David comemorou. Com salário no teto do funcionalismo público, o ministro poderia manter seus privilégios na aposentadoria. David foi a maior parte da vida advogado, vinculado ao INSS pagando contribuições de R$ 600. Porque virou ministro poderia se aposentar pelo teto, hoje em R$ 39 mil.
Pode se aposentar antes dos 60 anos, com os R$ 39 mil para o resto da vida, independentemente da sua média salarial de contribuições ser muito menor. O ministro David comemorou porque, por ter mais de 50 anos hoje, a reforma da Previdência não muda esses privilégios.
Era a reforma da Previdência de Temer, conforme sua proposta original.
Na reforma de Jair Bolsonaro, David terá de esperar até os 65 anos de idade se quiser manter o privilégio que não existe no INSS: se aposentar pelo último salário independentemente do valor das contribuições.
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David terá ainda que pagar contribuições muito maiores. Na reforma de Temer, isso não mudava: permanecia 11% sobre o salário. Na de Bolsonaro, a alíquota é progressiva e de até 22% sobre a maior faixa salarial. O ministro David estava melhor com a proposta de Temer do que com a de Bolsonaro.
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Ivan não gostou do que ouviu no rádio. Ele é camponês e trabalhou a vida inteira no sertão, em um trabalho penoso e incerto, sujeito a todo tipo de sazonalidade.
Ivan teria que trabalhar mais 5 anos para se aposentar. Porque a reforma da Previdência elevava a idade mínima do trabalhador rural de 60 para 65 anos.
Era a reforma da Previdência de Temer.
Na reforma de Bolsonaro, Ivan continuará se aposentando aos 60 anos de idade. O camponês Ivan está melhor com a proposta de Bolsonaro do que com a de Temer.
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Os personagens são fictícios, mas eles mostram como a reforma de Bolsonaro é mais dura com os mais ricos e menos dura com os mais pobres, em relação ao projeto original de Temer.
Embora a narrativa da discussão vá ao sentido contrário, essa é uma constatação fácil. Vamos analisar como era a outra reforma com os mais ricos e os mais pobres da Previdência, comparando com a reforma atual.
Servidores
A elite previdenciária são os servidores públicos que entraram antes de 2003, especialmente antes de 1998. Possuem regras de idade e, principalmente, valor do benefício muito mais vantajosos do que no INSS. Os déficits anuais dos regimes próprios superam R$ 100 bilhões e o déficit atuarial é medido em trilhões.
Os servidores custeiam menos de 15% da despesa, o resto fica na conta da sociedade. Esses regimes são tão concentradores de renda que, embora atinjam poucas famílias, são responsáveis por 7% da desigualdade de renda do Brasil.
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Como era com Temer: servidores com mais de 50 anos e servidoras com mais de 45 não sofreriam mudança no valor da aposentadoria. Também não pagariam nenhuma contribuição adicional. É o caso do ministro David.
Como é na de Bolsonaro: todos que quiserem manter as vantagens que não existem no INSS devem trabalhar até 65 anos (homem) e 62 anos (mulher). Quanto maior for o salário, maior será a contribuição, chegando a 22% para quem ganha o teto do funcionalismo. É o caso do ministro David.
Aposentadorias precoces no INSS
No INSS, a maior desigualdade reside hoje na ausência de idade mínima justamente para os trabalhadores que ganham mais e tendem a viver mais, pois são os que se aposentam só com tempo de contribuição. O pobre, que não consegue carteira assinada por tantas décadas, se aposenta por idade.
Como era com Temer: Homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 não precisariam se aposentar com idade mínima. Para os abaixo dessas idades, a transição era longa, de cerca de 20 anos.
Como é na de Bolsonaro: Há 3 regras de transição (por pedágio de tempo de contribuição, por idade, por soma de idade e tempo de contribuição). Mas elas atingem mais pessoas e a transição termina mais rápido (12-14 anos). Isto é, os que ganham mais e se aposentem mais cedo no INSS vão fazer um esforço maior nesta reforma.
Idade do trabalhador rural
O benefício rural, dentro do Regime Geral operado pelo INSS, é o que mais alcança as famílias mais pobres e também as regiões menos desenvolvidas do país. Hoje, se aposentam com 60 anos (homem) e 55 (mulher)
Como era com Temer: Homens e mulheres teriam no futuro idade mínima de 65 anos.
Como é na de Bolsonaro: A idade mínima não muda para homens, e a das mulheres sobe em 5 anos. Isto é, ficam todos em 60 anos. É o caso do camponês Ivan.
Tempo mínimo de contribuição
Na Previdência urbana, o que mais pode afetar os mais pobres em uma reforma é o tempo mínimo de contribuição, não a idade. Isso porque os benefícios destinados aos mais pobres já exigem idades mínimas relativamente altas. Para o mais pobre, o requisito mais complicado é o de tempo de contribuição, por conta do desemprego e da informalidade. Isso vale principalmente para as mulheres. O tempo mínimo hoje é de 15 anos.
