Desinvestimentos onde era preciso, incentivo ao mercado sustentável (como o de carbono), modelagem e estruturação de projetos para atração de investimentos privados, resultado maior e avanços em governança: essas são as marcas dos últimos anos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sob comando do engenheiro Gustavo Montezano, que liderou a instituição até o final de 2022. Por outro lado, o futuro do banco pode ser caminhar para trás com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso o BNDES volte com algumas políticas perversas, como incentivar campeões nacionais, concorrer deslealmente com o mercado de capitais e financiar a exportação de serviços para ditaduras com baixo nível de transparência e governança.
No final de 2015, com quase 13 anos de PT no poder, a Basileia (principal indicador internacional de saúde financeira dos bancos) do BNDES era de raquíticos 9,8%. Quanto menor for o índice do banco, mais arriscado ele é: a instituição precisa ter, ao menos, 10,5%. No fim de 2022, a Basileia do BNDES fechou em 28,7%, quase três vezes mais.
Em 2021, o lucro das estatais havia batido recorde de R$ 188 bilhões (três vezes mais que em 2020), maior parte proveniente de cinco empresas, dentre elas, o BNDES.
Outro exemplo de sucesso da gestão passada do BNDES é que o banco bateu recordes nos resultados dos dois primeiros semestres de 2022. No 1º trimestre, foram R$ 12,9 bilhões de lucro líquido: 32% mais que no mesmo período de 2021. Foi o melhor para um trimestre na história do banco. Já no 2º trimestre, o lucro líquido foi de R$ 11,7 bilhões, 120,7% a mais que o mesmo período de 2021. O BNDES também fechou o 3º trimestre com lucro, desta vez, de R$ 9,6 bilhões: 76% mais que no mesmo período do ano anterior. O BNDES teve lucro líquido acumulado nesses três trimestres de R$ 34,2 bilhões em 2022, aumento de 29,5% em comparação com o mesmo período de 2021. Os resultados do 4º trimestre ainda não foram divulgados.
Em 2021, o lucro das estatais havia batido recorde de R$ 188 bilhões (três vezes mais que em 2020), maior parte proveniente de cinco empresas, dentre elas, o BNDES. Naquele ano, o banco foi a segunda estatal mais lucrativa, atrás apenas da Petrobras, lucrando, sozinho, R$ 34 bilhões. Em 2022, o BNDES pagou R$ 12,6 bilhões nos três primeiros trimestres do ano ao Tesouro Nacional, e também pagou R$ 1,8 bilhão em impostos.
Mas o BNDES não beneficiou apenas os cofres públicos. “Não havia mais tempo para tolerar o que os nossos empreendedores enfrentam diariamente. A ferramenta que viabilizou essa ponte foi um fundo garantidor para pequenas e médias empresas, o FGI PEAC. Fruto de uma inovação aberta e coletiva junto ao Ministério da Economia, Congresso Nacional, associações empresariais, setor financeiro, entre outros. O produto, até então pouco expressivo, foi responsável por irrigar R$ 92 bilhões a milhares de pequenas e médias empresas brasileiras. Em vez dos campeões nacionais, focamos em nossos heróis nacionais. Senso de urgência, colaboração, propósito e impacto”, disse, numa carta oficial de janeiro de 2022, o então presidente do BNDES Gustavo Montezano. Essa parte é importante: focar nos heróis nacionais, nossos corajosos empreendedores, em vez de eleger campeões nacionais, grupos com fortes conexões políticas que se beneficiam desses laços para prosperarem, como fez Lula anteriormente.
O Estado brasileiro não precisa ser acionista de empresas com capital aberto. Existem outras prioridades no orçamento público, como educação, saúde e assistência social.
Por exemplo, um fundo formado pelo BNDES e o Sebrae terá aporte de R$ 500 milhões de cada uma das instituições, para crédito às operações com o Microempreendedor Individual (MEI) e as MPMEs (Micro Pequenas e Médias Empresas) contratadas por agentes financeiros credenciados no fundo. Esse montante representará garantias de até R$ 12 bilhões. Por outro lado, o BNDES reduziu sua participação nas maiores empresas nacionais: se desfez de R$ 88,5 bilhões de gigantes como a Vale (R$ 28,6 bilhões) e a Petrobras (R$ 27,3 bilhões). O Estado brasileiro não precisa ser acionista de empresas com capital aberto. Existem outras prioridades no orçamento público, como educação, saúde e assistência social.
Além de melhorar a vida dos empreendedores reais, o BNDES também tomou os princípios ESG — sigla em inglês para Environmental (Ambiente), Social (Social) e Governance (Governança Corporativa), ou ASG em português — como prioridade. Em 2021, durante a COP26 (26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), o BNDES lançou o programa Floresta Viva, iniciativa de financiamento coletivo para restaurar as florestas e bacias hidrográficas brasileiras, com até R$ 500 milhões de investimentos nos próximos 7 anos. “Um verdadeiro laboratório para desenvolvimento dos parâmetros do mercado de carbono de reflorestamento brasileiro”, explicou Montezano sobre o projeto.
Além disso, o banco também desenvolveu o projeto Resgatando a História, para apoiar projetos de recuperação de patrimônio histórico: foram R$ 618 milhões para 43 projetos de restauração (R$ 384 milhões do BNDES e o restante de doações de terceiros). O BNDES também criou o programa Salvando Vidas para apoiar a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais na linha de frente à Covid-19 e até mesmo na implantação de usinas de oxigênio. O programa é um dos maiores matchfundings do país. Um matchfunding é um modelo de financiamento coletivo, um crowdfunding em que ocorre a participação de uma empresa ou instituição. O Salvando Vidas arrecadou R$ 140,7 milhões.
