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Pedro Lupion

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O agro na Reforma Tributária: o que, de fato, a FPA conseguiu?

(Foto: Divulgação/Frente Parlamentar Agropecuária)

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A promulgação da Emenda Constitucional 132/2023 trouxe muitos pontos a serem resolvidos e, de certa forma, dúvidas, mas surpreendeu apenas aqueles que não estavam acompanhando o desenvolvimento da proposta desde 2019.

Não que haja certeza sobre tudo que vai acontecer. Sabemos que a Lei Complementar e o regulamento irão disciplinar boa parte dos pontos e, portanto, apenas com essas normas teremos segurança sobre o completo perfil do novo sistema tributário. Fato é, no entanto, que as alterações promovidas pela PEC representam, em ampla maioria, importantes avanços em comparação com o atual sistema. 

Ao retornarmos para 2019, relembramos que, naquele momento, a PEC 45 era – e fizemos esse alerta em diversas oportunidades – extremamente destacada da realidade brasileira. À época, dizíamos que a PEC 45 funcionaria no Brasil tal qual uma fórmula de física consegue chegar a um resultado em uma prova de vestibular (quando são desconsiderados o atrito, a alteração de pressão, a variação de temperatura, etc). Ou seja, era uma proposta de laboratório que desconsiderava as particularidades geográficas, sociais e econômicas do Brasil. 

Naquele texto, o setor agropecuário identificou, especialmente, os seguintes problemas: (i) vedação a qualquer tipo de tratamento diferenciado, com alíquota única para todos os bens e serviços; (ii) incerteza sobre o crédito da não cumulatividade e, em especial, da exportação; (iii) abrangência do conceito de contribuinte; (iv) oneração dos alimentos, especialmente com o fim da desoneração da tributação da cesta básica; (v) oneração do investimento e incerteza quanto ao aproveitamento dos créditos; (vi) ausência de correto tratamento aos créditos acumulados de PIS, Cofins e ICMS; (vii) tratamento equivocado do ato cooperativo; (viii) abrangência do imposto seletivo; e (ix) oneração dos insumos agropecuários.

À época, sob a presidência do deputado federal Alceu Moreira, a Frente Parlamentar Agropecuária apresentou os pontos pelos quais o setor estava, com total razão, preocupado. Foi quando os debates se iniciaram nos diversos ambientes - acadêmicos, empresariais e, com muita importância, no Congresso Nacional.

Já na presidência do deputado federal Sérgio Souza, autor de diversas emendas subscritas por quase duzentos parlamentares, as discussões evoluíram e o setor se estabeleceu como player nesse debate. Essas emendas foram indispensáveis para mostrar não apenas a necessidade de ajuste do texto, mas igualmente que, para manter as premissas da Reforma Tributária no sentido de simplificação e manutenção da carga tributária, o texto Constitucional deveria se adequar à realidade do agro brasileiro (e não o contrário). 

Por fim, na atual presidência da FPA (do deputado federal Pedro Lupion, um dos autores desse artigo), o setor alcançou, em nível constitucional, sua posição de destaque, reconhecendo as suas particularidades e foi atestado como principal vetor da economia. Pudemos acompanhar de perto a participação de todos os congressistas da FPA na sedimentação dos avanços, em especial, além dos já citados, do deputado Arnaldo Jardim e da senadora Tereza Cristina. Foram quase uma centena de emendas e sugestões de alterações, tendo as mais importantes sido atendidas, conforme será demonstrado adiante.

Convém registrar – em simplíssima e necessária introdução – que a Emenda Constitucional da Reforma Tributária (EC 132/2023) substitui cinco tributos (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) por um Imposto Seletivo (IS, de competência da União) e dois tributos no estilo IVA (Imposto sobre Valor Agregado): Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, competência dos Estados, DF e municípios) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, de competência da União). A regra geral é que os tributos (IBS e CBS) incidam no destino, com alíquota única para todos os bens e serviços consumidos ou prestados na localidade – salvo exceções previstas no texto constitucional -, regime amplo de débito e crédito (não cumulatividade plena) no sistema de Valor Agregado (IVA), com imunidade na exportação. 

