José está preocupado: seu patrimônio e da sua família está diminuindo. Fez um investimento que rendeu menos que a inflação: existe perda real e também custo de oportunidade, porque seu dinheiro teria rendido mais mesmo na poupança ou no CDI. Infelizmente, o dinheiro está preso e José não pode sacá-lo para satisfazer as necessidades da sua família ou investir em algo melhor.
Eduardo é mais bem sucedido. Descobriu uma excelente oportunidade de pegar dinheiro emprestado a um valor baixo e passou a intermediar esses recursos com interessados. Ele é multimilionário.
John é um empresário bilionário. Ganhou dinheiro em vários países e veio empreender no Brasil, farejando a chance de conseguir empréstimo barato. Quer usar ele para construir quase 200 andares em uma das áreas mais valorizadas do país. Um belo negócio.
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José economizou por anos, e emprestou seu dinheiro para Eduardo e para John. Como? Pelo FGTS.
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é uma poupança obrigatória dos trabalhadores, de 8% do salário, que só pode ser sacada em ocasiões especiais. Enquanto isso, ela paga rendimentos pequeninos – abaixo mesmo do de aplicações conservadoras no mercado financeiro. Historicamente fica até abaixo da inflação.
O rendimento pequeno pago a José é uma ponta: a outra é o crédito barato para a construção. Ele beneficiou Eduardo, Eduardo Cunha. Só não beneficiou John – Donald John Trump – porque o empreendimento acabou não saindo do papel.
Apesar do esquema ilegal de Eduardo Cunha, boa parte dos “esquemas” do FGTS são lícitos. O arranjo Robin Hood às avessas de tirar dos salários dos trabalhadores para dar para empresários ricos está previsto em lei.
Em teoria é para subsidiar investimentos em habitação, saneamento e mobilidade, benéficos para a classe trabalhadora. Na prática, é dinheiro barato para o cartel das construtoras.
Por exemplo, para o Minha Casa Minha Vida (ligado ao FGTS por uma série de canais), a OAS criou a campanha eusonhOASssim e a Odebrecht tinha até um braço próprio, a Bairro Novo.
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Não só as grandes irmãs exploram o filão do FGTS: no MCMV se destacaram empreiteiras menores, como a MRV, a Tenda e a Direcional.
É injusto falar em “Bolsa Empreiteira”, atribuindo os lucros com o confisco dos trabalhadores apenas ao cartel. O FGTS é também o oxigênio da Caixa, que cobra uma absurda taxa de administração pelo investimento.
É de difícil compreensão a apatia da sociedade em relação ao tema, inclusive dos sindicatos. Afinal, as centrais sindicais compõem o Conselho Curador responsável pelo planejamento do Fundo.
Nessas eleições, entre os 13 candidatos à Presidência, somente um registrou no programa de governo o plano de enfrentar o golpe do FGTS: João Amoêdo, do Partido Novo.
Defende a “livre escolha da aplicação dos recursos do FGTS”, o que quebraria o monopólio de duvidosa constitucionalidade detido pela Caixa.
Eventual competição pela aplicação aumentaria os rendimentos, mitigando também problemas no mercado de trabalho (como as demissões voltadas ao saque para evitar corrosão dos recursos).
O capitalismo de compadrio, porém, tende a lutar contra este tipo de mudança. A competição não interessa aos caçadores de renda que usam conexões políticas para acessar o dinheiro fácil.
O discurso de cordeiro dos lobos ressalta a importância das políticas que usam as dezenas de bilhões de reais anuais do fundo, como habitação popular e saneamento.
Contudo, nada impede que elas recebam subsídios explícitos do orçamento, ao invés do incentivo parafiscal do FGTS.
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Além de Amoêdo, é possível contemplar o combate à repressão financeira do FGTS em outras campanhas. A despeito de não integrarem formalmente os programas, são nas de Alckmin, Alvaro Dias e Bolsonaro.
O economista Pérsio Arida, de Alckmin, tem um histórico de defesa de boas propostas neste sentido, que foram manifestadas na campanha. No caso de Bolsonaro, é possível imaginar que o FGTS esteja contemplado na “carteira de trabalho verde e amarela”, que possuiria menos encargos.
Nesse caso, seria como se os trabalhadores recebessem diretamente parte do que seria depositado em conta do FGTS. Não haveria poupança forçada (o dinheiro poderia ser gasto com consumo).
Aqui vale uma digressão, para os céticos que dizem que o empregador simplesmente embolsaria o valor do FGTS se ele não fosse obrigatório. A parcela repassada pode até ser menor para os trabalhadores menos qualificados, com menor poder de barganha, mas a competição dos demandantes no mercado de trabalho forçaria o repasse (o que não tem nada a ver com o empregador ser bonzinho, mas com ele buscar o lucro).
Quem acha que isso não aconteceria está convidado a pensar por que empregadores pagam salários acima do salário mínimo, em vez de embolsar os valores acima do que a lei exige.
De todo modo, o baixo interesse das campanhas pelo FGTS possivelmente reflete o baixo interesse dos eleitores. Fica ainda mais intrigante observar o fenômeno em uma campanha pautada pela discussão sobre os juros e devedores, iniciada pelo SPCiro. Debatemos os milhões de devedores no SPC, mas não como tratar os milhões de credores do FGTS. E agora José?
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