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Paulo Cruz

Paulo Cruz

A liberdade é um direito radical. Coluna semanal

O #BBB21 e a dor-palanque

Lucas Penteado e Fiuk no BBB 21.
Lucas Penteado e Fiuk no BBB 21. (Foto: Reprodução/TV Globo)

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Se você quer a simpatia do público, ao que parece, você precisa chorar em público; o pesar é como a justiça, não devendo apenas acontecer, mas acontecer à vista de todos. E que Deus ajude aqueles que não choram. A exigência de que a emoção seja mostrada em público, sob pena de que se presuma que ela não existe, indicando, portanto, uma consciência culpada, hoje não é incomum. (Theodore Dalrymple, Podres de Mimados)

Em 18 de dezembro de 2020 – o ano que não terminou – fomos apresentados a Luiz Eduardo Bertoldo Santiago, um garoto de 11 anos que, num jogo de futebol, sentiu-se ofendido ao ouvir, segundo seu relato, o técnico do time adversário dizer, durante a partida, repetidas vezes ao seu jogador: “Fecha o preto!” – no sentido de marcar Luiz Eduardo, que, segundo consta, é um jogador habilidoso. Ao terminar o jogo – com a vitória de seu time, diga-se –, Luiz Eduardo sentou-se à beira do campo e começou a chorar, quando alguns pais se aproximaram para saber o que estava acontecendo. Um deles começou a filmar (?). O garoto disse: “O cara falava assim ‘Fecha o preto aí, ó!’. Aí eu aguardei para falar no final com os pais”.

Um comportamento questionável que tem sido recorrente é o de premiar a fraqueza em lugar de cultivar e ensinar a virtude da fortaleza

Por outro lado, o técnico Lásaro Caiana, do Instituto S.E.T., se defendeu, em vídeo, gravado ao lado de sua família, dizendo: “Estou sendo acusado de ter uma atitude de injúria racial, coisa que não aconteceu (...) Nossa equipe tem atletas negros, minha família também é negra, nossa comissão técnica é quase que 90% negra. Então, essa é uma situação impensável”. Curiosa e tristemente, Caiana perdeu um filho, da mesma idade de Luiz Eduardo, em 2019, vítima de um atropelamento. Ele diz, numa entrevista para o site Esporte Goiano, em fevereiro de 2020, que o sonho do filho era ser jogador do Vila Nova Esporte Clube, de Goiânia, e que seu ídolo era o atacante Alan Mineiro, que é negro (preto, se quiserem). Caiana, que foi chamado de vagabundo várias vezes pelo jornalista Milton Neves – que entrevistou Luiz Eduardo e seu pai –, também foi técnico do time feminino de futsal do Vila Nova, sendo muito elogiado nos comentários do vídeo que gravou em sua defesa.

Mas sua defesa não foi maior que a superexposição do garoto Luiz Eduardo. A imagem dessa criança apareceu em praticamente todos os sites e jornais importantes do país, suscitando uma onda de comoção e solidariedade que foram desde os jogadores Neymar e Gabriel Jesus gravarem vídeos em seu apoio, passando pelos jogadores do Corinthians entrarem em campo com o nome do menino em suas camisas, até uma visita ao CT do Santos Futebol Clube e outros times o convidarem para fazer teste nesse ano de 2021. Adriano Santos, o diretor de relacionamento (!!!) do Uberlândia Academy, que fez o estardalhaço nas redes sociais, disse: “Luiz está desolado. Na quinta-feira, ele foi expulso da partida no começo do segundo tempo. Ele não está com a cabeça no lugar. Ele chorou, ele percebe o que está acontecendo com ele. Luiz, para quem não sabe, foi eleito o atleta do ano no Uberlândia Academy. Ele vendeu rifa para vir para cá e ele passa por uma situação desastrosa, impiedosa como essa” (grifos meus).

Seus pais, que autorizaram – em minha modesta opinião, uma atitude erradíssima – a publicação do vídeo, também falaram com a imprensa. Seu pai disse: “Só de olhar para o rostinho dele, dá para ver que ele está muito triste. A gente vê passando pela televisão, mas não sabe a proporção que é quando acontece com a gente. Está sendo muito difícil para mim, para ele, para a mãe dele”. E a mãe lamentou, dizendo sobre seu filho: “Está muito abalado, toda hora chora, cada entrevista ele chora. Ele está avoado, não é ele, que é um menino muito comunicativo. É um menino muito alegre e hoje está apagado, nem dá para reconhecer. A palavra dói mais que um tapa”.

