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O colunista Paulo Cruz, professor de Filosofia e umas das principais vozes sobre racismo no Brasil, comentou, em áudio, o assassinato de João Alberto Silveira Freitas por seguranças de uma loja do supermercado em Porto Alegre. Ouça:
Leia a transcrição da fala de Paulo Cruz:
Estou totalmente chocado, espantado, com esse caso de assassinato por espancamento de João Alberto Silveira Freitas, mais conhecido como Beto pelos amigos. Ele foi brutalmente espancado e assassinado numa loja do supermercado Carrefour, em Porto Alegre.
Me causa um choque, um espanto muito grande de ver a violência perpetrada por aqueles dois homens que espancam um outro homem dentro de uma loja, diante de câmeras. Nós sabemos que hoje tudo é filmado, registrado. O fato de pessoas se comportarem dessa maneira diante de filmagem é algo inominável, de uma violência e desprezo pela vida do próximo.
Então fica aqui o meu repúdio. Que esses dois homens sejam julgados e condenados com todo rigor da lei.
Nós vivemos uma época de muito radicalismo. De um lado, as pessoas tentam absolutizar o problema como uma questão racial: ele foi morto por ser negro. De outro, pessoas da mais alta instância da nossa vida social e política, como o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, dizem que não há racismo no Brasil.
Os dois lados inflamados do debate acabam tornando a compreensão dessa realidade brutal da vida brasileira muito mais complexa. Eu tenho dito que esse assassinato pode ter, sim, motivações raciais. Os homens podem ter agido com a intenção de assassinar aquele outro homem porque ele era negro? É óbvio que sim. É óbvio que a maneira que eles espancam aquele homem até a morte pode ter sido causada por um desprezo justamente por ele ser negro.
No entanto, isso é uma inferência baseada no histórico que nós temos no nosso país. Eu não quero diminuir o problema, mas quero refletir a respeito desse tipo de absolutização de um lado, como se fosse um caso flagrante de racismo, quando ele não está configurado como um ato racista que possa ser colocado diante da lei. E também, claro, não quero dizer que o racismo não existe – o que é um outro absurdo completo.
Convido você, leitor, a ler minhas colunas. Tenho tentado equilibrar essa discussão e trazer racionalidade para ela que, claro, envolve nossos sentimentos. Eu, como homem negro, sinto muito quando vejo esse tipo de coisa, mas tento, por ser professor de Filosofia, pensar um pouco no assunto antes de me manifestar.
Esse é um caso grave, muito complexo, e que deve ser tratado com o rigor da lei. Mas antes de sentenciarmos as pessoas nas redes sociais, nos jornais, como racistas porque cumpriram um crime de assassinato, temos que procurar casos concretos e não só narrativa que inflama tanto a nossa sociedade. Eu penso, modestamente, que isso não nos levará a bons termos. Então que isso seja investigado, que o caso seja solucionado, que os criminosos sejam punidos e que, se de fato for um caso mesmo de motivações raciais, que isso venha a público para que nosso repúdio seja absoluto e completo.