“A pior ameaça para a liberdade não é que deixemos que alguém a tire de nós – porque quem deixou que ela fosse tirada ainda pode reconquistá-la –, mas sim que desaprendamos a amá-la, ou que não a compreendamos mais.” (Georges Bernanos, Liberdade para quê?)
O ex-Twitter, agora bizarramente chamado de X – e só por isso Elon Musk deveria ser enviado sumariamente para Marte –, voltou, após pouco mais de um mês de suspensão, por determinação de nosso grão-vizir, Alexandre de Moraes – não sem ter pago as multas aplicadas à empresa de Musk, que somam mais de R$ 28 milhões a irrigarem os cofres públicos. O supremo ministro do Supremo Tribunal de nosso diminuto país se viu numa disputa de poder com o starman sul-africano, que se recusou a obedecer às determinações de Xandão para que bloqueasse contas de ativistas de direita e para que praticamente entregasse ao ministro os funcionários do X no Brasil, ameaçados de prisão; Musk não se fez de rogado e fechou o escritório brasileiro da empresa, alegando ameaças de Moraes. O conflito escalou institucionalmente até o bloqueio da plataforma, em 30 de agosto.
O X é a rede politicamente mais engajada, e com sua aquisição por Musk isso aumentou
A pergunta é: quem liga para o X? Trata-se de uma plataforma, digamos, complicada, dada a mobilizações de massas digitais fictícias – a milícia criminosa Sleeping Giants surgiu e cresceu no X; a página de fofocas e notícias falsas Choquei, idem –, à propagação de desinformação e cancelamentos, a perseguições políticas implacáveis e inescrupulosas, e outras tantas confusões que fazem dessa rede social a mais tóxica de todas, sobretudo para quem acompanha política. Minha mãe, senhora de 82 anos, não tem X; meus irmãos tampouco; adolescentes da idade de meus alunos são exceção absoluta nessa rede, que, diga-se, é uma das menos usadas no país, só ficando acima do LinkedIn (segundo informações do Data Report 2024 Brasil).
O X é a rede politicamente mais engajada, e com sua aquisição por Musk isso aumentou, pois ele é um agente político trabalhando diretamente para o combate ao discurso de esquerda, que, inclusive, predomina na rede. Musk, que é um apoiador e financiador da campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos – com promessas até de comandar uma comissão de eficiência numa possível segunda administração do republicano –, não cansa de fomentar controvérsias. Seu alinhamento político, que o faz ser reconhecido como um dos articuladores da Internacional Fascista – uma das teorias conspiratórias mais estúpidas criadas pela esquerda nos últimos anos –, inclusive por sua influência na política brasileira, irritou não só a malta esquerdista, mas o próprio governo, que endossou as ações de Moraes contra Musk.
Sim, minha mãe, senhora de 82 anos, não tem X; meus irmãos também não; adolescentes da idade de meus alunos reclamam da toxicidade da rede e não a usam; e é a rede social menos usada no Brasil. OK, mas e daí? E se usassem? E se minha mãe, meus irmãos e meus alunos usassem o X somente para se informar (o que é uma das grandes vantagens desta rede)? E se eles, sem o desejo de entrar em qualquer celeuma política, só quisessem acompanhar as notícias do mundo e um ou outro artista de que gostam? Pois é: não poderiam, pois o nosso sultão dos trópicos, o senhor de todos os sortilégios políticos do país, censurou uma rede social inteira por causa de sua rusga pessoal com Musk. Em seu fetiche infinito em defesa da democracia, cometeu umas das censuras mais grosseiras de todas: o ataque à liberdade de expressão.
Sem contar que pessoas foram economicamente prejudicadas pela censura à rede, “zilhares” de informações foram suprimidas, o debate público foi imensamente prejudicado e, obviamente, o processo eleitoral foi diretamente afetado. Sob a justificativa de combater as fake news, como diz o ditado, jogaram fora a criança com a água do banho. É inadmissível. Ação que transforma o Brasil numa republiqueta cuja vocação mais fundamental é o autoritarismo. Tudo isso sob a anuência de uma das instâncias mais importantes de uma democracia – e também uma das prejudicadas em qualquer processo de censura: a imprensa. É vergonhoso.
Em seu fetiche infinito em defesa da democracia, nosso sultão dos trópicos, o senhor de todos os sortilégios políticos do país, cometeu umas das censuras mais grosseiras de todas: o ataque à liberdade de expressão
De nossos intelectuais mainstream não podemos esperar nada mesmo, pois a todos eles – sendo, em maior ou menor grau, de esquerda – importa menos a liberdade de expressão e a luta diária pela verdade do que nos empurrar goela abaixo o seu discurso igualitário que, todos sabemos, não encontra respaldo na realidade, mas abunda em apoio através de seus pares ideológicos, que ocupam espaços de poder e destaque na política e na cultura. É preciso que esse discurso circule e seja fomentado sem oposição e com um verniz de luta por justiça social. Defender comunismo, socialismo ou qualquer um desses delírios antiliberdade só é possível se a oposição permanecer amordaçada. Por isso a censura ao X importa tanto, pois a direita – sobretudo a direita reacionária de nossa política – aprendeu a manejar as redes sociais melhor que a esquerda.
Como diz Georges Bernanos, citado em epígrafe, o título de um de seus livros de ensaios, Liberdade, para quê? (já tradado por mim aqui, nesta Gazeta do Povo), foi retirado – pasme, caro leitor! – de uma frase de Lênin. E ele complementa: “A expressão de Lênin tornou-se o slogan do Estado Moderno, quer ele se diga democrático, quer não, porque a palavra ‘democracia’ já foi tão usada que perdeu todo o significado, sendo provavelmente a palavra mais prostituída de todas as línguas”. Pois é, Xandão que o diga.
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