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Parte 2: Os 44 equívocos de Eduardo Moreira sobre a Previdência

Reprodução/YouTube (Foto: )

Na última coluna abordei a reforma da Previdência respondendo ao texto 44 coisas que todos deveriam saber sobre a reforma da Previdência, do Eduardo Moreira. A lista é longa, e vale o debate não só pela crescente popularidade de Moreira mas também porque muitos são argumentos contrários à reforma bastante difundidos – e frágeis.

Sigamos com as discordâncias:

12) A reforma não corta privilégios. Embora o discurso do governo de fato seja enganoso por dar a entender que apenas privilegiados são afetados pela reforma, o esforço dos que ganham mais é muito maior dos que ganham menos na proposta.

Moreira aponta que a maior parte do R$ 1 trilhão a ser economizado está no INSS, não nos servidores ou militares. É verdade. Mas é verdade também que o Regime Geral afeta muito mais pessoas. Quando se leva em conta a média por segurado em cada regime, verifica-se que a economia por servidor é 14 vezes maior, e a dos militares 18 vezes maior, do que a economia do trabalhador no INSS.

O impacto do R$ 1 trilhão em 10 anos, por trabalhador da iniciativa privada, é de R$ 9.600. Por servidor da União, R$ 140 mil. Por militar das FFAA, R$ 180 mil.

13) A reforma teria impacto direto e negativo na arrecadação do governo. Para Eduardo, como os benefícios previdenciários de menor valor viram gastos em consumo rapidamente, e como o governo tributa pesadamente o consumo, o governo perderia dinheiro com a reforma.

Há muito o que se questionar nesse raciocínio. O dinheiro da Previdência não significa também desconsumo do pagador de impostos, inclusive do que não tem acesso a ela? E por que o governo implementaria uma política que lhe traria menos dinheiro?

Se o gasto previdenciário volta como impostos para o governo, e reforma diminui a arrecadação, por que Eduardo não propõe uma contrarreforma? O governo não deveria diminuir idades e aumentar as aposentadorias, para que mais consumo gerasse mais arrecadação? Ou há algum limite nesse raciocínio? Os próprios multiplicadores de consumo, calculados pelo Ipea e apresentado por Moreira, mostram que este efeito não pode ser infinito.

Aliás, como isso difere do raciocínio da direita, do trickle down economics, de que uma expansão fiscal pelo lado da receita aumenta arrecadação do governo ao movimentar a economia? É o caso de quem alega que, se o governo aumentar impostos sobre os mais ricos, a arrecadação na verdade diminuiria.

É fundamental aqui também perceber que a reforma não visa reduzir o atual estoque de benefícios, mas meramente atenuar o fluxo. Aposentadorias e pensões não serão reduzidas ou cortadas como sugere Moreira, até porque os atuais beneficiários possuem direito adquirido.

14) A reforma vai inibir o crescimento da economia. Pela lógica de Eduardo, da mesma forma que o gasto previdenciário seria o motor da arrecadação, ele seria também o motor da economia – porque os gastos se multiplicariam a partir das aposentadorias e pensões.

Já percebemos o problema da lógica do gasto autofinanciável. Valem novas reflexões: não existem multiplicadores nos recursos que financiam a Previdência? Os tributos que a financiam e incidem sobre o consumo não têm efeito multiplicador (negativo)? O investimento público – principal despesa comprimida pelo gasto previdenciário – não têm multiplicador?

E por que o setor produtivo, como a construção, o varejo, e a indústria, aposta em uma proposta que irá lhes prejudicar?

15) A economia de milhares de municípios vai sofrer com a reforma, pois recebem mais da Previdência do que o próprio Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Como nas últimas afirmações, falta uma análise custo-benefício, em vez um de análise benefício-benefício.

O Brasil está próximo de gastar R$ 1 trilhão em benefícios previdenciários, enquanto o FPM soma cerca de R$ 100 bilhões.

Essa distorção impressionante não pode ser naturalizada. Na verdade, o governo federal arrecada menos com impostos (que são divididos com Estados e Municípios, como Imposto de Renda, compondo o FPE e FPM) do que com contribuições sociais.

