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Paulo Uebel

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Reflexões e provocações sobre o Brasil que queremos: mais próspero, livre, simples e desenvolvido.

Que a PEC dos Benefícios abra caminho para outra, a do fim dos privilégios

Plenário do Senado Federal
Toda crise gera uma oportunidade. É a tempestade perfeita para o Brasil fazer o maior corte de privilégios da sua história. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad)

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"Direito, vantagem ou imunidades especiais gozadas por uma ou mais pessoas, em detrimento da maioria; regalia". É a primeira definição da palavra "privilégio" no dicionário Michaelis. Em uma democracia, na qual todos os cidadãos são iguais perante a lei (ou, pelo menos, deveriam ser), as regalias concedidas para alguns abençoados deveriam ser inconstitucionais. Porém, o Brasil se acostumou com isso e elas só cresceram desde a Constituição Federal de 1988.

Algumas semanas atrás, nesta coluna, falamos sobre o “atestado de bananidade” do Brasil. Mas, é preciso reconhecer que, além de parecer uma república de bananas, nosso país também é uma república de privilégios.

Recentemente, o Governo Federal apresentou a PEC (proposta de emenda à Constituição) 01/2022, a PEC dos Benefícios, chamada também de Kamikaze pelo impacto fiscal que terá. A PEC libera R$ 41,2 bilhões para concessão de auxílios para a população carente e algumas categorias profissionais. É uma medida que, se não tiver o correspondente corte de gastos, será irresponsabilidade fiscal. Pelo menos grande parte dos benefícios são temporários e focados em pessoas mais prejudicadas pela crise.

Por outro lado, a lista de privilégios para os poderosos no Brasil é velha, interminável e, se depender daqueles que estão no poder, será eterna. Férias de 60 dias para membros de poderes, como juízes e promotores. Aposentadoria compulsória como “punição”. Licença-prêmio. Salários acima do teto de R$ 39,2 mil. Auxílios para quem já ganha mais de 10 vezes a renda média da população. E assim por diante...

Ao menos R$ 4 bilhões saem do bolso dos pagadores de impostos todos os anos para bancar as férias de 60 dias do alto escalão do funcionalismo, especialmente do Judiciário e do Ministério Público — a estimativa é do Governo e inclui tanto o adicional de ⅓ de férias como a venda de parte delas caso o privilegiado decida não utilizar todo o período para descanso. Aqueles que pagam a conta, por outro lado, têm no máximo 30 dias de férias por ano. Neste ano, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os demais magistrados terão direito a, pelo menos, 89 dias sem trabalhar: é a soma de suas férias de 60 dias com os feriados (em caso de prolongamento dos feriados, os dias não trabalhados podem chegar a 95).

Para piorar, na maioria das vezes aqueles que possuem férias de 60 dias são os mesmos com remunerações acima do teto de R$ 39,2 mil. E, segundo uma estimativa do Centro de Liderança Pública (CLP), o Brasil poderia economizar R$ 2,6 bilhões por ano com o fim dos supersalários. É preciso dizer também que, em geral, são os mesmos com direito à aposentadoria compulsória como “punição”.

A aposentadoria compulsória como “punição” é uma aberração que ajuda o Brasil a se qualificar com mais um selo vergonhoso: o de país da impunidade. Hoje, quando um magistrado comete um crime, ele recebe a “pena” da aposentadoria: ganha o direito de não trabalhar e ainda assim ser remunerado. Foi o que aconteceu com a desembargadora do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que usou seu poder de influência para soltar o filho preso. E com o juiz de Goiás que desviou R$ 18 milhões com decisões fraudulentas.

A licença-prêmio, um dos privilégios menos conhecidos por seus financiadores — isto é, os pagadores de impostos —, é o privilégio de não trabalhar por um determinado período, obtido pelo servidor que comparece ao serviço com assiduidade (você consegue imaginar um prêmio desses no setor privado?).

Este ano, por exemplo, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou a licença-prêmio de 3 meses para os magistrados a cada 5 anos. Isso significa que, no ano em que o magistrado tiver a licença-prêmio, ele terá direito a pelo menos 150 dias sem trabalhar, somando férias de 60 dias mais a licença — isso sem contar feriados e prolongamento de feriados. Em 2022, com feriados, seriam 179 dias, ou 185 com feriados prolongados. Tudo isso, é claro, com a remuneração caindo em dia na conta.

Assim, para viabilizar uma PEC que pode beneficiar as pessoas mais carentes em um ano difícil, o Congresso Nacional deveria aprovar outra PEC para cortar inúmeros privilégios. Nessa lista, o parlamento deveria acabar, imediatamente, com os seguintes privilégios para todos membros de poderes, servidores e funcionários públicos:

  • férias, incluído o período de recesso, de período superior a 30 dias;
  • adicionais de tempo de serviço (ex: quinquênios, decênios etc);
  • aumentos de remuneração ou de parcelas indenizatórias retroativos;
  • licença-prêmio, licença-assiduidade e demais licenças de tempo de serviço;
  • redução de jornada sem redução de remuneração equivalente;
  • aposentadoria compulsória como punição;
  • adicional ou indenização por substituição, ressalvada a substituição de cargo comissionado, função de confiança e cargo de direção e assessoramento;
  • progressão ou promoção por tempo de serviço;
  • parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos, valores e parâmetros em lei, exceto para os empregados de empresas de economia mista, ou sem a caracterização de despesa diretamente decorrente do desempenho de atividades;
  • incorporação, total ou parcial, da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de direção e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente;
  • remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de direção e assessoramento, gratificação de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias ou qualquer parcela que não tenha caráter permanente para aposentados e pensionistas; e
  • remuneração superior ao limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social, de que trata o art. 201 da Constituição Federal, após o décimo quinto dia do período de licença saúde.

Os pontos relacionados acima fazem parte da reforma administrativa ideal. E, embora a reforma administrativa não tenha avançado e o PL dos Supersalários esteja parado no Congresso Nacional, o fim dos privilégios não deve esperar o início do próximo mandato. O Congresso deve aproveitar a oportunidade e aprovar a PEC dos Benefícios junto com a PEC do Fim dos Privilégios. Nada mais justo para reduzir essa grande máquina de geração de desigualdade social.

Além disso, estados e municípios não precisam esperar o Congresso Nacional. Deputados estaduais e vereadores podem propor alterações às suas respectivas constituições estaduais e leis orgânicas municipais, incluindo vedações do tipo, sem a necessidade de esperar por uma PEC do Fim dos Privilégios. O federalismo brasileiro permite que os privilégios sejam combatidos em nível local ou regional.

Em um país desigual como o Brasil, esses privilégios violam os princípios da moralidade, da igualdade, da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade. O momento para corrigir essas distorções não poderia ser melhor. Toda crise gera uma oportunidade. É a tempestade perfeita para o Brasil fazer o maior corte de privilégios da sua história. Com a aprovação da PEC dos Benefícios, junto com a PEC do Fim dos Privilégios, finalmente, o governo irá servir, verdadeiramente, às pessoas que mais precisam, tirando daquelas mais privilegiadas. Justiça seja feita!

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