Em apenas 3 anos (de 2019 a 2022), o BNDES mobilizou R$ 1,35 bilhão em doações para ações socioambientais. Como o banco turbinava as doações de terceiros, o valor global investido em ações com impacto socioambiental relevante chegou a R$ 2,45 bilhões nesse período. E em parceria com a organização social apartidária Movimento Bem Maior (MBM), o BNDES anunciou, em novembro de 2022, a destinação de R$ 53,1 milhões para seis projetos propostos por organizações sociais: cinco de apoio à educação básica da rede pública e um de promoção de empreendedorismo para a população de baixa renda.
Mas, sem dúvida, o maior legado do BNDES nos últimos anos foi sua participação nos processos de desestatização ocorridos no Brasil, com destaque para mobilidade urbana, saneamento, meio ambiente, iluminação pública e até aeroportos. Foram 40 leilões que mobilizaram mais de R$ 270 bilhões em capital. Outros R$ 200 bilhões em projetos em andamento foram deixados para a equipe de Mercadante assumir. Com isso, o BNDES desconstruiu aquela velha falácia de que falta capital privado de longo prazo no Brasil. Não é verdade. O que faltam são projetos bem estruturados e modelados que garantam a segurança jurídica e a taxa de retorno necessários para atrair capital privado do Brasil e do exterior. Vários fundos de pensão e fundos soberanos internacionais decidiram investir em projetos de infraestrutura no Brasil em razão das boas modelagens estruturadas pelo BNDES.
Enquanto o mercado avalia o risco de retrocessos no BNDES com Lula, o próprio presidente já se comprometeu com eles.
Ocorre que, se nos últimos anos o BNDES avançou, a preocupação do mercado em relação a ele são justamente os retrocessos que Lula pode trazer. As marcas do BNDES do passado, sob Lula e Dilma Rousseff, vão desde a fracassada política dos campeões nacionais aos “investimentos” desnecessários, incluindo em países de ditaduras esquerdistas, com zero transparência e sem qualquer governança. Outro ponto de preocupação é se o banco fará uma concorrência desleal ao mercado de capitais, oferecendo juros subsidiados, pagos por todos os cidadãos, sem grandes contrapartidas de governança e transparência, como exige a bolsa de valores. “A dúvida é se o Lula III voltará a usar o banco de desenvolvimento para jogar dinheiro de helicóptero sobre a Fiesp, dando crédito subsidiado a quem precisa e a quem não precisa — e impactando ainda mais um quadro fiscal já lastimável”, escreveram, no Brazil Journal, Geraldo Samor e Pedro Arbex.
Enquanto o mercado avalia o risco de retrocessos no BNDES com Lula, o próprio presidente já se comprometeu com eles: ao anunciar o ex-ministro e ex-parlamentar petista Aloizio Mercadante para comandar o banco, Lula prometeu que “vai acabar a privatização no país”.
Como já mencionado no meu texto “Brasil precisa superar desvios que faziam do BNDES um Robin Hood às avessas”, o BNDES foi usado nas gestões petistas para capturar apoio da iniciativa privada e favorecer os amigos do rei. Por exemplo, graças à política dos campeões nacionais, o grupo J&F — dos famosos “irmãos Batista” da Operação Lava Jato —, recebeu R$ 17,6 bilhões entre 2003 e 2017 do BNDES. Só não recebeu mais dinheiro do que a Petrobras, Embraer, Odebrecht e Oi, conforme informações do próprio BNDES. O dinheiro do BNDES também foi torrado com os amigos do PT no exterior. Cerca de R$ 11 bilhões em Cuba e na Venezuela, que deram sucessivos calotes e ainda devem R$ 3,3 bilhões de reais ao BNDES.
Mercadante prometeu que o BNDES será “digital, verde e inclusivo”, sem repetir os erros do passado. O banco já está mais digital e verde do que nunca, o governo novo tem a faca e o queijo na mão: bastaria seguir com os avanços da gestão anterior, o que os petistas já sinalizaram que não farão. Adicionalmente, o Fundo Amazônia, sob gestão do BNDES, será reativado com R$ 3,3 bilhões não reembolsáveis doados pela Suécia e a Alemanha: dinheiro que esperamos que seja bem investido em projetos relevantes e eficientes no combate ao desmatamento, e não em ações duvidosas. É uma grande responsabilidade.
Após tantos avanços, o BNDES não pode voltar à pequenez de ser peça no jogo de xadrez de políticos corruptos ou de empresários que querem recursos fáceis, sem contrapartidas e sem transparência. O foco do presidente Lula deveria ser o de utilizar o BNDES nos processos de estruturação e modelagem de desestatizações, nos projetos ESG e incentivar os empreendedores que mais precisam. A função de um banco de desenvolvimento deve ser fomentar e melhorar o desenvolvimento econômico, de forma sustentável e sem prejudicar o bom funcionamento da economia de mercado por meio do favorecimento de poucos privilegiados que são amigos e doadores dos políticos.
STF e governistas intensificam ataques para desgastar Tarcísio como rival de Lula em 2026
Governo e estatais patrocinam evento que ataca agronegócio como “modelo da morte”
Pacote fiscal pífio leva Copom a adotar o torniquete monetário
Por que o grupo de advogados de esquerda Prerrogativas fez festa para adular Janja
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS