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Paulo Uebel

Paulo Uebel

Reflexões e provocações sobre o Brasil que queremos: mais próspero, livre, simples e desenvolvido.

Primeiro calaram Daniel, mas isso não me afetou. Será que vai chegar a minha vez?

(Foto: Peter H./Pixabay)

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Primeiro calaram o Daniel. Eu não concordava muito com algumas posições dele, nem com a forma como ele se posicionava. Eu não votei nele e ele nunca me representou. Então, eu não me importei muito. Depois, foi a vez de Otoni ser impedido de falar com as pessoas nas redes sociais. E, dia após dia, a lista só foi crescendo, integrando nomes como Carla, Vitor Hugo, Jose, Bia, Junio, Nikolas, Zé, Gilberto e Gustavo… Todos eles foram sumariamente calados sob o argumento de defesa da democracia, dos direitos humanos, das instituições e de outros valores superiores.

Para muitos, a democracia é o fim maior, dessa forma, todos os direitos e liberdades individuais são apenas meios para a democracia. Para essas pessoas, calar supostos radicais ou pessoas rotuladas de autoritárias, que podem, teoricamente, colocar em risco a democracia ou que apresentam ideias não conformistas, é fundamental, mesmo que haja restrição à liberdade de expressão, ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, ao princípio da inocência, ao princípio da legalidade, ao princípio da moralidade e ao princípio da separação de poderes.

Os cubanos, pelo visto, ainda não estão prontos para usufruírem plenamente seus direitos humanos. É preciso ter um governo forte e soberano para garantir o bom funcionamento da vida em sociedade.

Existem exemplos em Cuba, Venezuela e Argentina para inspirar essas pessoas. Desde 1959, após a derrubada da ditadura de Fulgêncio Batista, o povo cubano assumiu o poder em Cuba para instaurar o processo de redemocratização. É bem verdade que, até hoje, não houve eleições livres, justas e frequentes. Mas eles expulsaram e calaram os fascistas. É bem verdade que, até hoje, o povo cubano não tem liberdade de expressão, liberdade de associação, liberdade política, liberdade religiosa e liberdade econômica, mas todos os radicais foram presos.

É verdade que, até hoje, Cuba não possui um Poder Judiciário independente nem Estado de Direito, mas os autoritários foram sumariamente punidos, alguns até mortos para nunca mais ameaçarem o povo. Se passaram apenas 63 anos da derrubada da ditadura. Os cubanos, pelo visto, ainda não estão prontos para usufruírem plenamente seus direitos humanos. É preciso ter um governo forte e soberano para garantir o bom funcionamento da vida em sociedade. O processo de limpeza e fortalecimento popular segue em curso. O amor prevaleceu sobre o ódio. Hoje, o ódio tem sido exemplarmente reprimido, entre outros sentimentos.

Na Venezuela, o socialismo do século 21 também foi implementado. É bem verdade que a Venezuela tem a pior renda per capita do continente, mas o capitalismo selvagem, que gerou uma das rendas per capita mais altas da América Latina na própria Venezuela no passado, foi derrotado. Hoje, o governo de Nicolás Maduro pensa nas pessoas. É verdade que nunca tantos venezuelanos fugiram do seu país, alguns buscando e comendo comida no lixo, mas o importante é que os longos discursos e as lindas palavras do líder maior venezuelano sempre reforçam o compromisso com os pobres e com o combate à desigualdade social — apesar da Venezuela ser o país mais desigual das Américas. A compaixão que ele nutre pelas pessoas é linda de se ver. É verdade que as políticas públicas produziram alguns dos mais elevados índices de pobreza, de violência e de corrupção do continente, mas as intenções por trás são sempre de justiça, amor e compreensão.

No Brasil, algumas pessoas querem seguir um caminho similar. O Poder Judiciário, que reúne as pessoas mais brilhantes e capacitadas, com mestrados e doutorados, inclusive no exterior, está fazendo justiça.

Na Argentina, temos algo similar. O peronismo segue vivo e forte. A Argentina, que já teve a renda per capita mais alta do mundo (em 1896), vem empobrecendo recorrentemente, mas o importante é que as ideias de Perón seguem influenciando a política argentina. É verdade que muitos políticos, como os Kirchners, enriqueceram muito nos últimos 30 anos, enquanto o povo vem perdendo renda, mas eles sempre trabalham em prol dos mais vulneráveis e lutam por justiça social. É verdade que a corrupção e o sentimento de impunidade estão diariamente presentes na Argentina, mas os sindicatos e grupos populares nunca estiveram tão fortes e prósperos. É verdade que a inflação altíssima destrói o poder de compra das pessoas, principalmente dos mais pobres, mas o olhar de entendimento e a comunicação não-violenta dos governantes emocionam. A democracia argentina está assegurada.

No Brasil, algumas pessoas querem seguir um caminho similar. O Poder Judiciário, que reúne as pessoas mais brilhantes e capacitadas, com mestrados e doutorados, inclusive no exterior, está fazendo justiça. É bem verdade que estão cometendo algumas injustiças no caminho. Porém, eles estão defendendo a nossa democracia. É verdade que a democracia representativa está sendo enfraquecida com as censuras prévias a parlamentares, mas isso é feito para fortalecer a própria democracia. É verdade que punições estão sendo impostas de ofício, sem o devido processo legal, sem o contraditório, sem ampla defesa e sem observar o princípio da inocência, mas isso ocorre apenas para defender o Estado Democrático de Direito, uma grande conquista civilizacional.

