O governo espera gastar este ano mais de R$ 44 bilhões com a “previdência” dos militares. A cifra inclui as pensões – inclusive as vitalícias para filhas – e também inatividade militar, equivalente à aposentadoria (reserva, reforma). Apesar do gasto alto – cerca de 50% superior a todo o gasto do Bolsa Família, que alcança 50 milhões de miseráveis – a reforma da “previdência” dos militares ainda não foi enviada ao Congresso.
O governo não incluiu o grupo no amplo projeto de reforma apresentado: a Proposta de Emenda à Constitucional (PEC) nº 6, de 2019. A justificativa do governo é que além de terem especificidades, as regras dos militares não estão contidas na Constituição. Por outro lado, não havia qualquer impeditivo jurídico para constitucionalizar essas regras (como o governo fez com vários temas na reforma), nem de apresentar um projeto de lei separado no mesmo dia.
Foi uma decisão eminentemente política. Ela causa alguma preocupação porque o Presidente Temer também prometeu enviar um projeto de lei separado de sua PEC de reforma. Passaram-se 2 anos, Temer foi embora e o projeto nunca apareceu.
O tema é cercado de controvérsia. Para começar, a classe, incluindo seus comandantes, rejeitam os termos “previdência” e “aposentadoria”. Os militares possuiriam um sistema de “proteção social” e iriam para a “inatividade”, que não se confunde com a aposentadoria porque o militar ainda pode ser convocado. Em tese é verdade, na prática não tanto.
Os argumentos para um tratamento diferenciado para os militares são em parte convincentes. O mundo todo diferencia regras para inatividade militar, por questões de higidez da tropa e de hierarquia. O país não quer soldados velhos e, para funcionar bem, as Forças também retirar da tropa aqueles que não progridem na carreira e ficam velhos demais para uma determinada patente.
Contudo, embora muitos países permitam essas “aposentadorias” em idades jovens, é incomum que o valor do benefício seja o do último soldo, havendo descontos por conta da precocidade. No serviço público civil, essa forma de cálculo, chamada de integralidade e extremamente privilegiada em relação ao INSS, não existe mais para os que ingressaram depois da reforma de 2003.
A reforma dos servidores de 2003 também limitou a paridade, que segue existindo para os militares: direito do inativo de receber os mesmos aumentos de quem está em atividade.
O sistema custa caro – metade do orçamento da Defesa Nacional! – também por conta das pensões. A mais polêmica é a pensão vitalícia para filhas: ela não existe para os militares que ingressaram desde 2001. Os anteriores puderam manter o direito se contribuírem com uma alíquota baixa, de 1,5%. Por isso, este benefício continuará existindo e sendo pago pelo contribuinte por muitas décadas.
Há várias justificativas da classe para o tratamento mais vantajoso na inatividade e na pensão. Entre elas, a ausência de direitos trabalhistas – como FGTS, direito a greve, hora-extra –; as possibilidades de remoção pelo País; e as dificuldades que a carreira impõe à inserção dos cônjuges no mercado de trabalho.
Efetivamente, a regra privilegiada de aposentadoria e pensão é um salário diferido. O tratamento diferenciado para a “previdência” militar é visto mais como uma compensação à defasagem salarial relativa a outras carreiras. O soldo de militares federais é menor do que o de patentes similares de militares estaduais. Um militar de patente alta pode ganhar muito menos do que um segurança do Congresso.
Contudo, cabe frisar também que as “aposentadorias” e “pensões” militares possuem em média valores maiores até do que às dos servidores públicos federais. Elas estão abaixo dos valores privilegiados do Judiciário e Legislativo, mas acima dos benefícios no Poder Executivo – além dos do INSS. Superam R$ 10 mil no caso das aposentadorias e R$ 7 mil no caso das pensões.
Na comparação com outros países, a reforma dos militares continuaria permitindo aposentadorias antecipadas, mas não no valor de 100% do último soldo. Pelo mundo, a reposição mínima chega a ser de 40% na África do Sul, Índia e Colômbia. No México só se consegue 95% com 45 anos de tempo de serviço, e nos Estados Unidos se obtém 100% com 40 anos de tempo.
Informações dos jornais dão que o mais provável é a elevação do tempo mínimo de serviço, hoje em 30 anos, para 35 anos; e a instituição de uma contribuição sobre pensionistas. Pode ser uma boa combinação de um esforço contributivo maior, exigido pela área fiscal, com cuidado às sensibilidades da tropa, exigido pela área militar.
Na apresentação da proposta de reforma da Previdência pela equipe econômica, ficou claro que alguma proposta para os militares já está pronta. Isso porque chegou-se a se apresentar um número – relativamente alto – da economia esperada com as mudanças. Seriam R$ 28 bilhões em 4 anos e R$ 92 bilhões em 10 anos.
Vai haver cobrança de diversos grupos para que o projeto tramite na mesma velocidade com que a PEC da reforma. O debate não vai acabar com a apresentação da proposta.