Manifestante gesticula em frente a um restaurante fast food incendiado durante a noite em 14 de junho de 2020 em Atlanta, Geórgia, após a morte de Rayshard Brooks, 27, baleado pela polícia| Foto: Dustin Chambers/AFP
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Quando homens maus conspiram, homens bons devem planejar. Quando homens maus incendeiam e bombardeiam, homens bons devem construir e unir. Quando homens maus gritam feias palavras de ódio, homens bons devem se dedicar às glórias do amor. Onde homens maus procurariam perpetuar um status quo injusto, homens bons devem procurar gerar uma ordem real de justiça. (Martin Luther King Jr.)

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Dias atrás tive uma conversa muito produtiva com meus alunos sobre a onda de protestos contra o racismo que se iniciou nos EUA e ganhou o mundo nas últimas semanas. O assassinato de George Floyd, homem negro de 46 anos, perpetrado pelo policial Derek Chauvin – que, inclusive, teve outras 18 reclamações contra ele no departamento de polícia antes do presente caso –, ao permanecer com o joelho em seu pescoço por oito minutos, enquanto Floyd dizia que não conseguia respirar, que não queria morrer e chamava pela mãe, desencadeou uma série de protestos que, dessa vez, não ficaram circunscritos ao território americano, como tantos outros que já ocorreram em situações semelhantes, mas ganharam adeptos em vários países – inclusive levantando demandas próprias em relação ao racismo local, como a França.

Os protestos, inicialmente cobrando providências em relação aos quatro policiais envolvidos no crime, tiveram a participação de familiares de Floyd e de muitos artistas – mesmo ignorando a brutalidade muito maior provocada pelas gangues e pela criminalidade que, de fato, dizima jovens negros nas periferias americanas (tema já tratado por mim em artigo); mas foram se tornando cada vez mais genéricos (contra a brutalidade policial, contra o racismo e até contra a instituição policial e o Sistema), sem uma pauta ou propósito específico, até serem capturados de vez por todas as ideologias progressistas que giram em torno do assunto.

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Movimentos como Defund de police, algo como “corte os recursos da polícia”, ganharam voz nos protestos, na mídia, e há, realmente, quem leve a sério um movimento para acabar, de fato, com o policiamento ostensivo. Aqui, movimentos de desmilitarização da polícia são pautas comuns nos círculos de esquerda.

No entanto, por essa característica genérica que os protestos ganharam, entrou em cena a violência, atitude mais comum de quem abdicou da razão e, à base de mero sentimentalismo, tenta impor a sua vontade. Muitos desses incendiários são jovens que estão mais preocupados com suas ideologias anárquicas do que com a sociedade, e cujo compromisso não é com a civilização, mas com a barbárie.

Assim, cidades foram destruídas, lojas saqueadas e incendiadas, e mais pessoas foram feridas e mortas. A cidade de Atlanta, uma das que mais sofreram com a violência dos protestos, viu sua prefeita, Keisha Bottoms, vir a público num discurso emocionado, dizer:

Sou mãe de quatro filhos negros na América, um dos quais com 18 anos. E quando vi o assassinato de George Floyd, sofri como uma mãe sofre […] E ontem, quando soube que havia rumores sobre protestos violentos em Atlanta, fiz o que uma mãe deveria fazer: liguei para meu filho e disse: “Onde você está? […] Não posso protegê-lo, e os jovens negros não deveriam sair às ruas hoje” […] Então, não questionem minha preocupação e meu cuidado com onde estamos vivendo na América. Passo por isso todos os dias e rezo pelos meus filhos todos os dias […] O que vi ocorrer nas ruas de Atlanta não é Atlanta; isso não é um protesto. Isso não está de acordo com o espírito de Martin Luther King Jr.; isso é o caos. Um protesto precisa ter um propósito, e quando o Dr. Martin Luther King foi assassinado, não fizemos isso com a nossa cidade. Então, se você ama esta cidade... esta cidade, que tem um legado de prefeitos e chefes de polícia negros, e de pessoas que se preocupam com ela – onde mais de 50% dos proprietários de empresas na região metropolitana de Atlanta pertencem às minorias... Se você se importa com esta cidade, vá para casa!

