O Brasil gasta 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB) só com os salários dos servidores públicos, sem contar inúmeros penduricalhos que não são classificados como remuneração. O Reino Unido gasta 7,3%, mas é o sexto país mais rico do mundo. A Alemanha gasta 5,9% do PIB, mas é o quarto país mais rico. Enquanto um juiz ganha, em média, R$ 55,6 mil, o brasileiro entre os 50% que ganham menos recebe apenas R$ 537 mensais.
O brasileiro médio também tem uma renda muito menor: de apenas R$ 1.625,00, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou, ao menos, não boa o suficiente para bancar os privilégios do funcionalismo público. As distorções são tantas que o salário médio do juiz brasileiro está acima do permitido: o teto do funcionalismo público é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 41,6 mil.
Os únicos que perdem com a reforma administrativa são os privilégios, que deverão, finalmente, acabar no Brasil.
Mas os R$ 55 mil são só a média. Há magistrados ganhando muito mais por aí. Os chamados “penduricalhos”, como os auxílios e outros extras que são classificados como indenização, renderam pagamentos mensais de até R$ 1,5 milhão a magistrados em 2022, de acordo com um levantamento do portal Uol.
Eles não são os únicos a ganharem acima do que deveriam no setor público. Há outras distorções, embora menos graves, inclusive dentro da lei. Segundo o Banco Mundial, um servidor estadual, na mesma função que um trabalhador do setor privado, ganha 36% a mais. Em nível federal, a diferença chega a 96%. Considerando que o setor público possui a famosa "estabilidade", é difícil justificar um prêmio salarial tão elevado pela dedicação ao setor público. O pior é que distorções como essas não refletem melhoria nos serviços públicos. No Brasil, o setor público, em vez de servir à população com excelência, tem sido uma máquina de desigualdade social e privilégios.
“Além de termos uma máquina pública cara, os incentivos no serviço público são ruins, impactando negativamente a produtividade de todo funcionalismo”, diz a nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP) sobre a reforma administrativa. De fato, os incentivos ao funcionalismo não são a favor da produtividade, nem da qualidade dos serviços. A avaliação de desempenho dos servidores públicos, e o consequente desligamento por baixa produtividade, está prevista na Constituição desde 1998, mas, até hoje, ela não foi regulamentada e implementada.
Uma reforma administrativa ampla, geral e efetiva vai criar um clima organizacional muito melhor para os bons servidores, que são a ampla maioria.
O Brasil precisa de uma reforma administrativa para, entre outros pontos, fazer valer a avaliação de desempenho. Com essa régua, servidores com duas avaliações insatisfatórias seguidas ou três intercaladas seriam afastados. Por que isso é importante? Para premiar e manter os bons profissionais, dando incentivos para que continuem trabalhando adequadamente — e afastar aqueles que não se preocupam em servir à população. Em todo serviço público, a preocupação com as pessoas e em servir bem deveriam ser prioridades.
A tal “estabilidade” do setor público brasileiro, praticamente acima de qualquer outro quesito, também só existe por aqui. A estabilidade de um trabalhador, seja no setor público ou privado, deveria ser uma consequência de um bom desempenho. No sistema de saúde britânico, um dos melhores do mundo, os profissionais de saúde não possuem estabilidade plena. Nas escolas britânicas, também não. Só 9% dos servidores britânicos têm estabilidade plena, conforme mostrou um levantamento do Ministério da Economia, durante a gestão do ministro Paulo Guedes.
No Brasil, é comum a ideia de que a pessoa garante a vida ao se tornar servidora pública. As pessoas se esforçam para passar num concurso (existem até aquelas que se apresentam como “concurseiras”), mas e depois? Por aqui, praticamente todos os servidores públicos efetivos têm estabilidade, ou seja, são estatutários. Seguindo as melhores práticas internacionais, não existe justificativa para isso.
Na Suécia, menos de 1% deles têm estabilidade, conforme levantamento do Centro de Liderança Pública. O Brasil é o 132º colocado no Ranking de Desempenho Público do Fórum Econômico Mundial, que tem 137 países — ou seja, estamos na lanterna. O Reino Unido está na 15ª posição, e a Suécia na 16ª. “Falta de estabilidade não impediu que esses países tenham serviço público muito melhor que o Brasil”, disse a economista Marina Helena Santos, que foi diretora de Desestatização do Ministério da Economia.
