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Uma carona na boleia da história, ou: reflexões sobre uma revolução brasileira

Detalhe de tela "Saturno devora o seu filho", de Peter Paul Rubens (1636). Reprodução. (Foto: )

“E não basta conservar o que existe de bom, agora. Convém impedir medidas reformistas erradas. Por muito capaz que seja um estadista, e por muito bem informada que seja a elite dirigente de um partido, isso não quer dizer que suas ideias a respeito de todas as questões, sejam necessariamente exatas”. (João Camilo de Oliveira Torres, O elogio do conservadorismo, Arcadia)

O ano de 1889 se iniciou com a propaganda republicana caminhando a passos largos. A abolição da escravatura acirrou os ânimos, e a monarquia, apesar da altíssima popularidade, sofria politicamente nas mãos de um número pequeno, mas muito barulhento, de oponentes.  Aos conspiradores – em sua maioria jovens oficiais e alunos das escolas militares –, se juntaram alguns republicanos civis, como Rui Barbosa, Aristides Lobo e Quintino Bocaiúva. O empedernido jornalista Silva Jardim, o mais virulento pregador republicano, estava incontrolável. Viajou o Brasil convocando a população a aderir ao republicanismo, à revolução brasileira. Numa conferência realizada em 30 de dezembro de 1888 e publicada na Gazeta de Notícias, em 20 de janeiro de 1889, respondia à advertência conservadora de Joaquim Nabuco, dizendo:

“A revolução é como Saturno, devora os próprios filhos, observa sentencioso o Dr. Joaquim Nabuco, e aplicando uma velha frase. Ela foi aplicada, no seu sentido restrito, inalterável, à Revolução Francesa, visto que os que por ela trabalharam, foram vítimas dos grupos dos novos partidos que se formaram, morto Danton às mãos de Robespierre, morto Robespierre às mãos da população. Mas não é o caso da Revolução Brasileira.

E após afirmar que a família imperial deveria ser executada caso resistisse ao exílio, passa a dizer – com aquele pedantismo inconsequente dos revolucionários que a história sempre trata de desmentir – que a República não se tornaria uma ditadura militar (algo também previsto por Nabuco):

“A república seria o militarismo, a ditadura militar, também deixa entrever no final de um artigo o Sr. Dr. Joaquim Nabuco, levantando quantos argumentos a ignorância, o egoísmo ou a timidez tem forjado contra a propaganda republicana”.

Mas Silva Jardim não para por aí. Como um bom analista-militante, que deseja capitalizar o maior número de pessoas para a sua causa restauradora, passa a defender os produtores rurais, buscando na simplicidade dos homens do campo – que se sentiam prejudicados pela rejeição do imperador em indenizá-los – mais adeptos para sua causa. Diz ele:

“Mas a verdade, como já tenho eu dito, é que uma política hábil e reta, pode transformar elementos à primeira vista egoístas, discordantes, em elementos generosos e construtores. Uma direção espontânea, mas sensata, que os propagandistas republicanos têm impresso ao espírito dos lavradores, e o trabalho mental e a dignidade deles mesmos, têm consolidado e purificado seu primeiro impulso político, em um ou outro que carecesse dessa purificação e dessa consolidação. Quando mesmo porém, a república se formasse tumultuariamente, com paixões más, ainda assim deveríamos aceitá-la; ela compreenderia a necessidade de torná-la governo da opinião, governo popular, sob pena de suicidar-se, de cair em uma agitação vã”.

A boa e velha utopia revolucionária, que vê no futuro incerto a realização de suas aspirações. Silva Jardim não era comunista, não queria a ditadura do proletariado, mas era igualmente inconsequente. Criticava a todos que não enxergavam a grande “libertação definitiva da mais bela das Pátrias”, que a Proclamação da República traria em seu bojo. No livro Uma Garganta e Alguns Níqueis: história de Silva Jardim, o herói da propaganda republicana, de Maurício Vinhas de Queiroz, publicado em 1947, lemos sua crítica exaltada ao movimento que levou à abdicação de D. Pedro I, mas não tratou de implantar a República naquele momento:

“Por que razão o 7 de Abril degenera em movimento monárquico? Porque o grupo dos exaltados deixou-se vencer pelo dos moderados… É mister evitar a nossa entrega ao liberalismo, sequioso de poder, tornando-se republicano de um dia para outro. É preciso tirar o Partido Republicano deste perigo: que a República seja a Monarquia sem o Imperador!”

