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Uma inimiga fatal adoece o país e passa despercebida há décadas: a alta dívida pública. Em 2020, a dívida pública brasileira chegou a quase 100% de tudo que o Brasil produz: 98% do PIB (Produto Interno Bruto), como mostra o novo estudo do Instituto Millenium – “Sob a Espada do Endividamento”* – realizado com base em dados do FMI (Fundo Monetário Internacional).
O Tesouro Nacional emite a dívida pública para cobrir despesas que estão acima da arrecadação de tributos do país. Muitas pessoas têm atribuído os gastos elevados ao combate à Covid-19, e é verdade que isso contribuiu para o aumento de gastos no Brasil. Entretanto, em 2019, antes da pandemia, a dívida bruta do Governo Central já era de 87,7% do PIB. Há dez anos, essa dívida era de 62,2% do PIB. Ou seja, ela tem aumentado de maneira constante.
Qualquer pessoa, um pai ou mãe de família, sabe que gastar mais do que se ganha significa menos dinheiro no futuro, mais dívidas e, até mesmo, mais pobreza. Infelizmente, alguns especialistas e muitos políticos fazem malabarismos para defender que o governo gaste mais do que arrecada e contraia mais dívida.
Para piorar, o conceito da dívida pública é distante para a maioria dos brasileiros – o que não gera incentivos para que os cidadãos cobrem seu controle –, embora tenha efeitos práticos sobre a vida de todos nós: dificulta o crescimento da economia, limitando o acesso ao crédito, a geração de empregos e o surgimento de novos negócios.
Ela também aumenta a inflação, diminuindo o poder de compra dos brasileiros, especialmente dos mais pobres. E contribui para o empobrecimento da população. A dívida não pesa apenas no bolso dos cidadãos de hoje, mas, especialmente, nos do futuro. Ou seja, o aumento do endividamento hoje garante contas para os seus filhos e netos pagarem, não apenas você. É muito injusto.
Em resultados divulgados no último mês (25/01), o FMI lista o Brasil com a pior expectativa de crescimento entre as principais economias do globo: de apenas 0,3% do PIB em 2022. A expectativa da África do Sul, a segunda pior colocada do ranking, é de 1,9%. Já a expectativa mundial é de 4,4%. A expectativa de crescimento para o Brasil em 2023 melhora para 1,6% do PIB, mas ainda o mantém entre os piores colocados (segundo lugar nesta conta).
Algo precisa ser feito. Em 2021, a dívida pública subiu 12% e atingiu R$ 5,61 trilhões. Enquanto isso, há despesas que nem sequer estão debaixo do teto de gastos (que limita o crescimento das contas à inflação), mas que nos custam caro, como o dinheiro injetado nas empresas estatais não dependentes: o Tesouro aprovou R$ 23 milhões para capitalização de estatais não dependentes em 2020 e R$ 8 bilhões em 2021.
Chegou a hora de o Brasil decidir o rumo que vai dar às suas contas públicas: o controle e diminuição dos gastos públicos, o pagamento de dívidas e a preservação do teto de gastos – que vai ajudar o crescimento da economia –, ou o descontrole fiscal, que até agora já nos trouxe um PIB inteiro de dívidas, sem que a população veja os benefícios. Na hora de votar, lembre-se disso: populismo fiscal tem consequências reais na vida de cada um de nós.
*O estudo "Sob a Espada do Endividamento", do Instituto Millenium, citado neste artigo, foi elaborado por Bruno Funchal, ex-Secretário Especial do Tesouro e Orçamento, e por Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro, ambos do Ministério da Economia.
Nota: enquanto o estudo do Instituto Millenium utilizou a base de dados do FMI sobre a dívida pública de 98% do PIB referente a 2020, o Banco Central calcula o valor de 88,6% do PIB em 2020. A diferença é estatística. Para a metodologia do Banco Central, títulos públicos do Tesouro Nacional em sua carteira não compõem a dívida pública, e as operações compromissadas do BC com o mercado contam como dívida. Para o FMI, a carteira inteira de títulos da Secretaria do Tesouro Nacional no BC conta na dívida pública, já as operações compromissadas não contam.