Mas não para por aí. As distorções e maus incentivos vão ainda mais além. No alto escalão do funcionalismo público, os juízes são inatingíveis. Eles são de crucial importância para a nação, porém, o que acontece quando um magistrado não atua como deveria? Será que ele recebe uma punição adequada?
Não podem existir dois níveis de cidadãos. Somos todos iguais e todos merecem os mesmos 30 dias de férias.
A resposta é “não”. Na iniciativa privada, um funcionário improdutivo é dispensado. Não é assim no setor público. Descobriram que uma juíza do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) estava sendo improdutiva. Ela respondeu por inúmeros processos disciplinares por insuficiência de produtividade e má gestão da unidade judiciária. Nada adiantou. Mas o que a juíza em questão ganhou como punição? Uma aposentadoria compulsória: ou seja, ela vai poder receber a sua remuneração, sem trabalhar, para o resto da vida. Em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça analisou o caso da magistrada e manteve a “condenação”. Seria uma piada de mau gosto se não fosse a realidade do Brasil. Isso nos deixa em uma situação muito delicada perante a população mais vulnerável e acaba enfraquecendo a crença nas instituições democráticas.
Há ainda outros privilégios, como as férias de 60 dias. Os magistrados podem vender parte dos dias de suas férias, o que tem um custo alto para os brasileiros. Os tribunais gastaram ao menos R$ 3,5 bilhões para comprar férias de juízes, desembargadores e ministros nos últimos seis anos. Por outro lado, há ainda tribunais que pagam bônus por acúmulo de trabalho. Não seria mais simples se os juízes não tivessem os 60 dias de férias e fossem igualados aos demais brasileiros? Não podem existir dois níveis de cidadãos. Somos todos iguais e todos merecem os mesmos 30 dias de férias.
A reforma visa apenas beneficiar os cidadãos, que precisam ter serviços eficientes e por preço justo.
Outro obstáculo que interfere diretamente na eficiência do setor público e na boa gestão dos impostos pagos é a prerrogativa de manter servidores públicos cujos serviços não são mais necessários. Estima-se que o governo gaste mais de R$ 8,3 bilhões por ano com 69 mil servidores de profissões extintas ou em fase de extinção. É o caso de datilógrafos, ascensoristas (que apertam o botão do elevador) e editores de videotape. A reforma administrativa tornaria possível que esses cargos fossem desligados mais facilmente.
Algumas pessoas podem pensar que a reforma administrativa é um meio de prejudicar os servidores públicos. Porém, diferente disso, ela visa apenas beneficiar os cidadãos, que precisam ter serviços eficientes e por preço justo. Um servidor empenhado, por exemplo, não deveria se sentir ameaçado por ela. Pelo contrário, uma reforma administrativa ampla, geral e efetiva vai criar um clima organizacional muito melhor para os bons servidores, que são a ampla maioria.
Sem uma reforma administrativa, os bons servidores pagarão a conta. Além de acumularem mais trabalho, sem receber qualquer remuneração adicional por isso, eles ainda terão que ver aprovada outra reforma da previdência do funcionalismo público para corrigir as atuais distorções. Em 2022, por exemplo, o déficit previdenciário do funcionalismo público custou R$ 105,1 bilhões ao Brasil. Ocorre que os servidores representam apenas 8% do total de pessoas ocupadas, mas totalizam 28% do total do déficit do país, que somou R$ 375,3 bilhões.
Além de incentivar melhores serviços, resgatar a credibilidade da sociedade nas instituições públicas e cortar privilégios moralmente incorretos, a reforma administrativa pode render economia de mais de R$ 330 bilhões em 10 anos, de acordo com uma estimativa do economista chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, publicada pela CNN Brasil. Portanto, tão ou mais importante do que a reforma tributária, é a reforma administrativa, a grande reforma das reformas. Os únicos que perdem com a reforma administrativa são os privilégios, que deverão, finalmente, acabar no Brasil.
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