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Paulo Uebel

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Reflexões e provocações sobre o Brasil que queremos: mais próspero, livre, simples e desenvolvido.

O primeiro vilão do governo Lula: a independência do Banco Central

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. (Foto: Reprodução/YouTube/Roda Viva. )

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Não é novidade que o Partido dos Trabalhadores (PT) desdenha da economia de mercado, flerta com regimes autoritários de esquerda, e ama vender a falsa narrativa de que seu grande líder, Lula, é vítima. Assim, já era de se esperar que o governo Lula III criaria seus monstros para se fazer de vítima injustiçada. E o primeiro inimigo escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no começo de seu mandato é a independência do Banco Central (BC). Ou, melhor dizendo, o próprio banco, seus quadros técnicos e, principalmente, seu presidente, Roberto Campos Neto, que tem sido perseguido pelos aliados de Lula. A ideia é minar a independência do Banco Central, e a odisséia de Lula contra ele e sua liderança se arrasta por semanas, sem prazo para acabar.

"Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,50%. É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro", reclamou o presidente Lula. Na verdade, a taxa está em 13,75%. Além disso, Lula também disse que o “problema é que esse país tem uma cultura de viver com os juros altos". Lula está equivocado, e para entender isso é preciso primeiro entender para que serve a taxa básica de juros, a Selic. E, consequentemente, entender o motivo para o Brasil ter essa “cultura” de juros altos.

O que empurrou a taxa de juros para cima foram os déficits e os gastos excessivos do governo, um erro que se arrastou por décadas no Brasil.

O primeiro ponto que precisa ficar claro é que quanto menor a credibilidade de um país, maior será a necessidade de elevar a taxa de juros para atrair capital. A taxa de juros é o custo do dinheiro no tempo. Ora, se o nosso país tivesse um histórico de honrar todas as suas dívidas no prazo, se nunca tivesse sido irresponsável fiscalmente, se nunca tivesse dado calote, se nunca tivesse gastado mais do que arrecada, se sempre tivesse um superávit fiscal, se tivesse uma âncora fiscal robusta e sem furos, se sempre tivesse mantido a inflação sob controle, certamente, não teríamos uma "cultura" de juros altos.

Aqueles que defendem baixar a taxa de juros na marra costumam dizer que uma taxa de juros elevada atrapalha o crescimento da economia por penalizar a produção. Isso é verdade. Quanto mais alta a taxa de juros, mais caro será para qualquer pessoa ou empresa se endividar para iniciar novos empreendimentos ou para ampliar projetos existentes. Os críticos estão certos sobre o impacto negativo no crescimento da economia e na produção, mas estão errados sobre a causa dos juros elevados e sobre a possibilidade de baixar a taxa de juros na força, sem riscos.

Se Lula quiser que o Banco Central fixe uma taxa de juros mais baixa e sem risco de volta da inflação elevada, o governo precisa ter responsabilidade fiscal

O que empurrou a taxa de juros para cima foram os déficits e os gastos excessivos do governo, um erro que se arrastou por décadas no Brasil. Não podemos esquecer que o Brasil já deu calote e já deixou a inflação atingir patamares absurdos. A taxa de juros mais alta serve para barrar o avanço da inflação, isto é, a subida de preços em razão da desvalorização da moeda — que torna tudo mais caro, e prejudica principalmente os mais pobres.

É por isso que o Banco Central não pode fixar qualquer taxa. Só pode fixar uma taxa que não comprometa o valor da moeda. A principal razão de existir do Banco Central é assegurar a estabilidade dos preços e garantir o poder de compra dos cidadãos. Quando os países criam uma taxa de juros artificial, como Venezuela e Argentina, que não reflete a crise fiscal do país, os gastos continuam elevados e a inflação acaba corroendo o poder de compra da população. E por falar nos hermanos argentinos e venezuelanos, os dois países estão no topo do ranking de 2023 dos países mais atingidos pela inflação de alimentos do Banco Mundial: a Venezuela em segundo lugar e a Argentina em quarto. Para tentar correr atrás do prejuízo, o Banco Central da Argentina fixou a taxa de juros em 75%. Isso sim são juros elevados!

Lula é conhecido por seus apoiadores como um presidente que combate a fome (embora o seu programa Fome Zero tenha sido um fracasso), mas ele ainda não entendeu que se a taxa de juros diminuir na marra a inflação pode voltar a subir, encarecendo ainda mais os alimentos para os brasileiros. Inflação alta significa população mais pobre e mais desigualdade social.

Se Lula não consegue cumprir sua obrigação de presidente, que é organizar as contas públicas com responsabilidade fiscal, o que ele pretende ao atacar o Banco Central?

Embora desrespeitado em seu próprio país pelo presidente da nação e sua cúpula, no cenário mundial, o Banco Central do Brasil é respeitado e tido como exemplo. “No debate internacional, o BC do Brasil (BCB) aparece como tendo um dos melhores desempenhos. Os acertos citados: percebeu antes dos outros que a inflação de 2021 não era transitória; em consequência, começou a elevar juros antes dos outros; e, finalmente, conseguiu resultados expressivos” explica o jornalista Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna no jornal O Globo.

Foi isso que fez a inflação no Brasil ceder, com a ressalva de que preços-chaves como o dos combustíveis e da energia caíram graças à redução de impostos. A revista inglesa The Economist também reconheceu o feito do Banco Central, e mostrou que a alta da taxa de juros “derrubou a inflação de 12% para 5,8%, a maior queda entre os emergentes”.

