Apesar de criticado pelo mercado por sua atuação no governo Dilma, a saída do ex-ministro Nelson Barbosa da equipe de Fernando Haddad não foi bem recebida. Motivo: os relatos davam conta de que ele se desentendeu com outro economista do PT, Marcio Pochmann. Nos termos do colunista desta Gazeta Guilherme Fiuza, um queria falir o Brasil de novo em 6 meses, e o outro em 100 dias. Este é um texto sobre as piores mentiras de Pochmann, apresentado como o coordenador do programa econômico de Haddad.
Perceba o eleitor: este não é um texto sobre divergências de opinião. É um texto sobre divergências de fatos. Todas as afirmações discutidas a seguir se deram nos últimos meses.
1) O dia em que o STF acabou com os concursos
Se você não acompanha Pochmann, não ficou sabendo que poucas semanas atrás os concursos públicos foram extintos no Brasil, e, pasme, pelo Supremo Tribunal Federal (STF): “O emprego público está próximo do fim. Até hoje havia concurso para funções finalísticas da administração pública, a partir de amanhã, não mais. Regressão pré-1930 no Estado brasileiro.”
Para que não reste dúvida sobre a afirmação: os concursos públicos foram difundidos a partir da década de 1930, com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).
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Ao que Pochmann se refere? É uma interpretação alarmista e completamente equivocada do julgamento do Supremo sobre terceirização. O STF declarou inconstitucional a súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proibia a terceirização da atividade-fim em empresas antes da Reforma Trabalhista.
Em primeiro lugar, o TST não tem jurisdição sobre o servidor público – apenas sobre os celetistas. E, em segundo lugar, o papel do Supremo é decidir se normas estão em desacordo com a Constituição, e não julgar o próprio texto original da Constituição: a realização de concursos públicos é regra constitucional! Como o STF poderia acabar com os concursos?
Evidente que só uma emenda à Constituição aprovada pelo Congresso poderia acabar com os concursos (art. 37, II). Mesmo no caso das empresas estatais, a regra da Constituição é também a contratação por concurso.
2) O dia em que o Brasil ficou rico
Em setembro, Pochmann encontrou a solução para os problemas nacionais: “Déficit primário nas contas públicas, estimado para 2019 pelo neoliberalismo de Temer, poderia ser superado pela cobrança de alíquota média de 1% sobre grandes fortunas. Solução para Brasil tem.”
Seria ótimo: o buraco nas contas públicas poderia deixar de existir com uma modesta colaboração de uma pequenina parcela abastada da população. O problema é que é mentira.
O déficit estimado para 2019 é de R$ 139 bilhões. Para 1% de grandes fortunas cobrirem essa diferença, o Brasil teria de ter grandes fortunas no valor de 139 bilhões x 100 = 13,9 trilhões.
Infelizmente, segundo a Receita, em 2016 o total de bens e direitos de todos os declarantes do Imposto de Renda era um pouco maior que R$ 8 trilhões. Ainda que este valor possa estar subdeclarado ou ter crescido, ele ainda está muito distante dos R$ 13,9 trilhões.
Ou seja, nem tributando todo o patrimônio dos brasileiros – e não apenas as grandes fortunas – se chegaria perto de confirmar a afirmação de Pochmann.
Evidentemente que isso não significa que a maior tributação dos mais ricos não deva ser perseguida. Mas significa que Pochmann mente – ou que não conhece um mínimo da realidade das contas públicas e renda do Brasil (Pochmann é ex-presidente do Ipea e professor da Unicamp).
Se fosse verdade que uma simples alíquota de 1% sobre “grandes fortunas” zeraria o déficit primário, o Brasil seria um país rico.
3) O dia em que a reforma da Previdência foi feita e ninguém viu
Pochmann costuma negar a urgência da reforma da Previdência dizendo que as regras atuais são suficientes. Só que aponta regras que simplesmente não existem!
