O espectro de um confronto nuclear assombra a humanidade desde os ataques norte-americanos a Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Entretanto, o risco real do uso do artefato atômico parecia ter sido superado com o término da Guerra Fria. Infelizmente, isso mudou e o risco do uso da arma nuclear - por uma das potências que a possuem - parece ser hoje ainda maior do que foi nos tempos da disputa entre os Estados Unidos e a então União Soviética.
Essa percepção foi confirmada na semana passada, quando o comitê do Prêmio Nobel resolveu anunciar que premiaria o grupo japonês Nihon Hidankyo com o Nobel da Paz. A premiação de um grupo de sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki, que se dedica a conscientizar a população mundial sobre a necessidade da eliminação das armas nucleares, mostra o quanto este assunto voltou à pauta.
A guerra da Ucrânia é o primeiro cenário que vem à mente quando se cogita o uso de uma arma nuclear
Afinal, várias autoridades russas, incluindo o presidente Putin, já ameaçaram empregar a bomba caso algumas “linhas vermelhas” fossem ultrapassadas pela Ucrânia ou pela OTAN. Essa é, inclusive, a principal razão pela qual as potências ocidentais não autorizam o uso, pelos ucranianos, dos seus mísseis de longo alcance contra alvos em profundidade no território russo: o medo da escalada nuclear.
Não se imagina que essa escalada ocorra com a Rússia lançando bombas de hidrogênio, de centenas de megatons, sobre Washington ou Londres. Mas, uma bomba nuclear tática, menos destrutiva e projetada para ser utilizada no próprio campo de batalha, é um cenário visto como possível, e que provoca a contenção do apoio ocidental à Ucrânia.
O uso, pela Rússia, de uma arma nuclear tática em uma área relativamente pouco povoada da Ucrânia, que causasse uma destruição “relativamente controlada”, seria um teste inédito para a estratégia da dissuasão e colocaria o mundo sob um novo paradigma: o de que o uso da arma atômica não necessariamente causaria a chamada “Mútua Destruição Assegurada (MAD)”. Este conceito baseia-se na ideia de que o uso de armas nucleares por duas potências levaria à destruição de ambas, impedindo qualquer vitória, portanto, dissuadindo o uso dessas armas.
Um ataque russo com uma arma nuclear tática, nessas condições, dificilmente ensejaria um contra-ataque nuclear norte-americano contra a Rússia, justamente para se evitar a guerra total. No entanto, uma resposta certamente viria, em uma escalada com enorme potencial de causar um grande custo humanitário e econômico, não só para a região, mas para o mundo.
A lógica de se possuir armas nucleares não se fundamenta em vencer a guerra, mas sim em evitá-la. Esse equilíbrio, baseado na crença de que uma guerra nuclear não pode ser vencida, está em jogo.
O uso de uma arma nuclear tática contra a Ucrânia, um país que não possui a bomba, poderia subverter a lógica da dissuasão nuclear e lançaria a humanidade em um território desconhecido, uma vez que se estaria cogitando o emprego da bomba sem provocar uma resposta nuclear. Abre-se, assim, a caixa de Pandora, quebrando definitivamente o tabu do uso da arma nuclear.
A guerra em curso no Oriente Médio também contrapõe uma potência nuclear, Israel, a um país que não possui a bomba, o Irã. Entretanto, diferentemente da Ucrânia, o Irã, embora negue, sabidamente possui um programa nuclear que rapidamente se aproxima do estágio que permitirá ao país construir a bomba.
Essa é uma realidade que Israel ou os EUA não podem admitir, o que pode impelir os israelenses, caso acreditem que seu país está sob ameaça existencial, a utilizar a arma contra o Irã.
Por outro lado, caso Israel – ou mesmo os EUA – não tomem nenhuma atitude ofensiva e o Irã construa a bomba, isso certamente ensejará uma corrida armamentista em outros países da região, como inclusive já declarou o príncipe saudita Mohammed Bin Salman, afirmando que, se o Irã possuir a bomba, seu país será obrigado a também obtê-la.
A Coreia do Norte, que possui dezenas de ogivas nucleares e mantém uma retórica altamente agressiva em relação à vizinha Coreia do Sul, também desperta, de forma cada vez mais evidente, vozes na própria Coreia do Sul e no único país até hoje a ter sofrido um ataque nuclear, o Japão, advogando a construção da bomba.
Vivemos um momento em que o risco do uso de uma arma nuclear tática é palpável, o que acarretaria profundas e imprevisíveis mudanças nas dinâmicas atuais das relações internacionais e das políticas de defesa ao redor do mundo.
Ao mesmo tempo, cresce a possibilidade de uma corrida armamentista que leve a uma proliferação nuclear, causando desequilíbrios geopolíticos graves. Tudo isso ocorre em um ambiente em que a ONU e os regimes internacionais, especialmente o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, se veem seriamente ameaçados de se tornarem irrelevantes.
Diante desse cenário alarmante, o espectro da guerra nuclear não pode ser ignorado. A dissuasão nuclear, que chegou a ser um pilar de estabilidade durante a Guerra Fria, pode se transformar em uma armadilha de consequências devastadoras para a humanidade.
A única alternativa viável é o reforço dos regimes de controle de armas e a diplomacia ativa para impedir que a caixa de Pandora seja definitivamente aberta.
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