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A senzala ideológica de uma francesa no Jardim Europa

Entrevista a Chris Buarque, no Youtube (Imagem: Reprodução/YouTube) (Foto: )

“O sentimentalismo não faz mal quando confinado à esfera privada […] Mas, enquanto manancial da política pública, ou da reação pública a acontecimentos ou a problemas sociais, ele é tão desastroso quanto preponderante”. (Theodore Dalrymple, Podres de Mimados)

A luta contra o racismo no Brasil ganhou uma aliada importante, mas a população brasileira ganhou uma (quase) adversária: Alexandra Baldeh Loras (se pronuncia Lorrás), ex-consulesa da França em São Paulo e atual palestrante e escritora. Alexandra nasceu em Paris, filha de mãe francesa – pertencente a uma família tradicional de industriais – e pai imigrante africano, da Gâmbia. Cresceu, segundo ela, numa “família disfuncional”, pois sua mãe teve cinco filhos com quatro homens diferentes, e ela é a única negra da família. Diz que sofreu muita discriminação na França, mas sempre foi determinada. Foi a melhor aluna na escola e na faculdade; fez intercâmbio na Alemanha, Canadá e EUA, e trabalhou como apresentadora de televisão na França. Fez mestrado em Gestão de Mídia, na Escola Livre de Ciências Políticas (Science Po), em Paris; e, por fim, casou-se com Damien Loras, que, à época, era conselheiro de Nicolas Sarkozy.

Recentemente li uma matéria sobre sua participação na Feira Literária de Paraty (Flip) e fiquei espantado com a sua declaração de que “o Brasil é o país mais racista do mundo”. Primeiro, porque pensei: “por que, então, ela não voltou para a França quando seu marido deixou atividade consular?”; e, segundo, porque vi e li outras entrevistas com ela e, somada a essa afirmação no mínimo hiperbólica, há outras tantas declarações, que ela repete ad nauseam, do mesmo jeito, em todas as entrevistas e palestras que dá desde que começou sua trajetória de militância no Brasil (creio que em 2015), em todos os veículos da grande mídia, em todos os espaços de elite que frequenta, tão, mas tão absurdas, que não entendo como tudo que seus interlocutores conseguem fazer é abaixar a cabeça e aceitar, condescendentemente, sem lhe fazer um contraponto, pedir uma fonte, nada.

Para essas duas perguntas que me fiz, há respostas: quanto à primeira, ela mesma responde: “o Brasil me deu um palco”. Ou seja, a experiência de militância que não conseguiu fazer em seu país, Loras resolveu fazer aqui; não só com a anuência de toda a classe falante brasileira – que adora ter um estrangeiro lhe jogando as mazelas na cara –, quanto da mídia, que lhe abriu todas as portas. Segundo ela, isso, inclusive, foi motivo de ciúme de parte do Movimento Negro, que há tantos anos luta para conseguir espaço, sem sucesso, enquanto uma negra francesa que chegou agora já dominou tudo. Aliás, isso já revela a contradição em termos de sua declaração a respeito do país mais racista do mundo. Quanto à segunda pergunta, a resposta é simples: a elite brasileira ama essa aparência de compreensão, esse acordo implícito para evitar o conflito e não ser tachada de reacionária e moralista.

Fato é que Alexandra Loras tem ao seu dispor todo um universo de possibilidades que seu dinheiro e sua repentina influência lhe proporcionam. Nesse ambiente protegido pelo luxo, nesse Brasil sui generis que ainda conserva aquela retrógrada mentalidade do senhor-e-servo para mediar relações – ela mesma foi, diversas vezes, confundida com uma babá por estar vestida de branco, passeado com seu filho –, que empregadas comem segregadas, na cozinha; nesse ambiente, falar abertamente sobre discriminação pode ser bastante pedagógico, afinal de contas, o país precisa evoluir nesse sentido.

No entanto, aquele tom quase espontâneo que ela adotara no início, utilizado, por exemplo, na entrevista dada no extinto Programa do Jô, em 2015 – seu momento de projeção nacional –, foi sendo substituído, cada vez mais, pelo discurso radical do Movimento Negro. Agora, com meia dúzia de clichês decorados, que vão da generalização de casos específicos à manipulação retórica, do exagero à mentira, Alexandra Loras utiliza toda a sua simpatia e o som melífluo de seu português afrancesado para espalhar divisão racial em vez de integração, transformando o país mais miscigenado do mundo no país mais racista do mundo.

Dentre os absurdos que ela diz, estão coisas como (aqui, aqui e aqui):

    Não é preciso estudar muito para saber que essa informação é falsa. O papa Nicolau V estabeleceu, em sua bula Dum Diversas, dirigida ao rei Afonso V de Portugal, em 1452 (século 15, e não 16, como ela diz), regras para a guerra contra os muçulmanos, que atacavam e escravizavam cristãos. O papa diz ao rei: “[…] nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo”. Isso não tem nada a ver com raça; é uma reação aos muçulmanos, que, segundo o historiador Robert C. Davis, escravizaram mais de 1 milhão de cristãos entre os séculos 16 e 18.

    Não há nenhum documento oficial da Igreja dizendo que os negros não tinham alma. Provavelmente foram os traficantes de escravos que espalharam essa mentira para promover a escravidão.

