Você deve ter visto que esposas de ministros do governo Lula ganharam cargos nos tribunais de contas com salários a partir de R$ 35,4 mil. São cargos vitalícios, com estabilidade até os 75 anos — ou seja, até elas se aposentarem. Um emprego dos sonhos, regalia para uma seleta lista de pouquíssimos privilegiados, que vivem num Brasil bem diferente daquele em que habitam os pagadores de impostos. Deveríamos aceitar isso? Alguns até fizeram malabarismo jurídico para negar o óbvio nepotismo do caso, mas a sociedade viu e sentiu o abuso. Alguns até podem alegar que não seria nepotismo quando se trata de tribunais de contas estaduais, em vez do próprio governo federal, certo? Errado! Na verdade, é nepotismo, sim. Neste caso, é o nepotismo cruzado, figura muito comum no Brasil.
A definição simples de nepotismo é quando há o favorecimento de parentes na ocupação de um cargo público em vez da seleção das pessoas mais qualificadas para a função. Já o nepotismo cruzado ocorre quando um agente público emprega o familiar de outro, em uma troca de favores. A imoralidade segue, mas fica mais difícil da justiça detectar e punir os envolvidos. A legislação brasileira, para variar, pode ser interpretada para, mesmo sendo eticamente incorreto, justificar a manutenção das esposas nos cargos. O Brasil é o país dos malabarismos jurídicos.
A máquina pública deve servir aos brasileiros, e não ser cabide de emprego para aliados e parentes de políticos poderosos.
O nepotismo cruzado pode ser flagrado em diferentes poderes e em todas esferas de poder, em vários órgãos. É o que ocorre no caso das esposas dos ministros de Lula nos tribunais de contas. Em janeiro deste ano, a esposa do ministro do Desenvolvimento Social e ex-governador do Piauí (que governou até março de 2022), foi escolhida pela Assembleia Legislativa do estado para ser conselheira no Tribunal de Contas do Piauí. Um mês antes — e dois meses após Luiz Inácio Lula da Silva ser eleito presidente —, a esposa do ministro dos Transportes foi eleita pela Assembleia Legislativa de Alagoas para o Tribunal de Contas de Alagoas. Seu marido governou o estado até abril de 2022.
Já a esposa do ministro do Desenvolvimento Regional foi a única escolhida para um tribunal de contas antes de Lula ser eleito, mas o caso dela ainda é de nepotismo cruzado: seu marido ainda era governador do Amapá quando ela foi eleita para ser conselheira do Tribunal de Contas do Amapá, em fevereiro de 2022. Como se não fosse escândalo suficiente, uma quarta esposa de ministro de Lula pode se tornar conselheira de um tribunal de contas: a mulher do ministro da Casa Civil é a favorita para ser conselheira do Tribunal de Contas na Bahia. É o trem da alegria dos políticos privilegiados e suas famílias!
Nada mais absurdo do que usar cargos do poder público para obter um favor de outro servidor público em benefício próprio e de seus familiares.
Há ainda outro detalhe importante sobre ela: para agravar, essa cidadã omitiu da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) que continuou servidora da Secretaria Estadual de Saúde mesmo após seu marido assumir o cargo de governador do estado. “Caso ela de fato assuma, será o quarto ministro do governo Lula a ter sua esposa como conselheira de um tribunal de contas. É o nepotismo claro num cargo cuja função deveria ser fiscalizar o gasto público. Mas tudo bem, afinal, o amor venceu, né?”, ironizou nas redes sociais o empresário e ex-deputado estadual de Santa Catarina Bruno Souza.
E os casos de nepotismo nos tribunais de contas não se limitam aos ministros de Lula. Como já mencionado, o nepotismo é uma prática comum no Brasil há muito tempo. Mais um caso recente prova a tradição dessa prática: a esposa do governador do Pará foi indicada para ser conselheira do Tribunal de Contas do Pará, também com salário inicial de R$ 35 mil e estabilidade até os 75 anos. Jornalistas do Pará denunciaram que ela foi indicada pelo número surpreendente de 11 partidos para o cargo.
No início desta semana, o jornal O Globo também trouxe uma denúncia assustadora: entre os 232 conselheiros dos tribunais de contas, 30% são parentes de políticos. Muitos foram nomeados pelos próprios irmãos ou cônjuges. 80% chegou aos tribunais por indicação de aliados após construir carreira em cargos públicos. 32% são condenados na Justiça ou alvos de investigações.
Mas, voltando ao governo Lula… se o nepotismo cruzado envolvendo ministros do presidente brasileiro já é absurdo, é pior ainda se considerarmos as funções dos tribunais de conta: eles auxiliam o Legislativo na fiscalização do Executivo. Em que cenário seria razoável que esposas de ministros do maior chefe do Executivo do país auxiliassem na fiscalização do Poder Executivo em nível estadual? Mas é pior ainda: nesse caso, são ex-primeiras damas dos próprios estados, com todos os conflitos de interesses possíveis.
Apesar do nepotismo cruzado ser uma prática muito comum no Brasil, ele deveria ser tratado pelo que realmente é: corrupção.
“Os tribunais de contas podem, inclusive, deixar políticos inelegíveis, caso as contas de seu governo sejam rejeitadas”, explica Mariana Schreiber na BBC News Brasil. Na prática, as esposas dos ministros podem favorecer aliados políticos de seus maridos e do presidente, assim como podem prejudicar os governantes quando estes forem seus antagonistas políticos. Parecem mais os tribunais do "faz de conta".
“Uma das razões por que defendo, há anos, que a indicação de ministros do STF, STJ e tribunais de contas não pode ser política é exatamente acabar com absurdos nepotistas, como esses. Por que será que Lula é contra a independência do Banco Central e a favor de um Estado grande?”, comentou sobre o assunto o economista Ricardo Amorim, o mais influente do país, em uma publicação na internet.
O Brasil, infelizmente, segue muito atrasado em termos de regras sobre conflitos de interesses e nepotismo cruzado. A sociedade assiste chocada esse ataque brutal à independência e à moralidade das instituições públicas. Isso é um verdadeiro golpe na credibilidade das instituições que deveriam ser democráticas, mas parecem mais capturadas por interesses de particulares e seus familiares, como se fossem capitanias hereditárias. Como sociedade e país, precisamos avançar muito. O mais assustador é assistir a passividade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do próprio Ministério Público, que deveriam fiscalizar o cumprimento da Constituição Federal e da lei.
Este é mais um caso de sobreposição de absurdos e de ataque aos princípios da moralidade e da impessoalidade na administração pública. Apesar do nepotismo cruzado ser uma prática muito comum no Brasil, ele deveria ser tratado não apenas como um tema polêmico, mas pelo que realmente é: corrupção. E tem de ser punido como crime! Nada mais absurdo do que usar cargos do poder público para obter um favor de outro servidor público em benefício próprio e de seus familiares. A máquina pública deve servir aos brasileiros, e não ser cabide de emprego para aliados e parentes de políticos poderosos. Chega dessa inversão de valores! Precisamos preservar nossas instituições.
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