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Ciro quer reduzir o salário de todos os brasileiros. Precisamos falar sobre isso

Miguel Schincariol/AFP (Foto: )

“Redução do nível do salário real (…) que levará os empresários a aumentarem a taxa de acumulação de capital.” A proposta é de economistas de um dos principais candidatos desta campanha. É coisa de Bolsonaro? Alckmin? Meirelles? Amoêdo? Não, são os economistas de Ciro Gomes.

Do que estamos falando? Da proposta de desvalorização do real, que é enfatizada no programa de governo do candidato do PDT.

Ela é explicada de forma detalhada em um livro recente escrito pelo coordenador do programa de governo de Ciro, Nelson Marconi, e por outros dois economistas. Um é o ex-ministro Bresser-Pereira, que lançou um manifesto com o plano – subscrito por Ciro Gomes (o único presidenciável a fazê-lo). O terceiro autor é o professor José Oreiro, já entrevistado como conselheiro econômico do candidato.

Do que trata o livro? De promover a retomada do crescimento por meio da redução dos salários dos trabalhadores. O diagnóstico: o Brasil só se desenvolverá por meio da indústria. Os empresários industriais precisam investir (o “aumentar a taxa de acumulação de capital” lá em cima), mas hoje não têm dinheiro para isso. O dinheiro virá da redução dos salários.

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Como reduzir os salários? Por meio da desvalorização cambial. Reduzir nominalmente os salários é inconstitucional. O ajuste no câmbio, ao tornar o real mais fraco, vai cortar o que os economistas chamam de “salário real”. Nominalmente o salário seria igual, mas as coisas ficariam mais caras. O resultado é o mesmo: o empobrecimento dos trabalhadores.

Para que não reste dúvida, uma das seções do livro tem o seguinte título: Por que os trabalhadores aceitariam uma redução dos salários? A resposta é que o governo lideraria um debate entre trabalhadores e empresários, mostrando que no fim das contas esse seria o melhor caminho.

Acompanhe a lógica: o real mais fraco torna mais barato os produtos da indústria brasileira. Assim, elas vão exportar mais e se desenvolver. Como, nesse argumento, a indústria possui os melhores empregos, depois de alguns anos os salários dos trabalhadores serão maiores.

Perceba que o plano dos economistas de Ciro não é “malvadão”. De fato busca-se a redução dos salários para aumentar o lucro dos empresários em um primeiro momento. Mas esse dinheiro nas mãos dos capitalistas permitiria que o Brasil crescesse e a condição dos trabalhadores melhorasse.

No exemplo dos autores, os salários dos brasileiros seriam cortados em 6%, mas depois seriam maiores. Depois de quanto tempo? De quatro a cinco anos: “mas esse não é um período longo em vista dos benefícios de longo prazo para a classe trabalhadora”.

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Parece difícil de acreditar? Os próprios conselheiros de Ciro alertam para riscos. A resistência dos trabalhadores poderia resultar “em um processo de aceleração da inflação”.

O leitor pode achar que é implicância do colunista destacar o livro dos economistas do candidato, ou mesmo o manifesto que Ciro Gomes apoiou. Só que, em agosto, a proposta apareceu no plano oficial do candidato, registrado na Justiça Eleitoral.

É claro que é menos explícita do que o livro, e não fala abertamente em redução de salários. Mas o protagonismo da desvalorização cambial como solução para nossa crise aparece. O leitor já aprendeu o que querem dizer com câmbio competitivo (aliás, competitivo para quem?).

O que diz o plano:

É preciso (…) propiciar condições para que a taxa de câmbio oscile moderadamente em torno de um patamar competitivo para as empresas do país.

– A defesa de uma taxa de câmbio competitiva é essencial para (…) recuperar a capacidade das empresas brasileiras, produtoras de bens industrializados e serviços sofisticados, concorrerem no mercado externo.

– A taxa de câmbio deve oscilar, com reduzida volatilidade, em torno de um patamar competitivo para a indústria nacional.

Não é só o plano: Ciro repete a proposta em diversas falas.

O diagnóstico dos economistas de Ciro é considerado “heterodoxo”, e de fato não é comum no programa de outros candidatos. Para eles, o Brasil sofreria da “doença holandesa”: o real seria artificialmente alto e atrapalharia nossa indústria.

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Economistas ortodoxos duvidam tanto que o governo consiga controlar a taxa de câmbio (um preço) quanto que a indústria deva ser prioridade. Simplificadamente, o debate aqui é: países ricos são ricos porque têm indústria? Ou países têm indústrias porque são ricos?

Além de discutir os méritos do plano de empobrecer trabalhadores para apostar na indústria, precisamos falar também dos meios com que o real seria desvalorizado.

No livro dos economistas de Ciro Gomes, as soluções são claras, e igualmente polêmicas. Elas não se limitam às operações tradicionais do Banco Central: “Um país em desenvolvimento precisa ter uma política cambial ativa”. Os assessores de Ciro se identificam como sendo “a favor dos controles de capital” e “principalmente o controle de entrada de capitais”.

Além da restrição à entrada de dinheiro externo em nossa economia, o plano de empobrecimento dos trabalhadores tem outro mecanismo: impor impostos ao agronegócio.

Pelo diagnóstico, o real é artificialmente valorizado por conta do dinheiro que entra quando commodities são exportadas pelo Brasil, especialmente as agrícolas. Por isso, é necessário torná-las mais caras por meio de um imposto. Não para por aí: se fala até em “retenção sobre as exportações das commodities”.

Os economistas de Ciro ressaltam o desafio de impor tais políticas kirschneristas diante do poder político do agro. Assim, a chegada de uma vice ligada ao campo pode frear a pretensão.

De fato, o plano de governo oficial anuncia que a desvalorização do real será perseguida por meio um amplo ajuste fiscal e pela reforma da Previdência. Ao atacar o endividamento do governo, se reduziriam os juros altos que estimulam a entrada de dólares no país.

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O problema é como conciliar a promessa de ajuste com o histórico de declarações de Ciro Gomes. Ele propõe a capitalização da Previdência – que provoca perda de arrecadação – e fez críticas ferozes à reforma de Temer (“criminosa”, na sua versão mais branda). Sua principal bandeira é uma ideia de usar bancos públicos para refinanciar dívidas privadas, e rotineiramente manipula dados sobre a despesa e a dívida (explicados nessa coluna).

É difícil confiar na promessa de amplo ajuste fiscal do plano governo como instrumento principal para desvalorizar o câmbio, sendo talvez mais críveis as intervenções diretas preconizadas pelo livro dos seus economistas.

A pobreza do nosso debate é tal que o plano de redução de salários é sequer questionado pela esquerda. O manifesto de Bresser-Pereira, de linguagem menos clara, foi inclusive assinado acriticamente por uma série de importantes artistas: Chico Buarque, Raduan Nassar, Luis Fernando Veríssimo, Kleber Mendonça Filho, Wagner Moura e Laerte.

O destaque aqui fica por conta da professora Laura Carvalho, da USP, economista de Guilherme Boulos (PSOL) e interlocutora de Fernando Haddad (PT), com inegáveis credenciais de esquerda. Laura se recusou a assinar o Manifesto, e vaticinou: “Pra ter indústria tão competitiva no mercado externo a ponto de liderar o crescimento, teríamos que ter salário real de Bangladesh”.

É o trabalhismo que a Fiesp respeita.

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