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As várias guerras em curso no mundo — da Ucrânia a Mianmar, de Israel ao Sudão, da Síria à República Democrática do Congo — cobram um enorme preço em vidas humanas, ceifadas diariamente. Afetam terrivelmente a vida de milhões de pessoas que, alcançadas pelas hostilidades, são obrigadas a abandonar suas casas e rotinas diárias de trabalho, estudo e convivência social. Isso sem mencionar o enorme custo econômico, cujos efeitos continuarão a impactar a sociedade por muitos anos após o silenciar dos canhões.
Enquanto milhões fogem das bombas na Ucrânia ou enfrentam o cerco em Gaza, a questão ressoa: por que ainda recorremos à guerra como solução? Esta não é uma pergunta nova. Em 1932, Albert Einstein questionou Sigmund Freud, em uma famosa troca de cartas, sobre como livrar a humanidade da ameaça da guerra. Freud respondeu apontando os impulsos destrutivos como uma raiz do problema, sugerindo que "uma inclinação pulsional primitiva e autônoma no homem: a pulsão de agressão" estaria por trás do fenômeno.
A persistência da guerra mesmo no século XXI — uma época em que muitos acreditaram que a humanidade pudesse superar o recurso à violência para resolver suas diferenças — parece dar razão àqueles que a consideram inerente à condição humana.
A resposta de Freud, ao destacar os impulsos destrutivos da natureza humana, encontra eco nas ideias de John Keegan, que sugere que a guerra está enraizada na natureza do homem, antecedendo o próprio surgimento do Estado.
Para o historiador britânico, “a guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano, lugares em que o ego dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a emoção é suprema, onde o instinto é rei".
Se, para Keegan, a guerra é anterior aos Estados, essa visão contraria a postulação do mais influente pensador militar da história, o general prussiano Carl von Clausewitz. Para Clausewitz, a guerra é um instrumento da política, que não faz sentido fora do contexto político.
Ele definiu a guerra como "um ato de força destinado a dobrar o inimigo à nossa vontade", um fenômeno que tende ao absoluto. Para o prussiano, seria o poder político que moderaria os impulsos destrutivos liberados pela guerra, impondo alguma contenção ao caos.
Clausewitz, na verdade, aprofundou de forma brilhante ideias já presentes nos escritos de Maquiavel. O pensador florentino do século XVI aconselhava os governantes a "não terem outro objetivo, nem pensamento, nem tomarem como arte sua coisa alguma que não seja a guerra, sua ordem e disciplina". Para Maquiavel, um Estado só poderia fundar sua segurança em seus próprios exércitos.
No entanto, Martin van Creveld redefiniu o conceito de guerra no contexto moderno, argumentando que os conflitos contemporâneos frequentemente envolvem atores não estatais e ultrapassam os limites das definições tradicionais. Ele enxerga a guerra como uma forma de luta organizada que não depende exclusivamente de Estados.
De fato, as guerras de hoje extrapolam os limites tradicionalmente convencionados.
Elas são travadas em diversas dimensões: além dos espaços tradicionais — terra, mar e ar, para os quais foram criados os exércitos, marinhas e forças aéreas —, há combates sendo travados no espaço cibernético, no espaço sideral, e nos corações e mentes das pessoas. Diversos países, inclusive, já criaram forças específicas para operar nesses ambientes, como os Estados Unidos e a China.
A guerra, em sua essência, revela os dilemas mais profundos da humanidade: o instinto de sobrevivência, a busca por poder, mas também a incapacidade de resolver conflitos sem recorrer à violência
À medida que novos campos de batalha surgem, o impacto da guerra se torna mais complexo e devastador, alcançando tanto as tecnologias mais avançadas quanto os sentimentos mais primordiais do ser humano.
Enquanto as guerras devastam nações e moldam o século XXI, resta uma pergunta essencial: será possível transcender a violência e encontrar na cooperação o caminho para a segurança e a prosperidade? Ou será a guerra, como sugerem tantos pensadores, um reflexo eterno da natureza humana, destinado a persistir enquanto orgulho e instinto reinarem em nossos corações?
Conteúdo editado por: Aline Menezes