É verdade que as atribuições do Ministério Público e as prerrogativas dos advogados foram desconsideradas em algumas iniciativas, mas é para preservar a justiça. É verdade que alguns ministros e juízes participaram da campanha eleitoral, manifestando, publicamente, suas preocupações ou preferências, mas tudo para assegurar a independência do Poder Judiciário. É bem verdade que ocorreram algumas inovações processuais, sem qualquer previsão legal, mas isso foi feito para manter a legalidade, a harmonia e a separação entre os poderes.

Afinal, se os fins são nobres, qualquer meio pode ser válido? Será que o importante mesmo são apenas as intenções? Como sociedade, devemos aceitar o mal, desde que o suposto fortalecimento da democracia seja o fim maior? Alguns questionam se as censuras e violações não estão indo longe demais, mas o que importa se a democracia está sendo fortalecida? Discursos e narrativas valem mais do que ações e exemplos concretos.

Como a expressão "ataques à democracia e ao Estado de Direito" possui um conceito vago, elástico e amplo, para não correr riscos, melhor as pessoas ficarem quietas, submissas.

Alguns argumentam que as ações contra a liberdade de expressão são apenas contra aqueles que mereceram ser calados, que supostamente cometeram algum crime contra a nação. Outros dizem que as medidas podem até ter se excedido um pouco, mas que eram temporárias, só até o fim das eleições. É verdade que as eleições já terminaram, mas as restrições seguem em curso para que o fortalecimento da democracia seja perene. Para essas pessoas, o Estado de Direito pode ser temporariamente suspenso para se atingir um fim maior. É verdade que suspenderam direitos e garantias que deveriam ser mantidos em um Estado de Direito, mas a democracia está sendo restabelecida.

Até hoje, boa parte das pessoas caladas nas redes sociais e, até mesmo, perseguidas fora das redes, tinham alguma divergência comigo. Podia ser pequena, mas nenhuma delas representa todos os meus princípios e valores. Assim, eu me calei. Afinal, a defesa da democracia não deve vir em primeiro lugar? Se um dia vierem atrás de alguém que me representa e que tem o meu voto, como o Marcel, aí, talvez, eu faça algo. E quando vierem atrás de pessoas que convivem comigo, ou atrás de mim, será que alguém vai me defender? Acredito que sim. É bem verdade que todos se calaram quando foram atrás de outras pessoas.

Como a expressão "ataques à democracia e ao Estado de Direito" possui um conceito vago, elástico e amplo, para não correr riscos, melhor as pessoas ficarem quietas, submissas, deixando nosso país ser liderado por autoridades iluminadas que nunca receberam um voto, mas que sabem o que é melhor para o povo. Calar parlamentares em um inquérito sigiloso, sem conhecimento e escrutínio público, pelo visto, é mais democrático do que deixar esses parlamentares falando besteiras, sendo julgados pela própria sociedade que os elegeu. É bem verdade que, em uma democracia, a transparência e a publicidade deveriam ser a regra, mas é preciso confiar nos inquéritos conduzidos nos porões das altas cortes, sem número, sem fiscalização e sem controle social. É verdade que diversas seccionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) demandaram à OAB Nacional para se posicionar em defesa das prerrogativas dos advogados e do devido processo legal, mas a OAB Nacional deve ter suas razões para se omitir publicamente sobre isso. Afinal, o advogado é indispensável para a democracia, não para a justiça.

Os ministros da Suprema Corte não foram escolhidos porque possuem alinhamento ideológico com um partido, nem porque se mostraram capazes de negociar decisões por indicações e privilégios. Estão lá por mérito. Jamais usaram o cargo para influenciar escolhas e nomeações, jamais chantagearam parlamentares com processos que estão sob sua relatoria e nunca se envolveram em processos de interesses de escritórios ou parceiros comerciais de seus cônjuges, filhos, parentes ou amigos. Eles jamais perseguiram desafetos ou tomaram decisões para prejudicar o bom funcionamento dos demais poderes. São capazes, isentos e genuinamente preocupados com a democracia.

Todos são muito bem formados, não devem favores nem aceitam qualquer tipo de benefício de empresas privadas ou de escritórios de advocacia para si ou para os seus. Portanto, parece justo que tenham plenos poderes para defender a democracia, amassando liberdades individuais, enfraquecendo a representação popular, calando parlamentares, inovando na legislação, aplicando penas sumárias e conduzindo inquéritos sem qualquer transparência, base legal ou escrutínio público. Ou você vai ter a coragem de dizer que não? Vai que isso seja considerado um ataque à democracia e ao Estado de Direito…

Se a democracia é mais importante do que o respeito aos direitos humanos e às liberdades individuais, tudo pode acontecer. Já vimos bastante, mas, pelo visto, ainda não vimos tudo. Se preparem, ainda teremos muitas decisões monocráticas calando dissidentes para salvar a nossa democracia. Felizmente, temos as mentes iluminadas que tudo veem, tudo sabem, e que protegem nosso Estado Democrático de Direito de forma contundente, mesmo que para isso seja necessário suspender direitos e garantias constitucionais, conquistados com muita luta e suor. Mas tudo isso para o seu próprio bem. Fique quieto, seja submisso e agradeça, assim se constrói a verdadeira democracia!

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