Para Silva Jardim, numa situação tão favorável como aquela, foi um erro terem devolvido o governo aos mesmos donos do poder.

Porém, quem garantiria que as coisas sairiam da maneira como almejavam os republicanos? Ninguém, nem eles mesmos. Mas sonhavam com um Brasil melhor, livre de um governo que eles julgavam deteriorado. No dia 16 de novembro, Rui Barbosa noticiou, triunfante, o governo provisório como “simples agente temporário da soberania nacional […] o governo da paz, da liberdade, da fraternidade e da ordem”.

Deu no que deu. Ditadura militar, repressão e recessão. Não demorou muito para que todos os principais agentes do golpe republicano se arrependessem amargamente de seus feitos. Silva Jardim foi logo abandoado pelos republicanos e exilou-se, para morrer tragado pelo vulcão Vesúvio, na Itália. Sobre isso, disse José do Patrocínio: “Bela sepultura o vulcão, extraordinário destino o do grande brasileiro; até para morrer converteu-se em lava”.

Em 1894, Boaventura Gaspar da Silva Costa Barbosa – o Visconde de S. Boaventura –, um jornalista e escritor português que morava no Brasil – e que havia sido, também, um entusiasta da República – escreveu um pequeno livro chamado A Revolução no Brasil, no qual faz uma meditação da catástrofe que foi o golpe de 1889 e o fim curiosamente trágico de seus principais agentes:

“Benjamin Constant, torturado por uma doença cruel, morre doido. Deodoro é martirizado, ao mesmo tempo, pela enfermidade e pelas contrariedades morais; elevado por uma sedição ao cargo de chefe do Estado, são os seus próprios camaradas que o derrubam, por meio de outra sedição; na sua longa e medonha agonia não quer ver fardas militares — tal é o horror que lhes tem! —e, generalíssimo do exercito, pede e recomenda à família que o seu cadáver seja vestido à paisana, declarando ser essa a sua derradeira e suprema vontade. Silva Jardim, o audaz agitador, exila-se, depois de sofrer dolorosas decepções, e, num passeio pela Itália, quando a contemplação das maravilhas da arte e da natureza lhe distrai o espírito das misérias da política, e lh’o absorve e encanta, morre desastrada e pavorosamente no Vesúvio; Wandenkolk é desterrado para um clima mortífero do Amazonas e transportado, sob prisão, do Rio de Janeiro ao Pará, no mesmo vapor que o governo provisório, de que foi um dos membros, destinou ao transporte da família imperial para a Europa; Quintino Bocayuva vê a sua reputação atassalhada, o seu nome arrastado pelas ruas da amargura, a propósito do tratado das Missões. O foliculário Aristides Lobo, um dos ministros do governo provisório, foi ultimamente recolhido ao hospital de alienados. Está doido furioso”.

Não é fácil brincar de revolucionário. E mesmo as insurgências contrarrevolucionárias ou resistências pacíficas exigem uma boa dose de organização e liderança – de preferência uma liderança espontânea, que conheça as demandas, tenha carisma e seja, de algum modo, intelectualmente acima da média. Os exemplos, prós e contras, abundam.

Ao fim e ao cabo, André Rebouças é que tinha razão. Em carta ao Visconde de Taunay, escrita em 12 de junho de 1893, compartilha com o amigo suas reflexões em torno da obra Recordações da Vida Parlamentar, de seu pai Antônio Pereira Rebouças – um reconhecido conciliador e legalista –, e sua evolução filantrópica. Antônio Pereira Rebouças, autodenominado o fiador dos brasileiros, foi um personagem importante na independência do Brasil, além de político liberal e reformador prudente – oposto dos republicanos. Comenta André Rebouças:

“Imagina a Irlanda e a Inglaterra revolucionadas, voltando aos horrores de Maria Tudor e de Cromwell, sob o pretexto de pretender Gladstone abolir o monopólio territorial e a servidão feudal… O mundo inteiro retrogradaria três séculos! Que horror! Pobre humanidade… Míseros reformadores…”

Em outras palavras, como diria George Santayana: “quem não conhece o passado, está condenado a repeti-lo”.

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