No último dia 14, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu à Justiça Federal que mais 42 pessoas fossem condenadas a ressarcir os cofres públicos da União pela depredação nos prédios dos Três Poderes, em Brasília, ocorridos no dia 8 de janeiro deste ano. Apesar das aparentes injustiças com os presos de 8 de janeiro (pela falta de individualização da culpa e possível apreensão de inocentes, que não participaram do quebra-quebra), é uma iniciativa louvável: quem realmente quebrou o patrimônio público deve ressarcir os cofres públicos pelos danos, ou essa conta será paga apenas pelos pagadores de impostos.
Mas condenações e ressarcimentos devem recair sobre todo aquele que cometer qualquer depredação ou invasão de propriedade, seja ela pública ou privada. Desde o começo do ano, notícias sobre invasões cometidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) têm sido mais e mais frequentes, no entanto, não há nenhuma notícia sobre a eventual punição desses criminosos. Por que o tratamento com o MST é diferente? Em uma democracia, podemos ter dois pesos e duas medidas ou todos deveriam ser tratados igualmente perante a lei?
Não teremos um país próspero e justo enquanto as invasões de terras continuarem comuns e impunes: que a falta de personalidade jurídica não sirva mais de desculpa.
É verdade que precisamos considerar as proporções. Se o Estado nada fizesse contra quem ataca os Poderes da República, passaria a mensagem de que o patrimônio da nação pode ser desrespeitado. Porém, o tratamento com quem destrói ou invade propriedades privadas não deve ser de inércia. O direito à propriedade é fundamental, e um dos motivos para o estado existir é justamente defendê-lo. Todos os índices internacionais demonstram que não existe democracia plena sem respeito ao direito de propriedade. Ora, se queremos fortalecer nossa democracia e suas instituições, o direito de propriedade deve ser protegido. Infelizmente, no entanto, o Estado brasileiro tem fracassado diariamente na proteção desse direito e, assim, passado a mensagem de que as propriedades dos cidadãos podem ser desrespeitadas, fragilizando nossa democracia e o próprio Estado de Direito.
Em um dos textos sobre os 25 anos do MST, em 2009, a Folha de S. Paulo destacou que “sem o registro jurídico, movimento não é afetado legalmente por denúncias, processos ou cobranças judiciais”. O MST não tem personalidade jurídica, um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Naquela época, havia uma tentativa de tornar o movimento ilegal por não ter personalidade jurídica e, consequentemente, não responder por seus crimes. O Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul tentou dissolver a organização: em 2007, aprovou o relatório do promotor Gilberto Thums que propôs ação civil para declarar o MST ilegal. “Como não tem CNPJ, não deu para extingui-lo”, disse o promotor à Folha de S.Paulo.
Não existe democracia plena sem propriedade privada. O ataque ao direito de propriedade é um ataque à democracia.
Após 16 anos, parece que a Justiça segue de mãos atadas em relação ao MST. Mas a desculpa que sempre foi usada para não punir membros do MST não é válida, como os atos de 8 de janeiro provam. Nenhuma pessoa que participou da invasão dos Três Poderes deixou de ser punida por fazer parte de um grupo sem CNPJ. A jurisprudência de que não precisa ter personalidade jurídica para punir invasores e depredadores deve ser usada para punir invasões de terras e de prédios. Aparentemente, a questão é muito mais sobre a falta de vontade dos poderosos de fazer valer a lei do que por falta de condições jurídicas, já que todos os invasores devem ter CPF (Cadastro Nacional de Pessoa Física) e RG (Registro Geral) e, portanto, são aptos a responderem como pessoas físicas.
E, por falar em pessoas poderosas e sua relação com o MST, é triste constatar que esse movimento possui não só o apoio de parlamentares da esquerda radical, mas também de integrantes do governo federal e até mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF). Antes de ser eleito, em setembro de 2022, Lula prometeu até mesmo um ministério para o MST: a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, hoje liderado pelo deputado federal eleito Paulo Teixeira (PT-SP). “Nós vamos ter que criar aquelas coisas que custam muito barato e funcionam muito, porque tratam da especificidade”, disse Lula em evento no Armazém do Campo, em São Paulo, onde funciona um galpão com várias lojas do MST.
Já o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, participou de um evento do MST em fevereiro e inclusive demonstrou ter a mesma visão de mundo da organização: “A democracia está em crise, todos dizem isso. Mas o que está em crise, na verdade é a democracia representativa, liberal burguesa, a democracia dos partidos, na qual, tenho certeza, que nenhum de nós se sente representado adequadamente”, discursou ele. O ministro também mostrou apoio à atuação do MST: “Cada qual aqui tem sua trincheira e estão lutando em prol da concretização do que acreditamos ser a democracia”.
O mais engraçado é que o PT governou o Brasil por 14 anos e não conseguiu resolver a questão fundiária. O terceiro mandato de Lula tem dois ministérios que poderiam ajudar a resolver as invasões do MST: o do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Agricultura e Pecuária. Este último é comandado por Carlos Fávaro, que se declarou defensor do MST dois dias antes das invasões de terras produtivas pelo MST nas fazendas da empresa Suzano Papel e Celulose na Bahia, no fim de fevereiro.
