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O filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592) escreveu muitas obras sobre as instituições, e ao analisar o papel dos parlamentos, cunhou a célebre frase: "Nenhum governo está isento de legislar absurdos. O problema é quando tais absurdos são levados a sério". Em ano de eleições, mesmo antes do início das campanhas, os políticos discutem muitos disparates populistas em busca de votos. Entre os exemplos de propostas absurdas estão a revogação da reforma da Previdência, o fim do teto de gastos, a anulação das privatizações e concessões realizadas, o fim do novo marco do saneamento, a volta do imposto sindical e muitos outros.
Convertendo absurdos como esses em lei, a Venezuela empobreceu de forma rápida e triste. Em 2008, a Venezuela possuía um dos PIBs (Produto Interno Bruto) per capita mais altos da América do Sul, de US$ 11.080, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ano passado, o PIB per capita da Venezuela chegou em US$ 1.627, atrás do Haiti (US$ 1.690), e o país é hoje o mais pobre da América Latina.
Foi uma destruição de valor sem precedentes, em razão das reformas socialistas implementadas, das encampações realizadas, do excesso de intervenção estatal na economia e, por consequência, dos altos níveis de corrupção. Como se não bastasse, este ano a inflação na Venezuela deve ficar em torno de 500% (você leu certo: quinhentos por cento), a maior do continente americano.
E como a sociedade brasileira pode se blindar de leis absurdas ou de governantes populistas? Além de fomentar uma sociedade civil organizada, uma imprensa livre e uma iniciativa privada dinâmica, que não dependam de favores estatais, é fundamental termos um Poder Legislativo forte, sólido e independente, que tenha a capacidade de barrar retrocessos e de aprovar reformas estruturais.
E qual o perfil ideal de um parlamentar que pode atuar como um seguro contra riscos políticos e retrocessos públicos? O parlamentar, além de ter princípios e valores sólidos, precisa ter independência e autonomia nas votações. Independência é a capacidade de votar contra os interesses do governo de plantão ou de grupos de interesses específicos. Independência, também, significa que o parlamentar possa votar as pautas alinhadas com seus compromissos de campanha, mesmo que sejam de interesse do governo e contra o interesse da oposição. Se o parlamentar não tiver essa capacidade, não haverá independência no Legislativo, e ficaremos reféns de parlamentares que só sabem votar em um único sentido: contra ou a favor do governo.
Um parlamentar que vota sempre com o governo, ou mesmo sempre contra o interesse do governo, sem uma avaliação criteriosa e bem fundamentada sobre o mérito de cada projeto, contribui para enfraquecer o parlamento e, por consequência, a nossa democracia. O papel dos parlamentares em uma democracia representativa, seja nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional não é representar os interesses do governante ou da oposição, mas se manter fiel ao mandato popular que recebeu dos seus eleitores nas urnas. Essa autonomia é decisiva.
O custo econômico de um parlamentar dependente, seja do governo, de um grupo de interesse, da liderança do seu partido ou do próprio presidente do parlamento, é altíssimo para a sociedade. Um senador custa, por ano, R$ 54 milhões. E um deputado federal custa R$ 11,3 milhões por ano. Ocorre que o custo anual direto de cada parlamentar é o menor dos custos. Os piores e mais elevados custos dos parlamentares são aqueles projetos aprovados ou não aprovados que possuem impacto no orçamento público. Projetos aprovados que agregam uma despesa recorrente, com viés estritamente populista, são o caminho para afundar uma nação. Esses custos quase ninguém vê.
Nesse sentido, o Congresso Nacional está discutindo a volta do quinquênio: 5% de aumento automático nas remunerações de juízes e procuradores a cada cinco anos, por meio da PEC (Projeto de Emenda à Constituição) 63, uma cilada que, segundo projeções, custaria mais que R$ 7,5 bilhões por ano aos pagadores de impostos. Esse aumento seria mais um privilégio sem paralelo na iniciativa privada, e, até mesmo, no Executivo Federal.
Como consequência de várias distorções, o Judiciário do Brasil já é um dos mais caros do mundo: são mais de R$ 100 bilhões gastos anualmente, equivalente a 1,3% do PIB. Não seria justo fazer o cidadão bancar mais esse privilégio. Para piorar, temos o risco de o Poder Legislativo ampliar essa regalia para todo serviço público, com custo de R$ 100 bilhões.
Nestas eleições, mais do que nunca, precisamos de parlamentares que não façam populismo com os suados recursos dos pagadores de impostos. Precisamos eleger pessoas que tenham a autonomia intelectual e a independência necessárias para votarem contra projetos ruins, mesmo que sejam de interesse do governo, do Poder Judiciário ou de grupos de interesses específicos. Parlamentares que não troquem votos por cargos, por emendas parlamentares, e que não possam ser ameaçados em razão de processos administrativos ou judiciais que existam contra eles.
Devemos prestar mais atenção ao parlamento para que novos absurdos não sejam convertidos em lei. É no parlamento que as principais medidas para o futuro do país são votadas, assim como os piores absurdos.