Os sucessivos déficits da Previdência são frequentemente explicados pelo envelhecimento da população: com a transição demográfica, há menos pessoas para sustentar o sistema (porque as famílias estão tendo menos filhos) e há mais pessoas para receber pagamentos (porque temos mais idosos vivendo mais). Fica então a pergunta: e quando a demografia era favorável?
De fato, o Brasil já teve uma estrutura etária mais piramidal. O problema: não havia real preocupação de poupar superávits para custear aposentadorias no futuro – como em uma adequada previdência privada.
Na verdade, até por isso é tão difícil migrar para um regime de capitalização. Com um sistema ultradeficitário, a capitalização significaria tirar arrecadação do sistema e piorar ainda mais as contas. Por isso, a proposta de capitalização na reforma da Previdência de Paulo Guedes deve ser: i) só para os mais jovens; ii) só sobre uma fatia da renda.
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Na proposta dos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner, por exemplo, a capitalização só afetaria nascidos em 2014 e quando ganhassem mais do que R$ 4 mil. É uma transição lenta, que plantaria a semente de um sistema mais sustentável no futuro. É que o pecado original da escolha pelo regime de repartição inviabiliza uma transição rápida.
Pois bem, da mesma forma que a Previdência é o pesadelo dos atuais governantes, ela foi uma benção para governantes do passado. Se os últimos governos em todas as esferas vêm sofrendo para tapar os déficits, cortando de diversas áreas do orçamento, elevando impostos e emitindo dívida, governantes do passado tiveram na Previdência verdadeiro maná dos céus.
Simplesmente havia gente demais contribuindo pra gente de menos aposentada. As promessas de pagamentos em aposentadorias e pensões seriam quitadas por outros governos no futuro. O que pode ser melhor para um político?
Chico Previdência, pesquisador pioneiro em apontar no século passado nosso apocalipse previdenciário, mostrou como recursos dos antigos institutos de aposentadorias e pensões – que eram capitalizados – foram usados para empreendimentos de heróis nacionais como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck.
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O financiamento ajudou na criação de estatais. Foi o caso da Vale, da CSN e da Chesf. O dinheiro foi usado também na construção civil, inclusive na construção de Brasília. Já em 1948 se questionava o retorno de investimentos como esses.
Até o BNDES surge na história. A lei que o criou, em 1952, estabeleceu que o Ministério da Fazenda tinha o poder de determinar que parte da poupança previdenciária seria “recolhida” ao banco.
No regime militar, a Previdência já funcionava nos moldes de hoje, vinculada diretamente ao Estado e em regime de repartição (contribuições de quem trabalha pagam os benefícios de quem não trabalha). O sistema começa a apresentar déficits seriais após a Constituição de 1988.
Por isso, da mesma forma que entendemos que hoje a Previdência drena recursos de outras áreas, entende-se que ela que foi drenada para outras áreas no período militar. Os investimentos da ditadura teriam se beneficiado da Previdência quando ela era jovem. A Previdência teria custeado, assim, a Ponte Rio-Niterói ou a Transamazônica.
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Uma possível defesa do regime é que na época o mercado de capitais era pouco desenvolvido e os investimentos em infraestrutura ajudaram a economia crescer, propiciando o crescimento da arrecadação que hoje cobre o déficit. A parte da despesa que não é coberta por contribuições previdenciárias é coberta por contribuições sociais, incidentes sobre o faturamento e lucro das empresas. Haveria, assim, retorno do investimento.
O fato é que não adianta chorar o leite derramado: esta é a nossa dor de cabeça. Não podendo voltar ao passado, resta-nos administrar um regime cuja despesa cresce em dezenas de bilhões por anos.
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A associação de auditores da Receita (Anfip) publicou este ano o texto O déficit da Previdência é fake, da servidora aposentada Maria Lucia Fatorelli, contrário à reforma da Previdência, em que indaga:
O governo não leva em conta que as pessoas que hoje estão aposentadas efetuaram as suas contribuições no passado, as quais foram usadas para construir Brasília, Ponte Rio–Niterói, a siderúrgica CSN e muitas coisas mais! Cadê o crédito decorrente desse uso dos recursos da Previdência?
O crédito não existe – infelizmente. Demolir a Rio-Niterói e distribuir pedaços aos aposentados não serviria de nada.
A opção de não reformar é perversa com as gerações mais jovens. Não bastasse a inconsequência dos governos no passado, o envelhecimento no Brasil é um dos mais acelerados do mundo. Sem reforma, sobre os mais jovens recai o ônus de uma dívida pública enorme em que incidem juros altíssimos, de uma carga tributária que terá de crescer em doses cavalares e da decadência das políticas públicas.
O colapso do Estado brasileiro não vai pesar sobre Getúlio Vargas JK ou Médici. Quem vai pagar somos nós e nossos filhos.
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