    Não estou aqui fazendo uma defesa da Igreja Católica, que nunca teve uma posição firme em relação à escravidão. Os documentos papais simplesmente não eram obedecidos e, por exemplo, aqui no Brasil, muitos padres tinham escravos. Mas tampouco a Igreja adotou posições racistas em relação aos africanos. A escravidão foi se tornar marcadamente racial somente no fim do século 18, com as teorias eugenistas.

      Já escrevi sobre isso aqui, na Gazeta do Povo, de modo que não me repetirei.

        Como essa senhora faz essa conta? Como saber quem é negro e quem é branco, levando em consideração que a maioria da população é parda (46,8%) e não preta (8,6%) – e que pardo, no Brasil, pode ser praticamente qualquer pessoa? Já escrevi sobre isso também, aqui. E mais: dizer que precisamos ter 54% de negros em todos os lugares é de um autoritarismo insano, que não leva em consideração a vontade das pessoas. O comediante norueguês Harald Eia, no documentário O paradoxo da igualdade de gênero (que pode ser visto aqui), deu um xeque-mate nessa bobagem da representatividade – nesse caso, de gênero –, demonstrando que quanto mais livre é um país, mais as pessoas escolhem atividades relacionadas à sua afinidade biológica (em geral: mulheres, humanas; homens, exatas), e não às políticas governamentais e ideologias.

        Nosso problema não é representatividade, é liberdade!

          Mais uma mentirinha. O grande Thomas Sowell escreveu um clássico sobre isso – Ação afirmativa ao redor do mundo (É Realizações) –, que desmonta as políticas de ações afirmativas em cinco países do mundo, dentre eles, os Estados Unidos. Sowell diz:

          “Numa história dirigida para justificar os atuais movimentos e programas políticos, os negros têm sido vistos como um grupo cujas disparidades sociais e econômicas de hoje são consequências diretas da escravidão e dos maus-tratos recebidos no passado, bem como dos continuados racismo e discriminação do presente. Sejam as receitas mais baixas dos negros, comparadas às de outros americanos, sejam suas taxas mais altas de mortalidade infantil, sejam seus menores índices de casamento e de participação na força de trabalho, ou outras patologias sociais, a crença é que a causa geral vem sendo o comportamento dos brancos. Convenientemente, a ascensão socioeconômica dos negros na segunda metade do século 20 tem sido atribuída às leis e políticas que combateram a discriminação a eles infligida pelos brancos, na tentativa de reparar as iniquidades passadas. Todas essas explanações muito difundidas sobre as patologias sociais entre os negros americanos são, em sua quase totalidade, demonstravelmente falsas”. (p. 155).

          Qualquer um que queira discutir seriamente os programas de ações afirmativas tem de ler esse livro, tem de ouvir o contraditório. O problema é que, como diz Sowell, “a ação afirmativa tende a ser debatida em termos de suas justificativas e objetivos, e não de suas consequências reais”. (p. 174)

          Também trato da ascensão do negro americano na aula 4 de meu curso O BRASIL É UM PAÍS RACISTA?, que pode ser adquirido aqui. Por exemplo, após a abolição da escravidão, a criação do Comitê dos Libertos (Freedmen’s Bureau), em 1865, garantiu aos ex-escravos negociarem melhores condições de trabalho e ter acesso à ajuda humanitária; ajudou no estabelecimento de escolas, de serviços médicos, na administração de terras e todo tipo de ajuda social. No fim do século 19 já havia 247.333 alunos negros, em 4.329 escolas. A primeira faculdade gerida por negros foi a Wilberforce University, em 1863. Na área da filantropia os esforços foram tão bem-sucedidos que, em 1900, já havia 28.560 professores negros. Na política, os negros também foram muito bem representados: por exemplo, na Carolina do Sul, a primeira assembleia legislativa tinha 87 negros (todos republicanos) e 40 brancos. Francis Lewis Cardozo, um professor de Latim e pastor presbiteriano, considerado um dos maiores intelectuais de seu tempo, foi o primeiro negro a exercer o cargo de secretário de Estado, em 1868, também pela Carolina do Sul.

          Então, não tem que ver com cotas, mas com o esforço do Estado em criar um ambiente favorável à livre iniciativa/associação.

          A esse respeito, vale muito a pena ver o documentário Boas Intenções, do genial Walter Williams:

          Mas sejamos justos: Alexandra Loras diz algumas coisas interessantes – de que eu, inclusive, trato em meu curso –, como fazer referência a negros importantes de nossa história, como uma maneira de formar o imaginário das novas gerações. Ela também fala sobre a impossibilidade de o negro – que eu estendo a todos os pobres – empreender, pois a taxa de juros bancários é de 400% ao ano, dificultando muito os empréstimos para investimentos. Mas eu duvido que sua proposta para a solução desse problema seja a liberdade econômica e a diminuição do Estado. Escreveu um livro, Gênios da humanidade (DBA), em parceria com um historiador Carlos Machado, sobre grandes personalidades negras mundiais. O livro, infelizmente, já está esgotado.

          No fim das contas, Alexandra Loras me parece uma pessoa muito bem intencionada. Fica evidente que foi sua experiência, aliada à falta de informações corretas, que a levou por esse caminho – afinal de contas, deve ser um porre conviver com essas socialites que fingem gostar de quem, sutilmente, discriminam. Porém, caiu nas garras do sentimentalismo e é muito mal assessorada; precisa melhorar o seu discurso e estudar mais. Parar de repetir esses clichês vagos, falsos, e partir para ideias mais efetivas e condizentes com a realidade brasileira. Mas, para isso, terá de romper os grilhões da senzala ideológica do Movimento Negro. Ela quer?

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