Se comparado com o texto proposto inicialmente ainda em 2019, tivemos muitos avanços que a Frente Parlamentar Agropecuária pôde contribuir, de forma indispensável, com a Emenda Constitucional. Comentaremos alguns abaixo.

1) Abrangência do conceito de contribuinte: um dos principais pontos de colisão entre o setor agropecuário e a proposta inicial da reforma sempre foi a tentativa de estabelecer que todo e qualquer produtor rural seria contribuinte. A realidade brasileira mostra que os pequenos (e até médios) produtores rurais não possuem a capacidade operacional e financeira de, sem prejudicar a sua própria subsistência, efetuar o controle de débito e crédito da forma proposta. Veja-se que estamos em fase de discussão da tecnologia no campo, mas temos locais no Brasil que não temos sequer energia elétrica - quiçá acesso à internet. Isso, sem sombra de dúvidas traria aumento da despesa para o produtor, pois, a partir do momento que não faz a apuração dos créditos quando da aquisição de insumos, seu desembolso para quitar o tributo quando da venda seria maior. Aqui haveria, sem sombra de dúvidas, aumento da carga tributária, uma vez que o insumo estaria tributado e o crédito não seria passível de utilização.

A solução para esse problema foi estabelecer um teto para quem será contribuinte ou não. Nessa linha, a EC prevê que não serão contribuintes, além do produtor integrado, aquele que fature até 3,6 milhões de reais por ano, gerando, ainda, crédito presumido para a indústria adquirente como forma de equalizar a não cumulatividade. Este produtor pode, outrossim, optar por ser contribuinte se assim desejar. Essa medida alcança, aproximadamente, 95% dos produtores rurais brasileiros. E, atrelada a essa evolução, ainda temos a questão do crédito presumido, que é o instrumento pelo qual a neutralidade pode alcançar a operação e que será estabelecido por Lei Complementar.


2) Alíquota zero para Cesta Básica: a proposta inicial da PEC 45 não previa qualquer diferenciação de tributação para alimentos. Trazia apenas a possibilidade de cashback - algo que sempre foi obscuro - sem mostrar a sua efetividade e que tenderia a perpetuar programas assistencialistas. A inexistência de tratamento diferenciado para os alimentos prejudicaria, em verdade, muito mais do que apenas o produtor rural, porquanto a população brasileira seria atingida ao ter que adquirir alimentos com valores extremamente elevados. De tal forma era indispensável trazer uma melhoria na tributação dos itens da cesta básica: hoje cada Estado tem a sua lista de cesta básica e a União tem a sua própria. Ocorre que, ainda que a saída esteja zerada, sabemos que a atual forma de apuração dos tributos acaba gerando acúmulo de resíduo tributário. Isto é, no processo produtivo de um alimento da cesta básica (seja na fazenda, seja na indústria e até mesmo no comércio) há a incidência de tributos que não são recuperáveis ou compensáveis, gerando efeito resíduo de cumulatividade tributária e trazendo para o preço final esse custo.

Com a evolução do texto constitucional prevendo a alíquota zero da CBS e do IBS para os itens da cesta básica - que a Lei Complementar definirá - em um sistema efetivo de não cumulatividade, com possibilidade de aproveitamento integral de créditos decorrentes de investimento e de restituição/compensação, é certo que o alimento deve ter a sua carga tributária reduzida e, em decorrência, deve haver diminuição do preço ao consumidor.