Diante de todo esse cenário, nem parece que o que ocorreu foi uma suposta injúria racial a um menino de 11 anos, preto, que se sentiu ofendido por ser chamado de... preto. Tamanha repercussão não se justifica sem uma característica absolutamente marcante de nosso tempo, o sentimentalismo, que, segundo o psiquiatra Theodore Dalrymple, “demanda o apego a um conjunto de crenças distorcidas a respeito da realidade, e também à ficção da inocência e da perfeição, atuais ou potenciais”. Tanto a reação de Luiz Eduardo – que, enquanto criança, tem o direito de comportar-se como tal – quanto daqueles que o filmaram com a justificativa de quererem mitigar situações como essa foram, a meu ver, desproporcionais. Seus pais, que se deixaram fotografar num estado de desolação absolutamente constrangedor, talvez, empolgados com a repercussão, não tenham avaliado as consequências de longo prazo dessa superexposição para seu filho, que tem a vida toda pela frente e não terá essa “rede de proteção” à sua disposição diante de qualquer adversidade.

Outro comportamento questionável tem sido recorrente em casos como esse, que é o de premiar a fraqueza em lugar de cultivar e ensinar a virtude da fortaleza – sobre a qual já falei aqui, nesta Gazeta do Povo. A fortaleza, como diz São Tomás de Aquino, é a “firmeza da alma para suportar e afastar as mais terríveis dificuldades, especialmente perigos graves”. Num nível psicológico profundo, Viktor Frankl diz, em O sofrimento de uma vida sem sentido, que “somente a firmeza e a atitude permitem que o homem dê testemunho de algo daquilo que só ele é capaz: transformar e remodelar o sofrimento no nível humano para torná-lo uma realização”. Ou seja, a vida nos impõe muitos desafios, e, apesar de ser absolutamente desejável que tenhamos consciência de que não somos seres isolados – ou seja, dependemos uns dos outros –, não podemos nos iludir com uma falsa impressão de segurança. O grande filósofo Gustave Thibon nos alerta, em sua belíssima obra de aforismos A escada de Jacob:

O homem é homem e nada mais do que homem. É esta uma evidência de que muitos se não conseguem persuadir. Espera-se do homem algo diferente do humano. É essa a origem dos falsos ideais e das decepções e das blasfêmias que delas derivam. É que nem todos se resignam a agir apenas como homem. Basta pensar, mesmo inconscientemente, nas palavras que fazem do homem a “imagem de Deus”, para logo se exigir desta imagem complexa e distante uma impossível e destruidora identidade.

Para além de idolatrar e premiar a fraqueza, usamo-la como um palanque no qual podemos sinalizar nossas supostas virtudes

Mas a consequência mais grave desse pensamento – que se esquece de que somos apenas humanos –, potencializado pelo mundo cão das redes sociais, é, para além de idolatrar e premiar a fraqueza, usá-la como um palanque no qual podemos sinalizar nossas supostas virtudes. Absolutamente todos os movimentos e militâncias sociais se alimentam disso e alimentam um sem-fim de pessoas que, ao atribuírem a si mesmas uma nobreza singular – que não passa de afetação sustentada por um falso humanismo –, querem, como diz Thibon, “encontrar o repouso supremo à sombra de si mesmos”. O outro torna-se nada mais que uma plataforma em que nossas dores ou supremas (pelo menos aos nossos olhos) qualidades são expostas. Exploramos a fraqueza alheia com discursos professorais, enquanto sugamos o que resta de vigor em sua alma; não para orientá-la, mas para orientar nosso próximo passo nesse jogo de exibicionismo moral inescapável das causas a serem defendidas – e que substituíram sumariamente os indivíduos.

Ah! E o BBB? Pois é. O que é a edição atual do Big Brother Brasil, da Rede Globo, se não uma overdose de exibicionismo moral? O que são aquelas pessoas, escolhidas a dedo pela produção do programa, se não uma pequena turba de ensimesmados encurralados numa vastidão de espelhos? O que tem se mostrado essa edição se não o maior festival de sentimentalismo tóxico dos últimos tempos?

Enquanto isso, aqui fora, no mundo real, cabe a uns acompanharem o show de “lacrações” Inception – o cinéfilo que me lê, entenda –, enquanto outros se recusam a aprender que as teorias sociais contemporâneas, criadas com o propósito de salvar, de modo secular, a humanidade de si mesma, sucumbem diante do indivíduo e suas contradições.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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