Quer dizer, em boa parte das vezes que você reclama de pagar “muito imposto”, você está na verdade está reclamando de pagar muita contribuição para a Seguridade.

Diante dessa enorme desproporção entre Previdência e FPM, é evidente que boa parte dos Municípios vai receber mais do INSS do que do FPM (perceba, porém, que o FPM vai direto para as prefeituras, os benefícios do INSS vão para as famílias).

Quanto os Municípios deixam de receber, por conta do gigantismo previdenciário, com investimentos em diversas áreas – como educação, saúde e infraestrutura – ou mesmo transferências mais progressivas como o Bolsa Família?

Aqui cabe mais uma vez ressaltar que o estoque de benefícios não é alterado. Os benefícios recebidos nos municípios não serão cortados ou reduzidos.

16) O aumento das alíquotas dos servidores seria radical. É curioso: este argumento colide com a própria alegação de Eduardo Moreira de que a reforma não combate privilégios, que ele define em seu item 8 como benefícios maiores que o teto do INSS. Ora, ou bem esses beneficiários são afetados sim ou as alíquotas são radicais.

Eu discordo que o aumento seja radical. Servidores que se aposentam atualmente e nos próximos anos, quase todos que entraram no serviço público antes de 2003, são pesadamente subsidiados pelos contribuintes. O Estado transfere para eles R$ 2,3 milhões, corriqueiramente, pelas regras atuais – conforme os cálculos de Paulo Tafner.

Transferências em diferentes regimes

Fonte: Paulo Tafner

É justo que contribuam mais. E especialmente os que ganham mais (a alíquota é progressiva). Se eles não contribuírem, quem estará contribuindo? Conforme o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa:

Se o servidor público não deveria responder pelos supostos erros do Estado na condução de sua política previdenciária, muito menos legitimado estaria o cidadão comum a ser chamado para contribuir com benefícios que nunca lhe foram, nem serão concedidos.

Na verdade, a contribuição do servidor era responsável em 2016 por apenas 15% da despesa, no caso dos Estados, e 17% no caso da União. Nos dois casos, mais de 80% das despesas do regime são pagos pelo próprio contribuinte!

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretaria do Tesouro Nacional.

Cabe ressaltar que a alíquota que equalizaria o déficit financeiro – já considerando elevação proporcional na alíquota dos empregadores – é de 25%. Já a alíquota supostamente radical da reforma é de apenas 16,8% (efetiva) para alguém com salário de ministro do STF, no teto. Ainda segundo Joaquim Barbosa:

Os segurados (…) do Regime Geral não obtêm qualquer benefício do Regime Próprio de Previdência dos Servidores e, portanto, “partilhar” o déficit com as pessoas naturais e jurídicas privadas é injusto e abusivo.

Portanto, as alíquotas progressivas que Eduardo considera radical não são absurdo algum – especialmente quando se considera a ordem da Constituição para equilíbrio financeiro e atuarial nesses regimes (caput do art. 40 da Constituição).

É ainda a única maneira de afetar quem já têm direitos adquiridos, como auditores aposentados em idade precoce cujos argumentos Moreira parece fazer um “Ctrl C + Ctrl V”.

Mais uma vez fica claro que a visão de Eduardo namora menos com a esquerda e mais com o corporativismo da elite dos servidores.

17) O aumento das alíquotas dos servidores traria pequena economia. Há uma nova contradição: no afã de criticar, a mudança na alíquota é simultaneamente radical e traz pouca economia.

Nesse caso, Eduardo erra ao se basear somente no impacto federal. A conta divulgada pelo governo não inclui Estados e Municípios, muitos em situação gravíssima. O déficit atuarial desses entes até 2060 é próximo inclusive daquele do INSS. Como a maioria dos servidores não está na União, o impacto na arrecadação de Estados e Municípios não deve ser ignorado.

18) Não haveria absolutamente nada a atingir marajás. Aqui, o ponto de Eduardo é que a instituição da previdência complementar do servidor federal em 2013 (Funpresp) colocou todos os novos servidores no teto do INSS (R$ 5.800).

Mas a reforma atinge frontalmente os servidores que ganham acima do teto do INSS (a relação entre marajá e o teto do INSS é do texto original, não desse colunista). Não apenas a alíquota de contribuição sobe, como vantagens que não existem no INSS serão restritas.