3) Alíquota reduzida para alimentos: seguindo toda lógica do quanto dito acima e com a percepção de que nem todos os alimentos estarão listados como itens componentes da cesta básica, mas, ao mesmo tempo, igualmente devem ter tributação diferenciada, a PEC previu, como propostas da FPA, alíquota diferenciada para os alimentos. Já está estabelecido na Constituição Federal que os alimentos terão alíquotas reduzidas em 60%. Ou seja, se a soma das alíquotas dos alimentos for de 25%, teremos a lista de alimentos que não estão abrangidos pela cesta básica (que tem redução de 100%) com uma tributação de 10%. Podemos mencionar que estudos realizados por entidades especializadas dispunham que os tributos a serem substituídos correspondiam a uma carga de pouco mais de 10% sobre os alimentos. Então, uma alíquota reduzida que varie entre 10% e 12% (40% da padrão), corresponde à manutenção de carga tributária, caso sejam considerados alimentos em geral. É, sem sombra de questionamentos, evolução do atual sistema, permitindo que o alimento chegue mais barato, com preços justos ao consumidor.

4) Alíquota reduzida para insumos agropecuários: na mesma lógica de redução de alíquota em 60%, a FPA igualmente alcançou esta diferenciação para os insumos agropecuários, bem como retirou tentativa de restrição ao conceito de insumos. Agora, a Lei Complementar irá definir quais insumos serão abrangidos pela redução. Importante registar que, tal como os pontos anteriores e o próximo, ainda que a grande maioria dos insumos agropecuários tenham alíquota zero de PIS/Cofins e de ICMS, fato é que há grande acúmulo na cadeia, em virtude da necessidade de anulação dos créditos escriturais relativos aos insumos utilizados na produção de mercadorias isentas (problema introduzido pelo Convênio 26/21 que, ao alterar o Convênio 100/97, afastou a possibilidade de manutenção dos créditos de ICMS quando das saídas isentas na venda de insumos). A reforma trará maior racionalidade para essa situação.

5) Alíquota reduzida para produtos agropecuários: além da cesta básica (com tributação zerada), dos alimentos e insumos (alíquotas reduzidas em 60%), está expresso que a Lei Complementar irá definir os produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura que igualmente receberão a alíquota reduzida em 60%.

6) Imposto Seletivo não incidindo sobre a produção agropecuária: esse imposto, cumulativo, incidirá sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. Além de ter a expressa previsão de ser regulado por Lei Complementar - o que evita a edição de Medida Provisória e leva o debate ainda mais profundo para o Congresso Nacional - está devidamente expresso que não incidirá sobre aqueles itens que terão alíquota reduzida de CBS e IBS, mencionados nos itens anteriores.

7) Adequado tratamento das cooperativas: há décadas as cooperativas têm mostrado a sua importância não apenas para o setor agropecuário, mas igualmente para todos os demais setores que compõem o cooperativismo. Agora, a Reforma Tributária trouxe, no seu texto constitucional, a possibilidade de instituir o regime específico de tributação, de modo a manter a sua competitividade.

8) Tratamento favorecido dos biocombustíveis: também com a ideia de manutenção da competitividade, a FPA lutou pela atualização do texto constitucional naquilo que foi tratado na Emenda Constitucional 123/22, que prevê a obrigação de tratamento tributário favorecido para os biocombustíveis quando comparado com os combustíveis fósseis. Foi igualmente a FPA que batalhou pela singela, mas muito relevante, alteração no regime específico de tributação dos combustíveis de modo a permitir a manutenção e utilização dos créditos dos insumos utilizados na produção.

Além disso tudo, outros muitos pontos foram sendo adequados especificamente para o setor agropecuário durante as discussões. Podemos elencar: (i) a conditio sine qua non da imunidade na exportação, com garantia dos créditos a serem restituídos em prazo razoável, a ser definido por lei complementar; (ii) a impossibilidade de incidência do IPVA sobre aeronaves e máquinas agrícolas; (iii) previsão, já no texto da Emenda Constitucional, de alíquota zero para produtos hortícolas, frutas e ovos; (iv) os sucos sem adição de açúcar no conceito de alimentos.

