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Há 30 anos, em 5 de dezembro de 1994, o governo da Ucrânia assinava o Memorando de Budapeste. Pelo acordo, firmado também por Rússia, Estados Unidos e Reino Unido, os ucranianos concordavam em renunciar a seu armamento nuclear, bem como de parte dos meios de lançamento, em troca de garantias de segurança oferecidas pelas três potências nucleares.
As garantias constantes no documento eram claras: os russos, americanos e britânicos se comprometeram a respeitar a independência e a soberania da Ucrânia “nas fronteiras existentes à data da assinatura”, a abster-se de ameaças ou uso da força, bem como de pressões econômicas para influenciar as políticas ucranianas. O documento também previa assistência caso o país fosse vítima de agressão ou ameaças envolvendo armas nucleares.
Trinta anos depois, a história é cruelmente ilustrativa. Desde 2014, com muito mais intensidade a partir de 2022, a Rússia viola sistematicamente os compromissos assumidos. O resultado é devastador: quase 20% do território ucraniano está ocupado, sua infraestrutura e economia foram dizimadas, e a população enfrenta uma enorme tragédia humanitária, com centenas de milhares de mortos, mutilados e vítimas de toda a sorte de atrocidades resultantes da guerra.
Por outro lado, os americanos e britânicos prestaram o apoio com o qual estavam comprometidos pelo memorando. Entretanto, como está provado, a ajuda concedida aos ucranianos foi largamente insuficiente para garantir a soberania e a integridade territorial da Ucrânia.
O caso expõe uma dura verdade: confiar exclusivamente em garantias externas é um risco que nações soberanas não podem correr
Do outro lado do mundo, outro cenário de insegurança se desenrola. Na semana passada, a China realizou a maior concentração de forças no entorno de Taiwan desde a crise do Estreito, em 1996. Mais de uma centena de aeronaves e dezenas de navios de guerra participaram de exercícios que abrangeram não apenas o entorno de Taiwan, mas também os mares do Sul e do Leste da China.
Enquanto os chineses demonstravam poder militar, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou à rede NBC que, embora esperasse que a China não recorresse à força para retomar Taiwan, ele não se sentia obrigado a enviar ajuda militar aos taiwaneses em caso de invasão. A declaração gera incertezas sobre a eficácia do Ato de Relações com Taiwan, expondo a fragilidade das garantias americanas.
Outro evento de impacto geopolítico ocorreu no Oriente Médio, com a fulminante queda do regime de Bashar al-Assad, na Síria. Em apenas onze dias, forças rebeldes conquistaram as principais cidades do país, derrubando uma ditadura brutal de 50 anos.
Diferentemente de outras ofensivas ocorridas durante os quinze anos de guerra civil, quando resistiu com apoio russo, iraniano e do Hezbollah, Assad desta vez viu seus aliados ausentes, ocupados com suas próprias guerras. A queda do regime destaca mais uma vez como a dependência de aliados externos pode ser fatal em momentos de crise.
Esses exemplos, tão distintos em contexto, mas igualmente contemporâneos, ecoam a advertência de Rui Barbosa, escrita em 1895: “Uma nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda.” Na prática, terceirizar a defesa nacional ou acreditar que compromissos formalizados em tratados serão permanentemente respeitados é uma ilusão perigosa.
A teoria das relações internacionais oferece explicações para essa realidade. Kenneth Waltz, em sua obra Theory of International Politics (1979), afirma que o sistema internacional anárquico opera sob o princípio da autoajuda. Nesse contexto, os Estados são os principais responsáveis por sua própria segurança, pois, em última instância, não podem confiar integralmente em terceiros para proteger seus interesses vitais.
Ainda na semana passada, o jornal Financial Times noticiou que países europeus da OTAN estão propondo aumentar o nível mínimo de investimento em defesa de 2% para 3% do PIB.
Esse movimento reflete o reconhecimento europeu de que confiar sua segurança primordialmente nos Estados Unidos é uma estratégia arriscada, especialmente diante de um cenário internacional cada vez mais competitivo e perigoso. Trata-se de recuperar uma capacidade de defesa negligenciada por décadas.
O que todos esses eventos têm em comum é a lição de que a soberania depende, antes de tudo, da capacidade de autodefesa. Um Estado que delega a terceiros a responsabilidade por sua segurança corre o risco de perder aquilo que mais deveria proteger: sua soberania.
Os acontecimentos recentes, como os casos da Ucrânia, de Taiwan e da Síria mostram, são um testemunho do princípio central da autoajuda: no sistema internacional, sobreviver é lutar por si.
Conteúdo editado por: Aline Menezes