Como era com Temer: O tempo mínimo subia para 25 anos.
Como é na de Bolsonaro: O tempo mínimo é 5 anos menor, subindo a 20 anos apenas.
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Benefício assistencial ao idoso pobre
Os mais pobres dos pobres, que não conseguem o tempo mínimo de 15 anos para uma aposentadoria no INSS, se “aposentam” pelo Benefício de Prestação Continuada, o BPC da Loas, aos 65 anos de idade com 1 salário mínimo – se comprovadamente pobre.
Como era com Temer: A idade mínima subia de 65 para 70, e o valor seria inferior ao salário mínimo.
Como é na de Bolsonaro: A idade mínima cai de 65 para 60 anos, e o benefício só será inferior ao salário mínimo entre 60 e 69 anos. Isto é, aos 70 anos seria de 1 salário mínimo.
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Isso não quer dizer que não existem aspectos sensíveis na proposta. O fato dela ser menos dura com o mais pobre do que a proposta original de Temer não quer dizer que não haja endurecimento em relação às regras atuais. São elas:
Aumento da idade mínima da trabalhadora rural
Por um lado, já gastamos mais com previdência rural do que com saúde ou educação no governo federal. Estudos mostram convergência da expectativa de vida do aposentado rural e do aposentado urbano. Sem a elevação, a diferença entre a mulher rural e uma mulher urbana seria de 7 anos – o que incentiva a demanda indevida por este benefício por mulheres urbanas.
Por outro, o governo já editou em janeiro uma medida provisória modificando as formas de comprovação da atividade rural, o que dificulta a concessão do benefício para trabalhadores urbanos. O impacto fiscal da mudança para a mulher rural não é relevante, o benefício é de 1 salário mínimo e se concentra no Nordeste. Assim, a mudança não seria prioritária. Isso serve também para a exigência de contribuição direta ao regime que passaria a haver quando não há comercialização da produção.
Aumento do tempo mínimo de contribuição
Por um lado, em média homens já contribuem 21 anos para receber a aposentadoria por idade – que exigiria agora 20 anos. Este é hoje um dos benefícios mais desequilibrados atuarialmente da Previdência, por conta da vinculação ao salário mínimo e da elevação que ele teve nas últimas décadas. Quer dizer, a aposentadoria é muito maior do que o salário que boa parte dos trabalhadores tiveram.
O governo optou por manter a vinculação com o salário mínimo, elevando o tempo mínimo de contribuição. A evidência de que seria viável elevar o tempo é de que ele já subiu de 5 anos para os atuais 15 anos, entre a década de 1990 e o início desta década. Ademais, o crescimento da economia e a reforma trabalhista facilitariam a formalização.
Por outro, mulheres pobres teriam maior dificuldade de se aposentar. Por quase toda a vida, a probabilidade da mulher estar desempregada ou informal é maior do que a do homem. A carteira assinada por muito tempo é especialmente difícil para mulheres. A mudança não precisa ser feita por PEC, podendo ser feita em outro momento por projeto de lei, se o governo avaliar que é mesmo necessária.
Mudanças no benefício assistencial do idoso pobre
Por um lado, há uma distorção pelo fato de o BPC pagar hoje benefício de mesmo valor e na mesma idade do que a aposentadoria por idade no caso dos homens: 65 anos, 1 salário mínimo. No limite, quem contribuiu por 34 anos e quem nunca contribuiu recebem o mesmo na mesma idade. A mudança estimularia a formalização. A vinculação deste tipo de benefício ao salário mínimo virtualmente não existe na América do Sul e em países desenvolvidos. Com a redução da idade mínima de 65 para 60 anos, sob determinadas hipóteses de taxa de desconto, o trabalhador ganharia no total mais do que com o atual modelo.
Por outro lado, não há transição na medida e quem já tem mais de 60 e menos de 65 teria rápida queda no benefício que receberia (de 1 salário para R$ 400) sem se beneficiar do período de recebimento adicional (de R$ 400 entre 60 e 65). Pode ocorrer perda também quando o salário mínimo crescer acima da inflação, ampliando a diferença com o que existe hoje. O argumento de que o BPC e a aposentadoria por idade do homem pagam o mesmo benefício na mesma idade é relativizado pelo fato de o BPC não pagar 13º e nem deixar pensão, o que diminui seu valor presente. Ademais, o argumento se fragiliza porque a maioria dos benefícios é pago a mulheres e não homens, em que a aposentadoria por idade é claramente mais vantajosa (5 anos a menos na idade).
A mudança no BPC é a parte mais polêmica da reforma até agora. Ela poderia ser modificada, com regra de transição e elevação linear no valor do benefício. Isto é, poderia não valer integralmente para quem está próximo dos 65 e poderia subir aos poucos dos R$ 400 aos 60 anos para os R$ 1.000, e não de uma única vez esperando 9 anos.
De toda forma, dado o risco de desproteção, o baixo impacto fiscal e o ruído que ela gera no debate, talvez pudesse ser simplesmente abandonada.
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