Em uma entrevista em agosto, o economista errou todas as regras sobre aposentadoria que mencionou. Por exemplo: “Você precisa ter 65 anos, para homem, mais 35 de contribuição.” Não é verdade.
65 anos como idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição (35 anos) é o que Temer propôs em sua reforma da Previdência. No ano de 2038.
A realidade: não existe idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição. A proposta hoje no Congresso discute implantar uma de 55 para homens e 53 para mulheres, subindo ao longo de duas décadas.
Indagado pelo repórter sobre a ausência de idade mínima no Brasil, o professor diz que foi feita uma inovação no governo FHC, aperfeiçoada pelo governo do PT: “Tem a fórmula de aposentadoria feminina de 85 anos, que combina idade e tempo de contribuição. Não entendo essa conclusão.”
Pochmann se refere a fórmula 85/95, aprovada durante a pauta-bomba de Eduardo Cunha contra Dilma. Ela não contém o gasto, aumenta o gasto: ao contrário do que Pochmann diz, não é uma regra para poder se aposentar, mas para que quem se aposenta não tenha no cálculo do benefício a aplicação do fator previdenciário – aumentando a aposentadoria. Nenhuma mulher precisa somar 85 anos em idade e tempo de contribuição para se aposentar: basta os 30 anos do tempo de contribuição, porque a Constituição não exige idade mínima.
Além disso, na mesma ocasião, Pochmann disse que o teto da previdência dos servidores e do INSS é igual desde 2003. Também mentira. Não é: é igual desde 2013, mas somente para novos servidores.
Disse também que a idade mínima dos servidores é 65 (homem) e 60 (mulher). Novamente falso, na verdade é 60 e 55.
Se as regras que Pochmann diz que existem realmente existissem, o Brasil já teria feito uma ampla reforma da Previdência. E ninguém viu.
(Na verdade, pode-se inferir que Pochmann é a favor da reforma. Se para ele estas regras já existem no Brasil, e ele não é contrário a elas, só se pode concluir que é a favor de uma reforma que de fato as aplique).
4) O dia em que o governo fez um gigantesco superávit
A dificuldade do Brasil pode ser ilustrada pelo seu déficit primário: ele começa em 2014 e segue até não se sabe quando – mesmo com uma agenda de reformas, demorará para ser revertido. Enquanto isso, a dívida cresce: o déficit primário significa exatamente que o governo não tem dinheiro para pagar suas contas (salários, aposentadorias, obras), pega emprestado com o mercado e rola sua dívida.
É este déficit de R$ 139 bilhões de que trata o item 2. Pochmann o reconhece, certo?
Errado: ele também aderiu recentemente à fake news de que o governo na verdade poupa metade do seu orçamento para pagar a dívida. Postou um gráfico que anuncia que “a dívida pública é o centro dos problemas nacionais”, convidando a refletir “fora da caixinha” sobre as razões do desajuste nas finanças públicas brasileira.
Tratamos desse tema nesta coluna. Se fosse verdade, nossos problemas estariam resolvidos também nesse front: o governo estaria fazendo um gigantesco superávit, e a dívida diminuindo.
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Uma visão generosa para explicar as afirmações é de que Pochmann foi ele próprio candidato nessas eleições (à Câmara, sem sucesso). Só que Pochmann foi apontado diversas vezes como o coordenador do programa econômico do PT.
Antes do 1º turno, Haddad tentou minimizar sua importância, dizendo que o programa havia sido feito por centenas de pessoas, e que Pochmann seria somente mais uma. No mesmo dia, o economista não foi o escalado para representar a candidatura no debate dos economistas das campanhas no Roda Viva, mas ainda naquela semana voltou a representá-la em debates.
O único recuo do plano de governo na área econômica feito por Haddad foi em relação ao regime de metas de inflação: defendido pelo candidato, mas rejeitado no seu próprio plano de governo. Nas próximas semanas veremos se Haddad caminhará ao centro ou manterá seu economista.