Por conta da regra, que limita o gasto público, o presidente Michel Temer enviou o Orçamento de 2019 para o Congresso autorizando apenas metade do gasto do Bolsa Família. O orçamento enviado tem dinheiro também para pagar apenas duas de cada três aposentadorias. Também não prevê dinheiro suficiente para o BPC, benefício pago a idosos e pessoas com deficiência física em situação de miserabilidade. No total, são quase R$ 260 bilhões faltando por conta do limite ao gasto, com status constitucional.
Este limite é o da Emenda do Teto de Gastos, certo? Errado. Trata-se da Regra de Ouro.
O Teto, tão difamado, é uma regra mais suave do que a Regra de Ouro. Ela não é criação do ‘golpe’ ou de Temer: é do texto original da Constituição “neoliberal” de 1988. Simplificadamente, ela proíbe que o governo se endivide para pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias. É uma proteção para gerações futuras: se o governo vai contrair dívidas, tem que ser para investir. Deixa-se uma dívida, mas deixa-se um legado.
A Regra de Ouro entra em funcionamento porque não só é alto o déficit primário (a arrecadação de tributos menos as despesas primárias), mas porque não está financiando investimentos – tamanho o volume das despesas obrigatórias (principalmente Previdência).
Não temos dinheiro para cumprir a Regra para os próximos anos, e um entendimento político deve permitir uma aplicação branda dela.
Mas esta breve digressão ilustra a desinformação que cerca o Teto de Gastos, a Geni responsável pela precariedade dos serviços públicos e o colapso da infraestrutura. Atribui-se ao Teto as consequências que na verdade são do alto e crescente nível das despesas obrigatórias, notadamente as previdenciárias.
Vejamos então as 4 mentiras que são contadas sobre o Teto – reforçadas na campanha.
1) O Teto congela gastos em (insira aqui educação, cultura, saúde ou ciência)
Guilherme Boulos (PSOL) diz que houve congelamento de gastos com saúde e educação.
Ciro Gomes (PDT) diz que o teto impede a expansão do ensino infantil, do ensino médio e, muito mais gravemente, impede a evolução para o tempo integral.
Manuela D’Ávila (PCdoB) o culpou pelo incêndio no Museu Nacional, e previu a destruição da Biblioteca Nacional, do Museu de Belas Artes e do Arquivo Nacional.
Marina Silva (Rede) disse que ele congelou saúde, educação e outras áreas.
Na realidade, o Teto é um limite de gastos global, que não congela absolutamente nenhuma despesa individual. Ele limita o agregado: pode-se gastar mais com A, desde que se corte em B. É a soma A+B que está limitada.
Tomemos o caso do Museu Nacional. O Teto de Gastos impedia mesmo que se aumentasse os gastos com o Museu?
Não. Os gastos com o Museu podiam aumentar.
Em 10%? Sim.
Em 15%? Também sim.
Em 30%? Sim.
Em 50%? Sim.
O Teto permitia que se dobrasse o gasto com o Museu? Sim.
Triplicasse? Sim
Decuplicasse? Também sim.
O Teto de Gastos não impede que se construa um Museu Nacional em cada capital. O mesmo raciocínio vale para educação ou saúde. O Teto não impede que se fortaleça a educação infantil, ou o saneamento básico.
Ele meramente força a sociedade a escolher. Queremos creches ou auxílio-moradia para juízes? Saneamento básico ou aumento para servidores? Museu Nacional ou Maracanã?
Nesta coluna, focamos na escolha entre ciência e tecnologia, e Previdência. A Previdência é a maior despesa primária do governo, e cresce em R$ 50 bilhões por ano, obrigando corte em outras áreas.
Ela ilustra também como o Teto não congela despesas individuais. Quase todos os benefícios previdenciários crescem livremente – apesar do teto.
Ironicamente, apesar de todo o discurso de austeridade, o gasto social aumentou durante o governo Temer: exatamente por conta do envelhecimento populacional que amplia as despesas da Seguridade Social.
A crítica equivocada ao Teto tem sua lógica. Ao explicitar o conflito distributivo, o Teto tende a provocar a conclusão de necessidade de reforma da Previdência e revisão das despesas com funcionalismo – os dois maiores gastos da União.
Não à toa, organizações de servidores públicos, advogados previdenciários e toda sorte de lobby detestam o Teto, preferindo culpá-lo pelos cortes em outras áreas.
O Teto fortalece a democracia no sentido de que obriga a sociedade a deliberar sobre suas escolhas, por meio do Congresso Nacional. Antes dele o orçamento era uma peça de ficção.
A despesa total, que cresceu sem parar acima do PIB durante décadas, era diluída por meio de mais impostos para a sociedade ou mais dívida para os nossos filhos.
Todo ano eleitoral acaba com um aumento do teto dos servidores públicos, que beneficia em especial o Judiciário e o Legislativo. Estes aumentos a partir de agora precisam passar pela discussão que o Teto provoca. Bilhões a mais para os servidores são bilhões que terão que sair de outro lugar.
Se o Teto existisse no passado, de fato teria sido tão simples construir tantos estádios Brasil a fora para a Copa do Mundo, que hoje se mostram elefantes brancos?