E a prefeita não foi a única moradora de Atlanta a se indignar com a estupidez dos protestos que, para buscar justiça, destroem a própria cidade. Michael Render, mais conhecido Killer Mike, rapper da dupla Run the Jewels e reconhecido por seu ativismo, fez um discurso muito emocionado mas incisivo contra aqueles que estavam “destruindo a sua própria casa”.

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Mike disse que, ele mesmo tendo nascido em Atlanta e sendo oriundo de uma família de policiais da cidade (inclusive seu pai), não tinha nada bom a dizer, mas se sentia responsável, pois “não foram apenas o Dr. King e as pessoas bem vestidas que marcharam em protesto nesta cidade e em muitas outras; pessoas como a minha avó, meus tios e tias, membros da SCLC – Southern Christian Leadership Conference (Conferência da Liderança Cristã do Sul) – e da NAACP – National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) – e, em particular, o reverendo James Orange, sra. Alice Johnson e o reverendo Love, que perdemos no ano passado. Então é meu dever estar aqui essa noite para simplesmente dizer: é seu dever não queimar a própria casa por raiva do inimigo. É seu dever fortalecer sua própria casa, para que ela possa ser uma casa de refúgio em termos de organização. E agora é tempo de desenhar, planejar, criar estratégias, organizar e mobilizar. É hora de derrotar os promotores que não gostam nas seções de votação; é hora de responsabilizar prefeitos e chefes de polícia e seus assistentes […] Não queremos ver um policial ser processado; queremos ver quatro policiais serem processados e condenados”.

O que mais me chamou a atenção nos discursos de Keisha Bottoms e Killer Mike, é que eles reconhecem a necessidade de algumas reformas – principalmente no sistema de justiça americano –, mas também sabem que, como disse Bottoms, manifestações precisam ser muito bem pautadas e terem objetivos claros, ou se tornam inócuas.

Quando vemos Martin Luther King ou Malcolm X em seus protestos, sabemos pelo que estavam lutando: pelos Direitos Civis, suprimidos pelas famigeradas leis Jim Crow, que desde o final do séc. 19 haviam instaurado um reino de terror no Sul dos EUA, em que pessoas negras eram linchadas e enforcadas em praça pública. Quando Mike fala em “desenhar, planejar, criar estratégias, organizar e mobilizar”, está falando o que qualquer líder, de qualquer projeto – seja ele político ou não – deve fazer. Sem organização não se alcança objetivo algum. Mesmo em nossa vida pessoal, sem uma meta específica e um mínimo de foco, não somos capazes de progredir.

Podemos até questionar a natureza, a legitimidade e a efetividade dos atuais protestos americanos e mundiais; no entanto, me parece evidente que sair às ruas contra o racismo, genericamente, nos coloca diante de um objetivo abstrato e impossível de atingir, pois o racismo não é uma abstração, mas existe concretamente e se traduz em atos cometidos por pessoas.

Os ideólogos e aproveitadores, que usam o momento delicado para implementar suas pautas de engenharia social, devem ser reconhecidos e distinguidos, pois não estão preocupados com os verdadeiros objetivos da luta contra o racismo, mas somente com suas próprias causas, que, se analisadas a fundo, têm pouco ou nada a ver com os objetivos específicos dos que sofrem com o preconceito de cor e com a discriminação.

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E mais: é absolutamente necessário que, na legítima defesa das pautas sociais e no clamor pela justiça, nossas mãos e consciências permanecem limpas, honrando nosso compromisso com o próximo, com as leis e com a sociedade em geral.

Se os protestos estiverem cheios, mas os corações vazios, nos tornaremos os homens sem peito de que fala C. S. Lewis, cujo sentimentalismo das vísceras inunda o cérebro por uma “carência de emoções férteis e generosas” que o moderem. Deus nos livre.