Uma nova velha promessa para resgatar a cidade de Ronnie Lessa. Depois do fracasso da Olímpiada, a ideia é transformar o Rio de Janeiro em uma “cidade federal”, um segundo Distrito Federal. A decadência econômica e a violência justificariam o Rio como cidade nacional, que seria adotada pelo governo federal.
A federalização foi cogitada por Michel Temer no fim do seu governo. O problema é que os recursos que salvariam o Rio são os mesmos que faltam em cidades mais pobres e violentas do que a Cidade Maravilhosa.
É verdade que a cidade sofre com o colapso do Estado, tanto em nível municipal quanto estadual, e que parte do debacle se deve a aspectos locais (queda do preço do petróleo, crise na Petrobras, quadrilha de Sérgio Cabral). Mas a crise financeira – em boa medida uma crise previdenciária – também é sentida em outros entes.
Em especial, o Rio de Janeiro ainda é uma das capitais mais ricas do Brasil e, contrariamente ao senso comum, não é das mais violentas.
PIB
Apesar da crise, segundo o IBGE o Rio ainda possuía o 2º maior Produto Interno Bruto do Brasil em 2016 (dado mais recente). O mais importante: em termos per capita, o Rio ainda é a 4ª capital mais rica do Brasil.
Se despesas do Rio forem assumidas pela “União”, isso significa que elas na verdade vão ser assumidas pelo conjunto dos Estados e Municípios. Por que Macapá – com 40% da renda do Rio – deve financiar gastos na cidade?
Qual a justificativa para federalizar o Rio de Janeiro e não federalizar Salvador? É uma das 3 capitais mais pobres do Brasil. Afinal, Salvador também já foi capital do Brasil e perdeu renda com a transferência para a nova sede do governo (este é um dos argumentos para o Rio como cidade federal). Na verdade, como sabemos, foi exatamente para o Rio que Salvador perdeu o posto de capital.
Fora da comparação com as capitais, existem outras 5.293 cidades mais pobres no Brasil do que o Rio de Janeiro (novamente em termos per capita).
Violência
Outro motivo a justificar a criação de um novo DF no Rio de Janeiro seria seus altos números de violência. Mas apesar da ampla divulgação pela imprensa nacional de crimes ocorridos no Rio, ela é uma das 10 capitais com a menor incidência de mortes violentas.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 o Rio tinha apenas 40% do índice de mortes violentas intencionais do que a capital em que se mais mata (Rio Branco, no Acre). Por 100 mil habitantes, a taxa é de 32,7.
Voltamos ao caso de Salvador: esta antiga capital tem 50% mais mortes per capita que o Rio. Macapá, a capital mais pobre, tem o dobro.
Outros argumentos
Para além da crise econômica e da violência, há na ideia do Rio cidade federal uma lógica de excepcionalismo (“não é possível apagar o traço nacional construído por dois séculos como capital do Brasil”). Exemplos internacionais do possível novo status do Rio incluiriam Bonn, na Alemanha, e São Petersburgo, na Rússia.
A este respeito, o economista Marcos Lisboa – em entrevista a Mario Vitor Rodrigues – faz um paralelo entre o Rio x União e a Grécia x União Europeia. Durante a grave crise fiscal ocorrida naquele país, gregos frequentemente se recusavam a fazer o dever de casa com argumentos sobre a importância histórica do país para a Europa:
“O Rio tem esse lado meio Grécia. Durante aquela crise inventada pelos gregos, (…) a atitude da Grécia sugeria a interpretação irreverente: “olha, cabe à Europa nos ajudar, afinal nós fizemos contribuições fundamentais para a filosofia, para a matemática…”. O Rio tem um pouco disso. Certamente teve uma contribuição incrível para a nossa cultura, mas também tem uma contribuição incrível para o Brasil velho, do retrocesso. O Rio vive uma crise inventada por ele mesmo.”
Outro argumento para o Rio cidade federal é a própria presença de muitos órgãos, servidores federais e empresas públicas na cidade. Essa presença federal – invejável do ponto de vista de outros municípios que não recebem essa renda – vira motivo para mais União na cidade.
Inclusive, em coluna da semana passada, vimos que, na última legislatura da Câmara, o Rio foi o único estado a constituir sua própria bancada temática. Nenhuma outra região formou grupo tão organizado. Os pleitos são de maior participação de órgãos federais na região (Ipea, Instituto Federal, Colégio Dom Pedro II), renúncias fiscais e demandas relativas a hospitais federais e à Petrobras. A bancada foi um grupo multipartidário, reunindo de Benedita da Silva (PT) a Otávio Leite (PSDB), passando por Miro Teixeira (Rede).
Nesse sentido, é inevitável a comparação com Brasília. Ela é a mais rica dentre as capitais e o Distrito Federal a mais rica entre as unidades da federação. Recursos federais são garantidos pela Constituição para custear despesas de caráter local e a região se beneficia pela renda do funcionalismo e pelas atividades econômicas desenvolvidas ao redor do Estado.
Diante da tanta desigualdade, deveríamos, porém, começar o desmame do Distrito Federal, e não imaginar que a solução do Rio é criar um novo DF.
A forte presença da mídia na cidade, em especial da Globo, é uma caixa de ressonância que dá uma dimensão nacional para a crise econômica e de segurança pública do Rio. Mas, como vimos, existem muitas capitais em situação econômica muito pior e sofrendo muito mais com a violência. São elas que, do fim ao cabo, custeariam os ganhos da nova cidade federal. Se é para federalizar, federalizem Macapá!