais para movimentar capital de um setor para outro e através das fronteiras); e Liberdade Financeira (independência do setor bancário em relação ao Estado).

Mesmo países ainda muito pobres podem dar passos consideráveis nesse sentido, como é o caso do Haiti, que, em 2017 ocupava a posição 159 e atualmente ocupa a posição 153.

Curiosamente, dos doze países com maior renda per capita do mundo (Qatar, Macau,  Luxemburgo, Singapura, Brunei, Irlanda, Noruega, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Suíça e Hong Kong e Estados Unidos), quatro (Singapura, Hong Kong, Suíça e Irlanda) estão entre os dez mais livres e os demais entre os majoritariamente livres – exceto Kuwait e Brunei, que estão entre os moderadamente livres. Os menos livres são, também, os mais pobres. A cientista política Gloria Alvarez fez um vídeo interessantíssimo mostrando como a liberdade econômica é mais eficaz para diminuir a pobreza.

Mas sabe o que é mais curioso, estimado leitor? É que os governos brasileiros nunca quiseram assumir esse compromisso com o seu povo. O nosso país sempre sofreu com um estatismo e um patrimonialismo sufocantes. Como diz Bruno Garschagen, em seu Pare de acreditar no governo: “O intervencionismo estatal faz parte da nossa história. Desde a chegada dos portugueses, o Estado se coloca como o principal motor da vida em sociedade e como ‘o elemento agregador e central da política’. Tanto em Portugal quanto aqui, o governo foi o ‘agente central da independência, da resistência, da sobrevivência e da exploração imperial’”. Somos reféns de políticos que adoram tomar nosso dinheiro, nos prometer mundos e fundos, mas, na realidade, só fazem se locupletar no poder. A ascensão econômica através do Estado sempre se mostrou falha, se não impossível. No entanto, continuamos insistindo.

José Bonifácio (1763-1838), o patriarca da independência, já evocava o desejo do povo por liberdade individual, inclusive foi o seu grande argumento contra a escravidão: “mostra a experiência e a razão, que a riqueza só reina onde impera a liberdade e a justiça, e não onde mora o cativeiro e a corrupção [...] sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade e justiça; e sem estas filhas do céu, não há nem pode haver brio, força e poder entre as Nações”.

Antônio Pereira Rebouças (1798-1880), pai do já citado André e de Antônio – e sobre quem já escrevi nesta Gazeta do Povo –, tinha uma solução, no mínimo, curiosa para o fim da escravidão. Além de defender que o trabalho livre era muito mais proveitoso que o trabalho escravo, advogava a adoção de colonos do próprio continente africano em vez de europeus. E ia além: dizia, inclusive, que para coibir o tráfico ilegal, a Coroa deveria ir ao continente africano, comprar escravos, dar-lhes alforria e contratá-los como colonos. Em suas Recordações da Vida Parlamentar, ele diz:

Creio que o remédio disto [do problema do tráfico e dos prejuízos econômicos] está em admitirem-se os Africanos como colonos a serviço, dadas todas a cautelas não só para que a agricultura não seja lesada, como vai sendo a respeito da introdução dos cativos de contrabando, cujo lucro não pode corresponder ao preço por que são comprados; como para que o Brasil não continue a sofrer os excessos que já se tem dado com a importação de Africanos […] Basta permitir-se que se vá aos portos da África trocar as nossas mercadorias pelos Africanos que ali se cativam e que são mercadejados, e conceder-lhes carta de alforria antes que desembarquem e sejam empregados em nosso serviço. Isto é de evidente vantagem para o Brasil, não só para a sua agricultura, como para a extração de seus produtos.

Atualmente, é emblemático vermos dois economistas negros, que cresceram nos guetos americanos, reafirmarem através de suas obras o liberalismo econômico, e criticarem duramente as ideias de estado de bem-estar social (welfare state) que grande parte dos países têm adotado há mais de cinquenta anos. Thomas Sowell – sobre quem escrevi um capítulo numa obra introdutória publicada recentemente pela editora LVM – e Walter Williams são dois intelectuais públicos e acadêmicos geniais, que têm colocado o dedo na ferida das estatísticas, digamos racializadas, mostrando que as disparidades econômicas atuais tem pouco ou não nada a ver com discriminações raciais ou sociais, mas, muitas vezes, com a intervenção estatal que visa a diminuir a desigualdade. Sowell diz: “Qualquer pessoa que leve a sério as evidências, precisa apenas comparar as comunidades negras à medida que evoluíram nos primeiros 100 anos após a escravidão, com as comunidades negras à medida que evoluíram nos primeiros 50 anos após o crescimento explosivo do estado de bem-estar social, começando na década de 1960”. E complementa:

Você não pode pegar pessoas, de qualquer cor e isentá-las dos requisitos da civilização – incluindo trabalho, padrões de comportamento, responsabilidade pessoal e todas as outras coisas básicas que os iluminados da intelligentsia desprezam – sem consequências prejudiciais a elas e à sociedade. Amplos subsídios sem julgamentos de estilos de vida contraproducentes estão tratando as pessoas como se fossem gado, a serem alimentadas e cuidadas por outras pessoas em um estado de bem-estar social – e, ainda assim, esperando que elas se desenvolvam como os seres humanos se desenvolvem quando são obrigados a enfrentar os desafios da vida. Um fato importante que continua sendo ignorado é que a taxa de pobreza entre os casais negros estava em um dígito todos os anos desde 1994. Comportamentos e fatos importam mais do que as visões sociais predominantes ou impérios políticos construídos sobre essas visões.

Walter Williams tem, além de suas obras escritas, um documentário muito elucidativo sobre isso, chamado Good Intentions (Boas intenções).

Curiosamente, os intelectuais e militantes brasileiros das primeiras décadas do pós-abolição, para além de criticarem todo o descaso do Estado em relação à população negra, incentivavam comportamentos exemplares e repudiavam dissoluções e/ou distrações no projeto de elevação socioeconômica (e moral) do negro brasileiro. Vemos, por exemplo, em 1948, José Correia Leite censurando uma festa de 13 de Maio de uma tal Organização Palmares, pois “pagode e idealismo são coisas perfeitamente distintas, e – dada a diversidade de suas virtudes – não se misturam, mesmo que o pagode se engalane , se vista dos títulos mais elevados, a sua concepção é nula e chula”. Ou o jornal da Frente Negra, A voz da raça, em 1933, dizendo: “A época é de reformas; urge que reformes os teus costumes. Ficar no ostracismo a espreitar de longe a caravana que passa é o mesmo que morrer dentro de um abismo por ti mesmo aberto ante teus pés”.

Nos EUA, W.E.B Du Bois afirma, em As almas da gente negra, que era fundamental o estabelecimento de uma liderança preparada para elevar a condição socioeconômica dos negros, e que essa liderança deveria vir dos próprios negros: “Durante algum tempo, houve dúvidas se o negro poderia fornecer tais líderes; mas, hoje, ninguém contesta seriamente a capacidade individual dos negros de assimilarem a cultura e o bom senso da civilização moderna e transmiti-la, até certo ponto, aos seus concidadãos. Se isso for verdade, aí está a saída para a situação econômica, na exigência imperativa de que se treinem líderes negros de caráter e inteligência – homens instruídos, homens esclarecidos e com capacidade de liderança, homens com instrução universitária, líderes da indústria e missionários da cultura”. Em The Philadelphia Negro, publicado em 1889, diz que ainda que o preconceito dos brancos acabasse, pouca mudança traria para os negros se eles não se esforçassem: “alguns seriam promovidos, outros ganhariam novos lugares – a massa permaneceria como está. Mas isso faria uma grande diferença no sentido de inspirar os jovens a se esforçarem mais, estimular os ociosos e desanimados, e tirar dessa raça a onipresente desculpa pelo fracasso: o preconceito. Tal mudança moral operaria uma revolução na taxa criminal durante os próximos dez anos”.

Não que, com isso, esses homens tentassem colocar sobre si mesmos o jugo de mais de 300 anos de escravidão; Du Bois, por exemplo – sob o peso da segregação americana que recrudesceu nas décadas seguintes após o lançamento de sua primeira obra – foi radicalizando cada vez mais o seu discurso. Mas não penso que seu ideal principal  tenha mudado até o final da vida, pois não deixou de ser um homem que valorizava a cultura como modo de ascensão social. Esses homens sabiam que preparar-se moral, intelectual e socialmente era um importante passo para a independência econômica, e que independência econômica era a melhor maneira de obter a verdadeira liberdade, não a intervenção estatal – que, geralmente, aprisiona os mais pobres no assistencialismo perpétuo.

Ou seja, a liberdade individual e econômica sempre foram temas no Brasil e no mundo desde a escravidão – inclusive como uma forma de aboli-la. Mas é uma pena que, ainda hoje, não tenhamos sequer esbarrado num ambiente de liberdade como convém à prosperidade de todos os brasileiros. Que essa seja a nossa meta, pois, como diz Rebouças, o progresso nada mais é que “a liberdade em ação”.

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