2) O Teto impede investimentos
Boulos: A PEC de Temer e Meirelles congelou os investimentos públicos por 20 anos e criou uma camisa-de-força que impede o país de crescer.
Ciro: A PEC congela por 20 anos os investimentos do governo em saúde, educação, segurança e tudo aquilo que é essencial para maior parte do nosso povo.
Manuela: A PEC congela investimentos em saúde, educação e assistência social.
Marina: O teto de gastos congelou os investimentos em saúde, educação e outras áreas.
Outra curiosidade a respeito do Teto é que ele é particularmente generoso com investimentos, ao contrário do que se fala. Quando candidatos dizem que o Teto congelou investimento disso ou daquilo, se esquecem que investimentos não estão entre as despesas que são sancionadas pelo descumprimento do Teto.
Como assim? Quando o Teto é estourado, conforme a Emenda 95, algumas proibições passam a valer. Não se pode fazer concurso público, criar cargos, dar aumentos para servidores. Também não se pode aumentar benefícios previdenciários acima da inflação.
Mas não se proíbe em momento algum investimentos. Se um determinado presidente quiser estourar o Teto fazendo obras pelo país ou construindo museus, não há vedação. Desde que, como explicado acima, não se aumentem os gastos com servidores ou na Previdência. Adivinha quem não gosta nada disso.
Veja que a regra do Teto é então muito mais suave do que a própria Regra de Ouro que tratamos no início deste texto. Ela não dá essa aliviada ao governante, e seu descumprimento pode dar ensejo a um impeachment.
O impacto do Teto em investimentos é indireto, e somente se esta for a escolha da sociedade. Como o investimento é de fato menos protegido pelo nossa Constituição (é uma despesa discricionária, opcional), ele tende a ser canibalizado pelo gasto com Previdência ou servidores – se a sociedade assim quiser.
3) Dá para revogar o Teto sem aumentar impostos
Ciro: Revogar o teto de gastos é imperativo.
Boulos: O único caminho é revogar a emenda que congelou gastos públicos por 20 anos.
Manuela: Uma das propostas da nossa candidatura é o referendo revogatório da Emenda Constitucional 95.
Atribui-se hoje ao Teto insuficiências de recursos que não são dele. Afinal, o Teto foi fixado no nível de 2016, o maior da série histórica. Apesar do Teto, estamos com déficits primários desde 2014 e sabe se lá até quando. Se o Teto fosse revogado, de onde viria o dinheiro para aumentar despesas?
A Constituição, com a Regra de Ouro, veda mais endividamento. A Constituição veda também que se imprima dinheiro para pagar a despesa.
Sobra uma saída: aumento de impostos. Isso mesmo: a turma que é pela revogação do Teto não fala que a alternativa é mais imposto. Ainda que se possa aumentar a tributação sobre os mais ricos, ela é insuficiente para fechar nosso rombo, porque somos um país de renda média. Portanto, fundamentalmente, o teto de gastos é um teto de impostos.
O Teto de fato só provocaria cortes se estivéssemos com superávits primários, ou seja, arrecadando em impostos mais do que gastamos com despesas primárias (saúde, educação, Previdência, etc). Neste cenário, de fato haveria dinheiro para pagar por políticas públicas e investimentos que não seria usado por conta do limite de gasto.
Só que isso só acontecerá, com uma ampla agenda de reformas, daqui a muitos anos. Isso em um cenário otimista. Só então o Teto poderá ser culpado de qualquer coisa.
Portanto, quando critica-se a suposta austeridade do Teto, como se fosse uma medida aguda sendo tomada agora, deve-se ter em mente que ele é um ajuste suave, gradual, de longo prazo.
4) O congelamento dura por 20 anos
Boulos: Com a Emenda do Teto de Gastos, mesmo que o Brasil crescesse 2,5% todos os anos, os gastos públicos em áreas como saúde e educação para 16% em 2026 e chegariam a 12% em 2036.
Ciro: Não há precedente no planeta Terra exigir tabelamento de gastos por 20 anos.
Manuela: Com o congelamento dos gastos que foi aprovado por 20 anos, você está dizendo que o Estado deixará de aportar recursos em políticas públicas que são estruturantes paras as mulheres.
Marina: As políticas públicas no Brasil estão sofrendo um golpe, sobretudo com atitude irresponsável do governo em congelar os gastos em 20 anos.
Não vale dizer que o Teto é duro por durar 20 anos. Como aprovado, ele existe por 10 anos: só até 2026 é que o limite será reajustado somente pela inflação (o que chamam de congelamento). Com reformas, talvez no final deste período é que haja alguma sobra no orçamento.
Nos anos seguintes, depois de 2026, outro indexador pode ser escolhido para a despesa (por exemplo, o crescimento do PIB).
Vamos concluir:
O que o teto não é: um teto individual para cada despesa que dura por 20 anos, que está provocando cortes no orçamento agora.
O que o teto é: um teto global que dura por 10 anos, que pode provocar cortes no final deste período, mas só se amplas reformas derem certo, principalmente da Previdência.
Uma última observação: no dia seguinte à tragédia do Museu Nacional, uma entrada ao vivo da Globo foi interrompida por um manifestante culpando a emissora pelo incêndio. O motivo? Ela ter supostamente apoiado o Teto de Gastos. Não passe essa vergonha na TV.
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