Falo da integralidade (direito de receber o último salário independentemente da média salarial e da expectativa de sobrevida) e da paridade (direito de ser remunerado por ganhos de produtividade dos trabalhadores da ativa).

Essas vantagens, que existem para quem ingressou antes de 2003 (mais de 90% dos que se aposentam hoje na União), só poderão ser concedidas a eles aos 65 anos (homem) e 62 (mulher). É de grande valia para os Estados, cujos déficits já se aproximam de incríveis R$ 100 bilhões por ano.

A aposentadoria em idades mais jovens continua sendo permitida, em respeito às regras de transição pactuadas no governo Lula, mas se darão pela mesma fórmula de cálculo e de reajuste ofertadas aos demais brasileiros.

A alteração de 2013 demorará décadas e décadas para colocar todos os inativos federais sob o teto do INSS, justamente porque só se aplica aos novos servidores que ingressaram após aquele ano.

19) A reforma não afetaria quem ganha acima do teto do STF. Afeta. Em tese, nenhum inativo deveria ganhar mais do que o teto, mas alguns conseguem – por exemplo – via decisão judicial. Por isso, há uma faixa de alíquota exatamente para quem ganha acima de R$ 39.000, de 22%.

Suponha um cidadão com benefício de R$ 60 mil. Hoje ele paga de contribuição menos de R$ 6 mil (alíquota efetiva de 9,9%). Com a reforma, pagaria muito mais (R$ 10.500, alíquota efetiva de 17,5%).

20) Nenhum servidor público que ingressou desde 2013 teria aposentadoria superior ao teto do INSS. Moreira prossegue para afirmar que não é a Nova Previdência que irá realizar a limitação ao teto, porque ela já existe há 6 anos.

Não é bem assim. A mudança de 2013 valeu apenas para servidores federais. Para Estados e Municípios, onde os déficits financeiro e atuarial são muito maiores – e onde estão a maioria dos servidores –, a mudança ainda é optativa.

Com a reforma de Bolsonaro, ela seria obrigatória.

21) A reforma não cria a idade mínima de 65 anos para homens, porque ela já existiria. Segundo Eduardo, a Constituição (art. 201, § 7º) já prevê também uma idade mínima de 60 anos para as mulheres – que pela reforma está subindo em 2 anos.

Há confusão. Moreira está falando da aposentadoria por idade, não da aposentadoria por tempo de contribuição. Esta aposentadoria, usufruída pelos trabalhadores mais escolarizados, das ocupações mais produtivas e das regiões mais ricas, não possui idade mínima. A aposentadoria por tempo de contribuição é o benefício de maior custo para a Previdência, e principal objeto da reforma, de longe.

Nela, é permitido se aposentar somente com tempo de contribuição, 35 anos para homens e 30 para mulheres. O benefício é literalmente previsto no mesmo parágrafo da Constituição citado por Eduardo.

Por isso, e também pela desigualdade presente em permitir que trabalhadores mais ricos se aposentem muito antes dos mais pobres, é que a idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição está sendo criada.

Mais uma vez, há uma contradição insanável no texto de Moreira. Como a reforma faz simultaneamente as pessoas morrerem sem se aposentar e não eleva as idades? Ou bem se está criando a idade mínima ou não se está.

22) A aposentadoria por tempo de contribuição já teria regra de idade desde 2015. Para Eduardo Moreira, com a criação da fórmula 85/95 progressiva (hoje em 86 para mulheres e 96 para homens), é exigido para se aposentar a soma de 86 anos entre idade e tempo de contribuição para mulheres e 96 anos para homens.

Este requisito para aposentadoria simplesmente não existe! Este equívoco grosseiro é frequentemente veiculado pelo professor da Unicamp Eduardo Fagnani, que colaborou com o texto.

O que é então a tal fórmula 85/95? Uma regra para ter uma aposentadoria maior, não para se aposentar. Os trabalhadores que satisfazem a soma ficam sem a aplicação do fator previdenciário. Ou seja, podem se aposentar em idades jovens com 100% da média, independentemente da expectativa de sobrevida.

É exatamente o contrário do que Eduardo Moreira afirma! (“regra que impede que as pessoas se aposentem cedo demais recebendo integralmente seus benefícios”).