Se Lula quiser que o Banco Central fixe uma taxa de juros mais baixa, de forma sustentável e sem risco de volta da inflação elevada, o governo precisa ter responsabilidade fiscal, reduzir gastos em vez de aumentá-los, para mostrar que a dívida pública ficará sob controle. E parar de atacar a independência do Banco Central — ação que sinaliza aos economistas mais aumento da inflação e, como consequência, até pode gerar aumento dos juros. Se o novo governo enviar ao Congresso uma proposta de âncora fiscal que seja robusta, certamente estará dando sua maior contribuição para a redução da taxa básica de juros.

Os brasileiros merecem viver com juros mais baixos, sem dúvida, mas com uma inflação também baixa para terem seu poder de compra mantido.

Mas, desde o começo de seu governo, Lula sinaliza que fará o contrário. “A coisa desandou na formação do governo Lula, com a aprovação da PEC que consagrou o aumento de gastos para 2023 — prevendo déficit de mais de R$ 200 bilhões — e derrubou o teto de gastos sem colocar nada no lugar. Terminou de piorar quando Lula iniciou a guerra contra ‘esse cidadão’ do BC e o regime de metas, a favor de uma inflação mais alta”, diz ainda Sardenberg.

De fato, o governo Lula III não colocou nada ainda no lugar do teto de gastos para organizar as contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu a divulgação de uma nova regra fiscal em março. Porém, devido ao histórico de preferência por mais gastos dos petistas, é melhor não criar grandes expectativas até que a tal nova regra seja divulgada.

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O economista, doutor e pesquisador do Insper Marcos Mendes, por exemplo, alerta que, entre 2023 e 2026, as más políticas do governo Lula III podem resultar em “aumento do déficit fiscal, correção desproporcional da tabela do IR, ameaça à autonomia do Banco Central, uso dos bancos públicos para subsidiar crédito e fazer política parafiscal, fechamento da economia e subsídios setoriais".  Os riscos não param por aí, podemos ver, ainda, segundo o economista, o "desmonte de reformas regulatórias: contribuição sindical, lei das estatais, marco do saneamento, interrupção de privatizações e extinção de estatais, interferência nos preços dos combustíveis, mudança da taxa de juros do BNDES (TLP).

No BrazilJournal, o jornalista Giuliano Guandalini reportou que as estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil estão caindo. O Itaú, por exemplo, baixou a estimativa do PIB de 1,3% para 0,9%, devido às "incertezas sobre o compromisso da política econômica com inflação baixa”. O Itaú também disse que “para reverter a dinâmica negativa, seria importante o governo reforçar o compromisso com a inflação baixa, mantendo a meta em 3% e reduzindo a incerteza sobre sua postura quanto à autonomia do Banco Central.”

Lula precisa focar em seu dever como presidente em vez de atacar a independência do Banco Central e seus competentes quadros.

Por causa da atual situação do Brasil, que ainda possui risco inflacionário, a taxa de juros de 13,75% não deve mudar tão cedo. De igual modo, as metas de inflação, que são definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) — formado pelo presidente do Banco Central, Campos Neto, e pelos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento —, também devem permanecer inalteradas. Para Campos Neto, mudar as metas de inflação agora teria um efeito contrário sobre os juros.

As atuais metas de inflação são 3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025, com 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. O presidente Lula quer subir a meta para que o Brasil tenha uma meta de inflação maior: em 4,5%, o mesmo nível de seus dois primeiros mandatos. “Ninguém tem coragem de chegar para o ministro Haddad e dizer: ‘Ministro, sabe qual o problema da meta de inflação? É porque as pessoas não têm confiança na execução fiscal que o senhor está propondo’”, cravou o sócio-fundador da SPX Capital, Rogério Xavier, num evento organizado pelo BTG Pactual que tinha o próprio Haddad como convidado, que aguardava na primeira fileira o momento de seu painel.

É muito pior para a população pobre ter inflação alta do que juros altos.

Se a gente fizer uma mudança agora, sem um ambiente de tranquilidade e um ambiente onde a gente está atingindo a meta com facilidade, o que vai acontecer é que você vai ter um efeito contrário ao desejado. Ao invés de ganhar flexibilidade, você pode terminar perdendo flexibilidade”, explicou Campos Neto no Roda Viva.

Qualquer brasileiro reconhece que as taxas de juros estão elevadas, mas muitos brasileiros não se dão conta de que a taxa de juros é um mero reflexo da credibilidade geral de um país e, principalmente, da credibilidade do governo de plantão. Com um arcabouço fiscal mais robusto, com uma âncora fiscal que seja respeitada, com controle de gastos e com a dívida pública em um patamar razoável, naturalmente, a taxa de juros vai diminuir, mas isso exige esforço e competência do atual governo. Evidentemente, isso é muito mais difícil do que colocar a culpa nos excelentes quadros técnicos do Banco Central, na independência desta instituição e em sua maior liderança.

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É muito pior para a população pobre ter inflação alta do que juros altos. A inflação é um imposto escondido que ninguém percebe, e que corrói o poder de compra das pessoas, principalmente das pessoas com menos sofisticação financeira, contribuindo para aumentar a desigualdade social. Para ter juros mais baixos, Lula precisa diminuir os gastos e apresentar uma nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos. Mas uma que seja boa. Também precisa fazer uma reforma tributária inteligente. Manter metas de inflação realmente estratégicas, e não para comportar seus caprichos fiscais, também é fundamental.

Enfim, Lula precisa focar em seu dever como presidente em vez de atacar a independência do Banco Central e seus competentes quadros. Se ele não consegue cumprir sua obrigação de presidente, que é organizar as contas públicas com responsabilidade fiscal, o que ele pretende ao atacar o Banco Central? Os brasileiros merecem viver com juros mais baixos, sem dúvida, mas com uma inflação também baixa para terem seu poder de compra mantido, e não esperar um futuro semelhante ao da Argentina ou da Venezuela, lideradas pelos amigos e colegas de ideologia de Lula.

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