Para mais do que os pontos mencionados, o agro igualmente será beneficiado com algumas modificações propostas pela reforma, a saber: (i) unificação das declarações e outras obrigações fiscais; (ii) unificação da legislação tributária; (iii) unificação do processo administrativo fiscal; (vi) redução de dúvidas quanto a qual tributo ou a Estado ou município pagar (“conflito de competência”); (v) possibilidade de tomada de créditos sobre todos os bens e serviços adquiridos com a incidência de IBS/CBS (“não cumulatividade plena”); (vi) possibilidade de utilização de créditos de ICMS, PIS e Cofins acumulados até o momento da transição.

Claro que não há como responder, ainda e abstratamente, se haverá aumento ou redução da carga tributária. Isso porque no atual sistema existem muitos regimes especiais – o que dificulta a definição da atual carga – e ainda não foi definida a alíquota dos novos tributos. No entanto, é importante mencionar que na PEC existem mecanismos pelos quais a alíquota de referência será reduzida caso exista aumento da carga tributária em comparação com o PIB (art. 130, §§ 4º ao 6º do ADCT), trazendo maior garantia que haverá um controle para que não haja o aumento da carga tributária analisada como um todo.

Ainda vale esclarecer que é verdade que a alíquota de referência está prevista para ser definida entre 25% e 30%, o que coloca o Brasil entre os maiores IVAs do mundo. Todavia, os tributos a serem substituídos já possuem alíquotas-padrão similares a essas (9,25% para PIS e Cofins e 18% para ICMS – somando 27,25% e calculadas por dentro) e não se garante ao contribuinte crédito integral sobre as suas aquisições. Ou seja: o Brasil já possui um dos maiores IVAs do mundo e a PEC, ao unificá-los, trará maior racionalidade, tratamento adequado e segurança jurídica.

É evidente que a proposta está longe do sistema tributário que todos nós gostaríamos. Todavia, é importante que ela seja comparada com o nosso sistema vigente, a fim de analisar seus efeitos. Nesse sentido, o atual texto da PEC 45 tem a importante função de, por um lado, unificar a regulamentação de diversos tributos – o que inegavelmente promove simplificação –, e, por outro, assegurar condição especial e competitiva ao setor agropecuário, que tanto contribui para a economia do Brasil. Temos o orgulho de ter contribuído para aprimorar o texto inicial da proposta, de modo a garantir o adequado tratamento do setor.

Para os anos de 2024 e 2025 o setor deverá trabalhar para alcançar a adequada tributação “do campo à mesa”, de forma a consolidar o regime tributário específico para a sua produção. É que, como visto, muitos pontos serão definidos na Lei Complementar, como as listas da cesta básica, de alimentos e de produtos agropecuários e insumos, bem como maiores definições sobre o imposto seletivo, o crédito presumido na operação com não contribuinte, a garantia de restituição dos créditos da exportação, dentre tantas outras situações que devem ser previstas com maior especificidade. Em outras palavras, agora começa a verdadeira batalha, na qual o setor irá, por intermédio da sua bancada no Congresso Nacional, demonstrar a sua capacidade de articulação para que tenhamos um texto adequado à realidade brasileira e, em especial, do agronegócio.

Sabemos que a mudança e a transição não serão momentos fáceis, mas serão necessários para aprimorar e modular o sistema agora presente apenas no papel. Nesse período, cresce a importância do Congresso Nacional, que deve permanecer atento às dificuldades dos contribuintes e funcionar como caixa de ressonância para as demandas, de forma a garantir que a mudança ocorra de forma segura e sem aumento da carga tributária, garantindo, ao final, a almejada simplificação.

Coautor do texto: Eduardo Lourenço. Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pelo UniCEUB e Master of Laws (LLM) em Direito Tributário pelo IBMEC. Sócio do Maneira Advogados.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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