Nos últimos dias, a América do Sul foi palco de um desfile de líderes globais. Uma série de eventos trouxe ao continente algumas das principais figuras da política internacional, deslocando momentaneamente a disputa hegemônica no Sistema Internacional para esta parte do mundo.
De Xi Jinping a Joe Biden, passando por Narendra Modi e Emmanuel Macron, as maiores potências realizaram movimentos estratégicos que terão impactos tanto para o Brasil quanto para os demais países da região.
Tudo começou em Lima, no Peru, onde ocorreu o encontro de cúpula dos líderes dos países da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). Todos os 21 membros da organização mandaram representantes ao encontro, com destaque para a presença dos presidentes dos EUA, Joe Biden, e da China, Xi Jinping, além dos sul-americanos Gabriel Boric, presidente do Chile, e a anfitriã, Dina Boluarte, presidente do Peru.
Dois eventos significativos ocorreram à margem da reunião do bloco: a última reunião bilateral entre o presidente Joe Biden, em fim de mandato, e o chinês Xi Jinping, e a inauguração, pelo líder chinês, do megaporto de Chancay, localizado a 70 km da capital do Peru.
O porto de águas profundas, que é visto com muita desconfiança por autoridades dos EUA por possibilitar a atracação dos maiores navios militares chineses, foi celebrado por Xi Jinping como mais uma grande obra da Iniciativa Cinturão e Rota na América do Sul, com potencial para ser o principal porto para as trocas comerciais da região com a China.
No Brasil, a reunião do G-20 atraiu as lideranças das nações mais ricas do mundo
Aproveitando a vinda ao Brasil, Joe Biden esteve em Manaus, para a primeira viagem de um presidente dos EUA, em pleno exercício do cargo, à Amazônia. Biden anunciou uma série de medidas voltadas à proteção da floresta, no contexto do combate às mudanças climáticas.
Poucos dias antes da viagem do presidente Biden ao Brasil, outro evento importante para a América do Sul aconteceu em território americano: a troca de comando do Comando Sul dos EUA. Trata-se do grande comando militar conjunto daquele país responsável pela América do Sul, América Central (exceto México) e Caribe.
O Almirante Alvin Holsey, que assumiu o comando em substituição à General Laura Richardson, manteve a retórica de sua antecessora, afirmando em seu discurso de posse que “a República Popular da China e a Rússia são concorrentes que buscam minar a democracia enquanto ganham poder e influência na região”.
Como se buscasse confirmar as palavras de Holsey, a Venezuela, governada pela ditadura de Nicolás Maduro anunciou, no último dia 7 de novembro, a celebração de 17 acordos de cooperação que abrangem áreas estratégicas como inteligência, contraespionagem, cooperação militar e investimentos energéticos.
Alguns dias depois, os venezuelanos receberam a visita do ministro da Defesa do Irã, o General Aziz Nasirzadeh, que foi à Venezuela para celebrar uma série de acordos e anunciar “um novo capítulo” no aprofundamento da cooperação entre os dois países.
Mas EUA, Rússia e Irã não foram as únicas potências extrarregionais a dedicar sua atenção à porção norte da América do Sul nos últimos dias. Narendra Modi, Primeiro-Ministro da Índia, visitou a Guiana logo após a reunião do G-20. Na primeira visita de um chefe de governo indiano à Guiana nos últimos 56 anos, Modi foi ao país, que tem 40% da população de origem indiana, para fechar acordos na área de energia.
Modi quer ampliar as importações de petróleo da Guiana, país que nos últimos anos vem obtendo as maiores taxas de crescimento econômico do mundo, graças a descoberta de riquíssimas jazidas petrolíferas, justamente na região de Essequibo, área que abrange 2/3 do território do país e é reivindicada pela ditadura venezuelana como sendo sua. Modi aproveitou a viagem para reunir-se com os 15 países do CARICOM, bloco econômico e político que congrega os países do Caribe.
A porção sul do continente, por sua vez, foi visitada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, que aproveitou a vinda ao Brasil para também visitar a Argentina e o Chile. Neste último país, a França assinou um acordo para criar um centro franco-chileno dedicado à inteligência artificial. Mas, o principal objetivo das suas escalas foi defender os interesses protecionistas dos agricultores franceses, que pressionam fortemente o governo no sentido de torpedear o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
O presidente da China, Xi Jinping, após a cúpula do G-20 foi a Brasília. O resultado foi a celebração de 37 acordos entre os dois países, em diversas áreas, como agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura.
Xi não obteve a adesão formal do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, ou Nova Rota da Seda, o que provavelmente o frustrou, mas os dois países elevaram formalmente a relação para um novo patamar, chamado de “Comunidade de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável”.
Esses eventos recentes deixam claro que a competição global, exacerbada na Europa pela guerra na Ucrânia, também se manifesta na América do Sul, região que historicamente desempenha um papel periférico no Sistema Internacional
Para os líderes da região, a questão central é: como responder a esse cenário? Alinhar-se a uma das potências globais ou buscar uma neutralidade cada vez mais difícil de sustentar?
A resposta exige reflexão estratégica, definição de objetivos nacionais claros e uma atuação coordenada. Para o Brasil, maior país da região, é essencial liderar esforços de integração sul-americana, promovendo estratégias conjuntas que fortaleçam as posições regionais nas relações com potências extrarregionais. Qualquer hesitação ou postura passiva apenas abrirá espaço para que as grandes potências manipulem os interesses regionais a seu favor, deixando os países locais à mercê das agendas globais.
O mundo vive um momento de transição hegemônica, marcado por rivalidades crescentes, guerras e conflitos sem precedentes nas últimas décadas. Para os países sul-americanos, é mister posicionar-se de forma estratégica na defesa dos interesses de suas populações.
No entanto, se as lideranças regionais continuarem apáticas ou fragmentadas, a região será tragada por disputas externas e reduzida a uma posição de irrelevância.
Cabe ao Brasil, com sua responsabilidade histórica e geopolítica, liderar esse movimento de união e assegurar que a América do Sul deixe de ser um mero campo de batalha para se tornar protagonista acerca dos acontecimentos que afetam seus próprios interesses e o progresso de seus povos.
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