Por isso, a fórmula 85/95 promoveu uma grande elevação do gasto, não o contrário. Perceba: a aposentadoria por tempo de contribuição seguiu sem regra de idade, mas parte dos segurados passou a se aposentar sem o fator previdenciário.

A sua criação, em 2015, fez parte da chamada “pauta-bomba” do deputado Eduardo Cunha contra o governo Dilma Rousseff. Não à toa, Dilma vetou a formula 85/95, e negociou a fórmula progressiva para atenuar o estrago.

Como Eduardo simplesmente entendeu errado, afirma “a ideia da Reforma não é fazer justiça atuarial (esta já está feita)”.

Esta pauta-bomba gerou um aumento do gasto de R$ 2 bilhões apenas nos 2 primeiros anos da medida: os benefícios já concedidos entre julho de 2015 e julho de 2017 custarão R$ 55 bilhões até serem cessados, segundo estudo do Ipea.  Ela agrava o desequilíbrio atuarial!

23) Reforma de Bolsonaro eleva os requisitos da fórmula 85/95. Não é verdade. A fórmula 85/95 atual, que como vimos é uma fórmula para o cálculo do benefício, é extinta.

O que a reforma de Bolsonaro faz é criar uma regra de transição para a idade mínima com a lógica de 85/95 como regra de aposentadoria, não de cálculo! Esta é também a proposta do ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa.

Perceba a diferença: a atual eleva o gasto, a nova o reduz. A atual não altera o fluxo de aposentadorias, mas aumenta o valor dessas aposentadorias. A nova altera o fluxo.

Em verdade, observe que a manifestação de Edu Moreira sobre a 85/95 não vem com críticas. Se ele entende que uma regra de idade já existe para a aposentadoria por tempo de contribuição e advoga que ela promove justiça atuarial, só se pode concluir que ele concorda com ela!

Então Eduardo Moreira é a favor do fim da aposentadoria por tempo de contribuição?

24) O Regime Geral geraria um efeito redistributivo enorme. De fato, o efeito “redistributivo” do Regime Geral é certamente superior ao dos regimes próprios dos servidores. Contudo, ele ainda é considerado concentrador de renda – especialmente no caso da Previdência urbana.

Nos termos dos pesquisadores Marcelo Medeiros (UnB) e Pedro Souza (Ipea), “a Previdência contribui com cerca de um quinto de toda a desigualdade“. Assim, a preocupação na reforma deveria ser com os benefícios que de fato são mais progressivos (os de menor valor) – cientes de que não são todos que possuem esse atributo.

Um amplo conjunto de evidências aponta que outras transferências são muito mais efetivas em reduzir a pobreza – notadamente o Bolsa Família. A grande referência aqui são os estudos do economista Ricardo Paes de Barros, mas também publicações de instituições como a OCDE.

Neste sentido, caberia ao governo mostrar como pretende melhorar a focalização do gasto social. Mas fora o 13º do Bolsa Família, não há novidades nesse sentido.

25) O governo não disporia de modelo atuarial para fazer projeções de longo prazo. Não procede. O Executivo possui sim um modelo, que embora possa ser sempre questionado, foi disponibilizado ao público desde 2017 via comissões do Congresso, como neste link, e também anexado ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) anual.

A principal crítica, nesse sentido, é que o governo não disponibilizaria as gigantescas bases de dados usadas nas projeções, o que permitiria a pesquisadores independentes replicar as projeções.

26) O governo não diria em lugar algum quais parâmetros econômicos utiliza em suas projeções. O governo é obrigado por lei a anexar anualmente no PLDO suas projeções atuariais, e os parâmetros (por exemplo, crescimento do PIB) são apresentados.

Embora possam sempre estar sujeitas a discussões, passa longe de ser verdade que os parâmetros não são disponibilizados em lugar algum. Veja, por exemplo, o resultado da busca no Google para a expressão “projeções atuariais para o Regime Geral”. Em qualquer dos arquivos listados, de diferentes anos, constam os parâmetros.

***

Em outra oportunidade, terminaremos de discutir os problemas do texto de Eduardo Moreira – boa parte referente à capitalização.

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