“Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu […]. O destino do homem é o mesmo do animal; o mesmo destino os aguarda. Assim como morre um, também morre o outro. Todos têm o mesmo fôlego de vida; o homem não tem vantagem alguma sobre o animal. Nada faz sentido! […] Por isso concluí que não há nada melhor para o homem do que desfrutar do seu trabalho, porque esta é a sua recompensa. Pois, quem poderá fazê-lo ver o que acontecerá depois de morto?” (Eclesiastes 3:1,19,22)
Há duas semanas iniciei o meu Clube do Livro. Pelos próximos cinco meses leremos cinco livros e um conto, e a cada fim de mês darei uma aula sobre a obra em questão. Com essa iniciativa – das mais desafiadoras e caras a mim –, minhas atividades atuais são: oito aulas semanais de Filosofia e Sociologia no ensino básico, minha coluna semanal nesta Gazeta do Povo (que esse ano completou quatro anos), a apresentação de um podcast com convidados duas vezes por semana, e quatro cursos on-line. Com exceção do Clube, os cursos são gravados, mas ainda assim demandam atenção e manutenção. E, diante do exposto, e de projetos que estão por vir, decidi, por um tempo, me afastar das redes sociais – sobretudo do Instagram e do Twitter.
Tal resolução, sem muitas explicações, causou certa preocupação entre aqueles que acompanham o meu trabalho nas redes. Mas a estes quero dizer que estou bem, perfeitamente bem. No entanto, sinto que o papel de intelectual público no mundo contemporâneo – e aqui tento resistir à alcunha de influencer –, ou pior, no Brasil atual, ou, pior ainda, no ano corrente, é uma atividade por demais desgastante. E quem não está disposto a se render ao famigerado algoritmo, promotor de escândalos e polêmicas fáceis, vê seu esforço de transmitir informação e conhecimento minguar em meio ao ruído provocado por subcelebridades, ao cancelamento do dia, à lacrada identitária da vez, às dancinhas de 15 segundos, aos micro-stand-ups e – o horror! – à descida aos infernos das discussões políticas. Tudo isso toma um tempo violento e, ao fim do dia, sentimos que o saldo de tamanho esforço é negativo.
Saber, como diz a sabedoria bíblica, que há tempo para tudo, inclusive para espalhar e juntar as pedras, é saber que há momentos em que temos de concentrar esforços naquilo que é mais visivelmente recompensador e produtivo – e saudável
Óbvio que generalizo; mas, nesse caso, as exceções confirmam a regra. Ainda que o esforço de suplantar a futilidade seja visto e apreciado por muitos, a diferença gritante, por exemplo, de engajamento entre as publicações polêmicas e aquelas que só querem formar e informar são a certeza de que menos é mais. E, nesse sentido, saber, como diz a sabedoria bíblica citada em epígrafe, que há tempo para tudo, inclusive para espalhar e juntar as pedras, é saber que há momentos em que temos de concentrar esforços naquilo que é mais visivelmente recompensador e produtivo – e saudável.
E confesso ao amigo leitor que tal resolução me ocorreu após a releitura do primeiro livro que estudaremos no Clube, Lavoura Arcaica, obra-prima de Raduan Nassar – sobre a qual, um dia, escreverei com vagar. Um dos capítulos mais belos e emblemáticos do romance é aquele no qual o patriarca fala sobre o Tempo. Um texto que (perdoem a possível blasfêmia) certamente poderia ter sido escrito sob inspiração divina e integrar o texto bíblico como continuação do terceiro capítulo do Eclesiastes. Inicia o pai:
“O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo.”
A noção de tempo gerou uma das discussões mais interessantes e complexas não só da filosofia como também da ciência. Gosto da poeticidade platônica quando o mestre diz, no Timeu, que o tempo é a “imagem móvel a eternidade”. Mas também é curiosa a percepção relativa do tempo em nossa mente, quando notamos, por exemplo, que este parece correr mais devagar quando somos submetidos a atividades que não desejamos, e mais rápido nas atividades que nos dão prazer. No sentido aplicado tanto no Eclesiastes quanto em Lavoura Arcaica, o tempo nos é apresentado como um bem, como uma unidade de medida da vida – tal qual o aion dos gregos –, do qual podemos colher os frutos de sua maturação ou os dissabores de seu desperdício. E o pai continua:
“Rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é.”
E assevera, categórico: “pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas”.
Por isso, caríssimo leitor, se me permite outra metáfora, faço dessa pequena pausa no uso das redes uma oportunidade de mudar a rotação da engrenagem para que o motor, cansado, volte a trabalhar com a precisão necessária à excelência, sem interrupções ou ruídos. O nome disso é prudência.
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