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A arrecadação federal de 2022 chegou a R$ 235,3 bilhões em janeiro deste ano, 18,3% a mais que em janeiro de 2021. Pode parecer uma boa notícia e o Estado celebra o montante arrecadado, mas tem um problema: cada real a mais na conta do Estado significa um real a menos no bolso do cidadão. Mas como o Estado conseguiu arrecadar mais? Ele foi mais eficiente? Via de regra, não.
À primeira vista, parece que o Estado está sendo mais eficiente arrecadando mais, só que, na verdade, o Estado brasileiro, há muito tempo, em todas as suas esferas, usa uma técnica muito simples, mas muito injusta. De um lado, ele reajusta tudo aquilo que é devido pelo cidadão: todos tributos, como impostos, taxas e contribuições. Por outro lado, ele não reajusta todos os valores que servem de referência ou alçada para o cidadão não ser taxado mais.
Um exemplo claro é a tabela do Imposto de Renda. Com a inflação na casa dos 10% em 2021, a defasagem acumulada da tabela do Imposto de Renda de pessoas físicas chega a 134,52%, como informou o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional). Ou seja, cada vez mais brasileiros, que deveriam estar na faixa de isenção do Imposto de Renda, são obrigados a pagar imposto.
E não para por aí. O MEI – Microempreendedor Individual, figura jurídica criada no Brasil para regularizar a pessoa que trabalha por conta própria, também está com seus valores defasados. Quando foi criado, em 2008, o MEI tinha o faturamento máximo anual de R$ 36 mil. Corrigido pela taxa Selic – mesmo indicador usado para corrigir valores devidos pelos cidadãos –, hoje, o teto seria de R$ 110 mil. Mas a legislação atual fixa o teto em R$ 81 mil. O Senado Federal aprovou, há seis meses, um PLP (Projeto de Lei Complementar) para reajustar o valor para R$ 130 mil, entretanto, o projeto precisa ser aprovado pela Câmara de Deputados para passar a valer.
Outro exemplo na mesma linha são os limites anuais para as micro e pequenas empresas se qualificarem no Simples Nacional – Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, que tem a proposta de reduzir o peso dos impostos sobre os pequenos negócios. A ideia é boa e simplifica a vida dos empreendedores, mas o Simples Nacional está defasado.
Quando entrou em vigor em 1997, o Simples Nacional tinha o limite de faturamento de até R$ 240 mil por ano para ME (Microempresa) e R$ 2,4 milhões para EPP (Empresa de Pequeno Porte). Hoje, os limites são de R$ 360 mil para ME, aumento de 50%, e R$ 4,8 milhões para EPP, aumento de 100%. No caso do MEI, o aumento foi de 125%. Por outro lado, desde 1997, a inflação acumulada foi de 351%.
Assim, aos poucos, o leão vai abocanhando cada vez mais recursos, principalmente das pessoas mais humildes e com menos instrução. Não é à toa que o Estado brasileiro é considerado o maior promotor de desigualdades sociais. Um verdadeiro craque em encontrar formas sofisticadas de tirar dos pobres para dar aos ricos e privilegiados em forma de salários e penduricalhos. Prova disso é que o alto escalão do funcionalismo exige reajuste – e provavelmente conseguirá, sem antes resolver essas distorções que prejudicam todos os cidadãos brasileiros. O governo do estado de São Paulo, por exemplo, já sucumbiu à pressão dos sindicatos e dará um reajuste geral de 10% para o funcionalismo.
Na verdade, quem mais precisa de reajuste é o povo brasileiro. O real se desvalorizou e a inflação subiu, mas o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, do limite dos MEIs, das faixas do Simples Nacional e de tantos outros programas e contrapartidas sociais, nos três níveis de governo, seguem sem reajuste integral. Os governos, no Brasil, deveriam priorizar quem é onerado pelo Estado, não aqueles que são privilegiados por ele.