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No Atlas da Impunidade de 2023, o Brasil se destaca na posição 70. São 163 países no ranking; quanto mais perto das primeiras posições, mais a impunidade impera no país. Isso significa que o Brasil está entre os países com mais alto nível de impunidade. Mas será que isso é surpreendente? Para início de conversa, temos na Presidência da República um homem e um partido que estiveram envolvidos nos dois maiores escândalos de corrupção da era democrática do Brasil: o Mensalão e o Petrolão, sendo que o último é considerado o segundo maior escândalo de corrupção do planeta.
Na outra ponta do ranking, a dos países menos impunes, a Finlândia ocupa a posição 163 (a última) com 0,29 ponto, e se consolida como o país menos impune do mundo. Em primeiro lugar, como o país mais impune, está o Afeganistão, com 4,25 pontos. “Os países são pontuados em uma escala de 0 a 5, com os países que exibem o maior nível de impunidade chegando perto de 5, e os países com o menor nível de impunidade chegando perto de 0”, escreve o EurasiaGroup, responsável pelo ranking. O Brasil pontuou 2,56 pontos, mais da metade da pontuação dos países mais impunes do mundo.
Enquanto as autoridades “trabalharem” orientadas para si mesmas, ou seja, para seus próprios interesses, o Brasil seguirá sendo o país da impunidade.
Além do ranking geral de impunidade, o atlas também mede os níveis de governança irresponsável, abuso dos direitos humanos, exploração econômica, conflito e violência, bem como a degradação ambiental – “em seguida, cada país recebe uma pontuação geral de impunidade com base na média de suas pontuações nas cinco dimensões”. O índice credita nossa pontuação ruim especialmente ao nível de violência dentro do país, e contra os próprios cidadãos. Em termos de violência, estamos entre os 10 piores países do ranking.
Outros destaques negativos para o Brasil são a corrupção sistêmica e os crimes de colarinho branco que “são frequentes, enquanto a desigualdade aguda continua a impedir melhorias em outros lugares”. Ou seja, o Brasil se consagra como um país de impunidade, de violência e de corrupção. Alguns destaques da nossa história recente confirmam isso.
Seria bom que o governo supostamente democrata, transparente e que respeita o cidadão não ficasse apenas nas promessas de campanha eleitoral.
Um exemplo é a falta da prisão após a condenação em segunda instância, uma das maiores, se não a maior, carta branca para a impunidade no Brasil. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) acabar com a prisão após condenação em segunda instância em 2019, políticos e empresários que cumpriam pena por corrupção foram soltos. Um deles foi justamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve, após condenações em 3 instâncias, sua condenação anulada por questões formais.
“O STF também passou a anular condenações de pessoas delatadas que não tiveram a palavra final no momento da defesa, apresentando as alegações finais no mesmo período que seus delatores. Além disso, passou a anular várias condenações ao entender que determinadas varas não tinham competência nos processos – foi o que, em 2021, levou a Corte a anular as condenações de Lula em dois casos da Lava Jato”, explica o repórter Renan Ramalho na Gazeta do Povo. Hoje, no Brasil, a pena de prisão só pode ser aplicada após o trânsito em julgado: depois que forem esgotadas todas as possibilidades de recurso na Justiça brasileira, que não são poucas.
Além disso, mesmo quando presos, os criminosos não ficam muito tempo na cadeia cumprindo suas penas, e logo voltam à vida em sociedade para cometer novos crimes. Isso serve tanto para corruptos, como as pessoas envolvidas no Mensalão e no Petrolão, como no caso de crimes que atentam diretamente contra a vida.
Tanto por falhas no sistema de Justiça como pela própria legislação que concede benefícios a criminosos, o Brasil é o paraíso das pessoas que cometem crimes e roubam a população. O país enfrenta atrasos no julgamento de processos e na aplicação das penas, e, assim, prescrevem crimes, ou seja, seus autores não podem mais ser julgados e punidos. A corrupção e a impunidade no sistema Judiciário brasileiro também levam à soltura de criminosos que possuem dinheiro para pagar por advogados bem relacionados e capazes de influenciar o processo judicial. A legislação brasileira prevê uma série de benefícios para presos, como a progressão de regime, a prisão domiciliar e a liberdade condicional. Além dos criminosos famosos que orquestraram esquemas de corrupção, isso também significa a soltura de gente ainda mais perigosa, como assassinos, pedófilos e membros do crime organizado.
Precisamos cobrar justiça real do Poder Judiciário e governança transparente e honesta do Poder Executivo.
A corrupção é outro problema grave no sistema Judiciário brasileiro, com denúncias frequentes de venda de sentenças, tráfico de influência e outros crimes. Além disso, a Justiça no Brasil é muito desigual: ela é mais efetiva para os mais ricos, poderosos e bem conectados, enquanto pessoas de baixa renda ou grupos minoritários podem enfrentar dificuldades para acessar a Justiça ou ter seus direitos garantidos. De igual modo, os poderosos também são os que ficam mais impunes perante a lei, como, por exemplo, todos os “descondenados” da Lava Jato.
No Índice de Percepção da Corrupção de 2022 da Transparência Internacional, que avalia a corrupção no setor público de 180 países, o Brasil está na 94ª colocação. Quanto mais longe do primeiro lugar, menos transparente e mais corrupto o país é considerado. Ou seja, o Brasil está mais próximo dos países mais corruptos do mundo do que dos mais transparentes. “Os 38 pontos alcançados pelo país em 2022 representam um desempenho ruim e o coloca abaixo da média global (43 pontos), da média regional para América Latina e Caribe (43 pontos), da média dos BRICS (39 pontos) e ainda mais distante da média dos países do G20 (53 pontos) e da OCDE (66 pontos)”.
A corrupção é outro problema grave no sistema Judiciário brasileiro, com denúncias frequentes de venda de sentenças, tráfico de influência e outros crimes.
As ações do governo Lula III não estão ajudando a mudar esse cenário, muito pelo contrário. Ao reassumir o poder, um dos primeiros passos de Lula foi golpear a Lei das Estatais para que seus aliados políticos assumissem o comando de empresas de controle do governo federal, como Aloizio Mercadante no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), burlando a quarentena que os políticos deveriam cumprir para diminuir o risco político de assumirem estatais — e, para a sorte de Lula, o golpe final na Lei das Estatais veio do STF.
No Brasil, o desrespeito ao direito fundamental à propriedade tem crescido mais e mais com as invasões de terras produtivas atuais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sem nenhuma punição do grupo, sendo que os mesmos já prometeram mais invasões. Assim, o que os brasileiros podem esperar até 2026 são mais invasões, menos respeito ao direito de propriedade e mais impunidade. Não há registro de nenhuma democracia plena no mundo que não tenha o direito de propriedade respeitado. Assim, respeitar a propriedade privada é uma forma de defesa da democracia.
O Brasil, como ficou claro, acumula posições ruins em rankings que medem corrupção, impunidade e falta de transparência. Seria bom que o governo supostamente democrata, transparente e que respeita o cidadão não ficasse apenas nas promessas de campanha eleitoral, e, efetivamente, começasse a agir para defender esses valores tão caros. Enquanto as autoridades “trabalharem” orientadas para si mesmas, ou seja, para seus próprios interesses, o Brasil seguirá sendo o país da impunidade. Precisamos cobrar justiça real do Poder Judiciário e governança transparente e honesta do Poder Executivo. Será que um dia nossa Justiça deixará de ser falha?