Na última coluna fizemos uma análise da última legislatura da Câmara dos Deputados. Mostramos como os parlamentares se juntam para apresentar propostas. Essa rede possui várias “comunidades”, panelinhas de deputados que se conectam mais entre si do que com o resto da Câmara. Ao contrário do que ocorre em outros países, estes grupos não são os partidos políticos, mas, principalmente, as bancadas. A maior delas é a evangélica.
Algumas coisas chamam atenção nessa bancada nesse período. Ela é mais numerosa do que qualquer partido da legislatura, com mais de 80 membros (à direita na imagem abaixo).
Ela é também muito mais coesa do que os grandes partidos: isto é, a porcentagem de membros com laços com outros membros é maior. Este indicador foi de 50%. No caso do PMDB, a coesão é apenas 20%, e do PR – um partido grande – só 15%.
Isso mostra uma bancada não só numerosa, mas também organizada. Além disso, é uma bancada que cresce. Quando se analisa os dados da legislatura anterior, 2011 a 2015, percebe-se que quem chega maior ao final do primeiro mandato de Dilma é a bancada ruralista. Mas ela é desbancada pela evangélica ao longo do segundo mandato, seja por que elegeu mais membros ou porque arrebatou membros de outros grupos.
Mas qual foram, afinal, as principais pautas desse grupo?
Com mais de 40 assinaturas, a principal proposta foi a de um decreto legislativo para sustar uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transsexuais (CNDC). A resolução trata do reconhecimento da “identidade de gênero” em estabelecimentos de ensino.
Derrubar atos do governo Dilma de fato mobilizou muitos os membros do grupo. Mais de 30 deles se juntaram também para apresentar projeto de decreto contra portaria do Ministério da Educação instituindo “Comitê de Gênero” no MEC. A ideologia de gênero foi especialmente combatida também no documento final do Fórum Nacional de Educação (mais de 20 deputados da bancada foram coautores na proposta), e em decreto sobre uso de nome social de pessoas travestis e transexuais na administração pública.
Além de ideologia de gênero, também é tema caro à bancada o aborto. Mais de 10 deputados buscaram tornar crime de responsabilidade a atuação de ministros do Supremo que “usurpem” competência do Congresso, o que é entendido como uma resposta a julgados sobre aborto e drogas.
A agenda também foi voltada ao Ministério da Saúde, no sentido de exigir informações sobre viagens e acordos de cooperação com outros países que envolvessem pesquisas sobre aborto seguro.
Entre temas mais peculiares, identifica-se quase 20 autores na bancada evangélica para impedir a venda de bebida alcoólica nos grandes eventos que o Brasil sediou, e mais de 20 autores na proposta pelo reconhecimento da República Árabe Saaraui Democrática (Saara Ocidental), que busca separar-se do Marrocos. Trata-se de uma das regiões do mundo com menor incidência de cristãos.
E quem são os membros mais relevantes?
Os membros mais conectados da bancada evangélica na última legislatura aparecem em destaque na imagem abaixo. Como vimos na última coluna, um deles é o presidente Jair Bolsonaro. Outros incluem os deputados Diego Garcia e João Campos (reeleitos) e Givaldo Carimbão e Missionário José Olímpio (não reeleitos). Na verdade, embora seja conhecida como “bancada evangélica”, há em menor grau membros católicos atuando no grupo – caso de Garcia.
A onda de renovação no Congresso não afetou tanto os membros desse grupo. Metade dos pontos da imagem acima está na nova Câmara.