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Com as fronteiras terrestres fechadas e o espaço aéreo sob rigorosíssimo controle, Nicolás Maduro foi reempossado na presidência da Venezuela na última sexta-feira. No poder desde 2013, o caudilho ungido por Hugo Chávez em seu leito de morte iniciou o terceiro mandato consecutivo. Para a oposição venezuelana, sua posse consumou um golpe de Estado.
A legitimidade de Maduro é grandemente contestada não só internamente, mas também pela comunidade internacional. Os EUA, a União Europeia, e muitos países da América Latina, dentre esses Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Peru, não reconhecem o governo instalado em Caracas.
No dia da posse, os EUA elevaram para US$ 25 milhões a recompensa por informações que levem à prisão de Maduro, acusando-o de crimes relacionados ao narcotráfico internacional.
Diversas organizações internacionais, como o Centro Carter, condenaram a reeleição de Maduro, classificando-a como injusta e antidemocrática. Estudos independentes indicam que Edmundo Gonzalez, candidato da oposição, teria recebido mais que o dobro dos votos de Maduro.
Ainda assim, com o apoio de países como Rússia, China, Irã, Cuba e Nicarágua, Maduro segue ocupando a cadeira presidencial no Palácio de Miraflores.
A permanência de Maduro no poder terá implicações que transcendem as fronteiras venezuelanas, impactando diretamente a estabilidade política e geopolítica da região
Nesse contexto, três cenários principais emergem. O primeiro e mais provável cenário é que a Venezuela se torne o principal palco ocidental da disputa hegemônica entre Estados Unidos, Rússia e China. Isolado no Ocidente, Maduro buscará apoio de aliados orientais.
Moscou e Pequim, por sua vez, aceitarão de bom grado aumentar sua presença no Norte da América do Sul e no Caribe, região de enorme importância geopolítica para os EUA, inclusive como possível moeda de troca para disputas com os americanos em outras partes do mundo, como o Mar do Sul da China e o Leste Europeu, por exemplo.
Outro possível desdobramento é o reaquecimento da disputa territorial com a Guiana pela região do Essequibo, uma questão que o regime já utilizou para desviar o foco de crises internas anteriores.
Insuflar a retórica nacionalista em torno de uma questão externa, a fim de unir a população contra um inimigo comum, é uma alternativa clássica, muito utilizada por governos autocráticos quando enfrentam crises internas.
O cenário mais grave, menos provável, mas que não pode ser descartado, seria o de uma guerra civil. A oposição, descrente na possibilidade de mudança por vias democráticas, poderia recorrer a uma alternativa militar.
A história da América Latina mostra que guerras civis não são inéditas na região, e a escalada de um conflito interno na Venezuela teria repercussões devastadoras.
Independentemente do cenário, a crise econômica continuará a alimentar o êxodo de venezuelanos, intensificando os fluxos migratórios para países vizinhos, inclusive o Brasil.
Com Trump no governo, as restrições à entrada de imigrantes nos EUA se tornarão mais rígidas, redundando em pressões migratórias ainda maiores na América do Sul.
Todos esses cenários exigem atenção do Brasil. Como lidaremos com o aumento das tensões entre EUA, China e Rússia em nosso continente? Qual será nossa postura diante de uma possível invasão da Guiana ou de uma guerra civil na Venezuela? O fluxo crescente de migrantes demandará maior preparação em nossas fronteiras e reforço na infraestrutura de acolhimento.
Parece evidente que o Brasil deveria assumir um papel de liderança regional, promovendo esforços diplomáticos para a estabilização da Venezuela e articulando respostas conjuntas no âmbito dos combalidos organismos multilaterais regionais. Ignorar os desdobramentos da crise venezuelana seria um erro estratégico, cujos custos — políticos, econômicos e humanitários — recairiam inevitavelmente sobre o país.
A história recente da Venezuela demonstra que as crises políticas não se limitam às suas fronteiras. Para o Brasil, antecipar cenários e traçar estratégias claras não é apenas uma questão de pragmatismo — é uma necessidade estratégica.
Conteúdo editado por: Aline Menezes