Pesquisadores constataram que ao longo das décadas de 1970 e 1980, os números de nascimentos iam se reduzindo pelo Brasil sempre que uma determinada empresa chegava a uma região. Feitos os devidos controles estatísticos, atribuíram essa queda na fecundidade a esta empresa. Não apenas o número de nascimentos diminuía, mas o padrão dos nomes dos bebês também mudava.
A empresa era a TV Globo. O efeito se daria pela influência das novelas, conforme estudo de pesquisadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) publicado no American Economic Journal: Applied Economics.
A drástica redução da taxa de fecundidade do Brasil é uma das explicações para o desequilíbrio da Previdência. Contrariamente ao senso comum, o chamado envelhecimento populacional não se refere apenas aos ganhos de expectativa de vida de idosos. Nos acostumamos a ver em reportagens sobre a transição demográfica a imagem de velhinhos na praça. Só que uma parte fundamental deste processo se dá na outra ponta: menos pessoas nascendo.
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Com menos nascimentos, diminui a quantidade de pessoas no mercado de trabalho. Em um regime de repartição, são elas que financiam os benefícios da atual geração de aposentados e pensionistas. Por isso o envelhecimento da população afeta duplamente a Previdência: é menos gente contribuindo para mais gente recebendo.
A redução da taxa de fecundidade no Brasil desde os anos 1950 é comparável à da China. Só que na China existe uma ditadura que adotou a política do filho único. Tanto Brasil quanto China tinham taxas de 6 filhos por mulher nos anos 50. Em ambos elas caem velozmente até menos do que 2 hoje. No Brasil é de 1,71 – já insuficiente para repor a população –, enquanto na China é 1,64, segundo a ONU. Nos próximos anos, a taxa de fecundidade brasileira vai estar abaixo da taxa chinesa.
A fecundidade brasileira já é menor do que a de vários países ricos, que nos antecederam no processo de transição demográfica. Entre eles, Austrália, Estados Unidos, França e Reino Unido.
A ideia da influência das novelas é atraente para explicar porque o Brasil teria tido queda tão mais rápida na taxa de fecundidade do que outros países, uma verdadeira “epidemia” de baixa fecundidade. Explicações mais gerais para o fenômeno no mundo incluem aumento do consumismo, escolarização, urbanização e mudanças quanto a arranjos familiares e sexualidade.
A violência vai diminuir. Esta é uma das consequências da mudança demográfica. A tendência ao longo das próximas décadas é uma queda acentuada na criminalidade, por um motivo simples: quem mais comete crimes são jovens.
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A saúde vai piorar. Ela também é muito afetada pelo envelhecimento da população, seja no seu financiamento seja em seu consumo. Para piorar, ela compete constitucionalmente com os recursos de nossa desequilibrada Previdência.
A queda na fecundidade junto com o aumento da expectativa de sobrevida provocam um processo que é muito mais acelerado no Brasil do que em outros países. Em 1950, a idade mediana no Brasil era de 19 anos. Em 2015, 31 anos. Em 2050, 45 anos. A alta nas próximas décadas é simplesmente a maior entre todos os países da América do Sul ou do G-20 (grupo de 20 maiores economias do mundo).
Em relação à expectativa de vida dos idosos, vale sempre frisar que ela não é medida pela expectativa de vida ao nascer. Este dado é afetado pela mortalidade infantil e mortes violentas de jovens (trânsito, crime). Quando um bebê pobre morre com poucas semanas de vida, a expectativa de vida ao nascer é muito afetada, porque é uma média da idade com que as pessoas falecem. Quando um jovem de 14 anos é assassinado com um tiro, também.
Por isso, para fins de previdência, é mais importante a expectativa de sobrevida em idades mais altas, que revelam o tempo que uma aposentadoria ou uma pensão devem durar. A expectativa de vida aos 65 anos é maior do que 81 em todos os estados brasileiros, segundo o IBGE. No conjunto do Brasil, está em 83 anos e 6 meses, e crescendo.
Aos 80 anos, a expectativa de vida do brasileiro é superior a 89 anos, ainda segundo a Divisão de População da ONU. Ela é bem próxima da americana, e já superior às de Alemanha, Coreia do Sul e Reino Unido.
Brasileiros que chegam à terceira idade estão vivendo muito: isso é maravilhoso, mas é por isso que o governo Jair Bolsonaro deve propor uma reforma da Previdência.
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A junção destes dois fenômenos – o ganho de expectativa de vida de idosos e a decisão das famílias brasileiras de terem menos crianças – inviabilizam a Previdência e o Estado brasileiro.
Segundo Rogério Nagamine Costanzi, do Ipea, em 2025 teremos a razão de 1,5 contribuinte para cada 1 beneficiário. Em 2040, sem reforma, esta razão será inferior a 1. Isto é, mais gente recebendo do que gente contribuindo.
Para equilibrar esta conta, sem reforma, a alíquota de contribuição sobre o salário deverá ser de 50% em 2040. Em 2050, quase 80%. Hoje, ela é da ordem de 30%, na soma de empregador (20%) e empregado (8% a 11%), e já há déficits altos.
Enquanto o Brasil ainda tinha uma taxa de fertilidade de 4 filhos por mulher, a Globo levava ao ar Dancin’Days, em que a mocinha luta contra a vilã (sem filhos) pela guarda de sua única filha. O efeito para os pesquisadores do BID da exposição deste padrão familiar teria sido maior em mulheres pobres e um pouco mais velhas: por isso, a hipótese é que as novelas influenciariam mulheres já com filhos a não ter mais gestações.
Se novelas como Dancin’Days afetaram ou não a nossa Previdência hoje, o fato é que temos um gigantesco desafio pela frente. Não controlamos a demografia, mas podemos controlar nossas escolhas e evitar o colapso do Estado nos próximos anos.