Ele participou da Festa da Colheita de Soja Livre de Transgênico, no acampamento Fidel Castro, em Centenário do Sul, no Paraná, e disse que o MST tem nele um grande aliado para acabar com o preconceito em relação a um "movimento legítimo de sonho pela terra", noticiou a Folha. Já o ministro Paulo Teixeira, após as invasões de terras da Suzano na Bahia, disse que iria sugerir ao MST que negociasse em relação aos terrenos da Suzano. Parece uma piada de sitcom que um ministro do governo federal sugira que criminosos negociem com a vítima, mas essa é a realidade, ou surrealidade, do governo Lula.
A questão é muito mais sobre a falta de vontade dos poderosos de fazer valer a lei do que por falta de condições jurídicas.
Depois das invasões na Bahia, o ministro Fávaro chegou a chamar os invasores das terras de “desordeiros”, mas o estrago já estava feito. "Quero deixar a principal mensagem de hoje, que vem avalizada pelo presidente Lula. Nós vamos cuidar da reforma agrária, junto com o ministro Paulo Teixeira, junto com todos os ministérios do presidente Lula", disse ainda ele. Cabe um parêntesis aqui. Aparentemente, o desejo atual do MST não é pela reforma agrária — se é que já foi algum dia.
Em agosto de 2022, o MST combateu, ativamente, a reforma agrária, ao impedir a entrega de títulos de propriedade a famílias do estado do Pará. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] informa que, nesta quinta-feira (18/8), foi impedido por representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) de entregar Títulos de Domínio para famílias do assentamento Palmares, situado no município de Parauapebas, no estado do Pará. Representantes caracterizados do movimento manifestaram-se causando tumulto e impedindo o direito legal dos beneficiários do assentamento de receber o documento definitivo do lote explorado por cada família. Em virtude do fato lamentável, o Incra suspendeu a entrega dos títulos para as famílias, que já poderiam ter sido tituladas desde 2006 e somente agora estão conquistando os seus documentos definitivos”, afirmou em nota a equipe do Incra do governo Bolsonaro.
Muitos votaram em Lula iludidos com um governo de frente ampla, mas a realidade é de um governo cada dia mais inclinado à extrema-esquerda
Curiosamente, o governo Bolsonaro teve mais êxito na reforma agrária que os governos de Lula e Dilma Rousseff juntos. Em 4 anos, fez mais do que o PT em 14 anos de poder. Como já mencionado num texto anterior nesta coluna, nos dois mandatos anteriores de Lula foram expedidos apenas 98 mil títulos de propriedade rural para famílias assentadas, e nos mandatos de Dilma cerca de 125 mil. Em seu único mandato, Bolsonaro emitiu mais de 400 mil títulos de propriedade. O título de propriedade alforria os trabalhadores do campo, que ficam livres para escolherem o seu futuro, sem depender de nenhum grupo, movimento ou partido político. Talvez por isso o MST se empenhe em dificultar a reforma agrária. Afinal, a quem interessa ter agricultores livres, independentes e que não poderão mais ser usados como massa de manobra?
E nos 2 mandatos anteriores de Lula, ocorreram 1.968 invasões de terras, uma média de 246 por ano. Com Dilma, foram 969, com média de 162 por ano. Com o presidente Michel Temer, foram 54 invasões, uma média anual de 27. Com Bolsonaro, a média anual de invasões caiu para 5, foram registradas 15 invasões conforme os últimos dados divulgados. No novo mandato do Lula, pelo visto, o PT e a esquerda radical querem bater um novo recorde, maligno, de invasões de terras, sem qualquer punição para os envolvidos e, para agravar, com o uso de recursos públicos que são transferidos ao movimento por meio de "compra" de alimentos e de apoio técnico.
O discurso do governo Lula não encoraja apenas os invasores do MST, mas invasores no geral. O ex-MST José Rainha, líder da Frente Nacional de Lutas, foi preso este mês suspeito de extorquir fazendeiros no interior do estado de São Paulo. Ele e mais dois companheiros estariam liderando uma quadrilha que teria cobrado até R$ 2 milhões para fazer a devolução de fazendas invadidas. É um absurdo sem tamanho.
Muitos votaram em Lula iludidos com um governo de frente ampla, mas a realidade é de um governo cada dia mais inclinado à extrema-esquerda, com a volta das invasões de terras e do desrespeito à propriedade. Mas o Brasil deveria fazer valer a lei sobre os invasores de propriedade, sejam eles destruidores do patrimônio público ou privado. Os cidadãos merecem a segurança de que o Judiciário, o Executivo e o Legislativo estão ao lado da lei e da ordem, e não ao lado dos agressores de direitos fundamentais. Não existe democracia plena sem propriedade privada. O ataque ao direito de propriedade é um ataque à democracia. Não teremos um país próspero e justo enquanto as invasões de terras continuarem comuns e impunes: que a falta de personalidade jurídica não sirva mais de desculpa para impunidade.
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